As verdades e descobertas dois anos depois da campanha no Catarse

Desaparecido

A Lei número 12.528 de 18 de novembro de 2011 criou a Comissão da Verdade com o objetivo de examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas durante a Ditadura Militar. Dois jovens diretores tiveram a ideia de fazer um documentário para registrar a expectativa da sociedade em relação ao trabalho da comissão e ecoar a luta por memória, verdade e Justiça. Quase dois anos após viabilizar o filme no Catarse, Paula Sacchetta conta como dois filhos da abertura política juntaram 150 pessoas e R$ 20 mil para contar as histórias dos que ainda sofrem com dúvidas e incertezas sobre os mortos e desaparecidos políticos, as descobertas depois da campanha de financiamento coletivo e o impacto e as conquistas do filme.

Por Paula Sacchetta da João e Maria.doc

Há dois anos embarquei numa viagem sem volta. Uma viagem maravilhosa. O Peu Robles veio com uma ideia de fazer “um videozinho de cinco minutos” sobre a Comissão da Verdade. “Os xóvens de hoje mal sabem o que foi a ditadura, imagine só a Comissão da Verdade!”. Topei na hora. Logo em seguida, desenhando um pré pré pré roteiro percebemos que nossas ideias não cabiam em cinco minutos. Começamos a filmar mesmo assim, para ver onde ia dar.

Nosso equipamento de áudio era o pior possível e as primeiras entrevistas ficaram com um som péssimo. Decidimos que precisávamos comprar um equipamento de áudio. Também queríamos viajar pro Araguaia para conhecer os camponeses de quem só ouvimos falar. Ok, descobrimos que faltava dinheiro. Colocamos o projeto no Catarse conseguimos arrecadar quase R$ 20 mil em 40 dias. Um grande salve aos nossos 154 apoiadores! Viva!

Colocar o projeto lá e arrecadar toda essa quantia não foi tão fácil assim. Foi necessária e essencial uma mobilização dia a dia, durante todo o prazo. Um dia sem postar o link no facebook ou sem mandar e-mails era um dia sem entrar nenhum real, era um dia perdido, que não voltaria mais. Foi uma correria, mas ao fim do prazo extrapolamos a meta.

Rede de solidariedade

O Catarse, por um lado, permitiu a profissionalização do projeto, pois podíamos contar com uma quantia que não tínhamos antes e por outro lado, de repente, tínhamos 154 pessoas que não poderíamos decepcionar. De um lado profissionalizamos o filme e de outro assumimos uma enorme responsabilidade: entregar um produto à altura de toda aquela esperança que foi depositada na gente.

Além da quantia em si, com que compramos passagens de avião para filmar no Araguaia e um equipamento de som muito melhor, o Catarse também criou uma rede de solidariedade em torno do projeto. Gente dos mais diversos cantos do país começou a escrever oferecendo ajuda de todo tipo.

Também descobrimos que R$ 20 mil não era nada pra fazer um documentário, mas seguimos mesmo assim, trabalhando durante a semana para sobreviver, fazendo o doc aos fins-de-semana e sem tempo para mais nada. E os R$ 20 mil do Catarse foram essenciais para darmos o start inicial no filme. Pegamos até umas pesquisas de personagens para propagandas de TV, pra ganhar um dinheiro a mais pra investir no doc. Entrava e saía.

Desaparecidos e produção

Viajamos pro Araguaia, entrevistamos ao todo 53 pessoas incríveis, trabalhamos durante um ano todo e nunca conseguíamos fechar aquele filme. Não tinha fim, sempre dava pra ajustar isso ou aquilo. Inscrevemos o filme na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, não finalizado, sem correção de cor, com a trilha sonora do filme “O Leitor”, baixada da internet e roubada como referência e uma “carta de intenções” prometendo o mundo – e o filme finalizado a tempo.

E eis que veio a resposta: “fazemos questão que o filme estreie na Mostra, vocês conseguem terminar?”. Foi aquele deus-nos-acuda. Foi decretado o fim do que nunca tinha fim e corremos pra fechar tudo o que faltava. Acabou editado lindamente pelo querido André Dib, com um trilha linda do André Balboni, som direto captado pelo André Mascarenhas (sim, só tem André na equipe!), mixagem fina do Gui Jesus Toledo consertando todas as nossas cagadas de som, animações e grafismos do Alison Zago Brito, correção de cor do Pedro Moscalcoff tirando o amarelo que deixamos as pessoas parecendo os simpsons, e finalmente legendagem pro inglês feita do dia pra noite, maravilhosamente bem, pela Susana Ribeiro.

De repente tínhamos um filme de 55 minutos, em blu-ray, finalizado, prontinho pra estréia na Mostra. No dia 19 de outubro de 2013 fizemos a primeira exibição pública do menino. Nasceu! Dizem, na maior tela de cinema da cidade, no Cine SESC. A ideia de mandar pra Mostra não finalizado foi dos queridos Gilson Packer e da Simone Yunes. A gente não teria coragem de cometer tal crime!

Desde então, o ex “videozinho de cinco minutos” tomou um corpo que a gente nunca ia imaginar. Estreou bonitão na Mostra, passou na Cinemateca depois do Cine SESC e desde então não parou mais, dando um trabalho maluco aos pais, que passaram a viver em função dele. Nos poucos dias que sobraram depois de sua estreia, ainda em 2013, foram oito exibições e dois prêmios ganhos. Fomos parar no Acre, para passar o filme. Sim, o Acre existe! E foi em Rio Branco mesmo que acordamos depois da exibição do filme com uma notícia preocupada dos organizadores do festival: “olha, depois do debate quente ontem após o filme, a cidade amanheceu com três faixas pedindo a volta dos militares ao poder, porque o Brasil estaR (sic) sem comando’”.

Paula Sacchetta e Peu Robles na oficina de vídeo no Haiti Paula Sacchetta e Peu Robles na oficina de vídeo no Haiti

Em 2014 o menino brilhou. Engatinhou devagarinho no começo do ano, mas cresceu e virou gente mesmo em abril, no marco dos 50 anos do golpe. Nos desdobramos para atender aos caprichos da criança: o filme passou em duas cidades da Alemanha, o levamos para um passeio básico pelo Haiti, seguido de uma oficina de vídeo, passamos pela Bahia, Porto Alegre, Minas Gerais, Rio de Janeiro e diveeeeeersas cidades do interior de São Paulo.

Foram pelo menos mais 10 exibições em festivais, outro prêmio, uma menção honrosa e a compra de nada menos que mil cópias pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, para serem distribuídas nas escolas de rede pública! Só em 2014 estivemos presentes em 49 exibições ao ar livre, em praças, na favela carioca, nas salas mais lindas, em escolas, universidades, cursinhos populares com mais de 350 alunos, olimpíadas de história, em formações de professores, cineclubes e até nas Clínicas do Testemunho do Projetos Terapêuticos e do Instituto Sedes Sapientiae.

Depois de completar um ano e ficar todo todo, já se achando grande, ainda vai, agora em novembro, para um super festival de documentários no Irã! Ufa. Está legendado pro espanhol, inglês e francês. Nem sei como terminar isso aqui, é muita coisa pra contar, mas foi uma viagem maluca de ser engolida pela própria cria. Uma viagem de noites em claro, mal dormidas, ansiosa com o dia seguinte e triste pela última história de dor que tinha sido gravada.

Os entrevistados todos, que entraram ou não no filme, deram belíssimos depoimentos, de força, acreditando, como a gente, na missão de contar suas histórias mais tristes. Para que se conheça, para que nunca mais aconteça. Sem palavras pra agradecer todo mundo que esteve presente. De perto, de longe, nas exibições, na torcida, ou nos “likes”.

Por que você não fez o filme?

Uma jornalista perguntou pra gente “mas por que vocês fizeram esse filme, se nasceram depois do fim da ditadura e não têm parentes mortos nem desaparecidos políticos?”. Eu respondi com uma pergunta: por que você não fez o filme? Fizemos porque nos deram educação em casa. Nos ensinaram que coisas ruins como as que foram cometidas contra pessoas não podem ser esquecidas ou escondidas. Fizemos por acreditar que essa história diz respeito sim, a nós jovens nascidos pós “constituição cidadã” ou pós 1985, quando crimes da mesma espécie continuando sendo cometidos sistematicamente. Fizemos por acreditar que um país não pode ser diferente se não conhecer sua própria história. Do fundo do coração: meu mais sincero obrigada. Ou como diria Dilma Bolada, pra não perder o humor nesses tempos macabros: vlw flws. E quem reclamar eu faço outro.

Em breve mais informações sobre a estreia do doc na TV.

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Colaborador
Este texto foi escrito por um colaborador do Catarse! Quer ser um colaborador? Mande um email para comunicacao@catarse.me com a sua sugestão de pauta. ;)

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Desaparecido

A Lei número 12.528 de 18 de novembro de 2011 criou a Comissão da Verdade com o objetivo de examinar e esclarecer as violações de direitos humanos praticadas durante a Ditadura Militar. Dois jovens diretores tiveram a ideia de fazer um documentário para registrar a expectativa da sociedade em relação ao trabalho da comissão e ecoar a luta por memória, verdade e Justiça. Quase dois anos após viabilizar o filme no Catarse, Paula Sacchetta conta como dois filhos da abertura política juntaram 150 pessoas e R$ 20 mil para contar as histórias dos que ainda sofrem com dúvidas e incertezas sobre os mortos e desaparecidos políticos, as descobertas depois da campanha de financiamento coletivo e o impacto e as conquistas do filme.

Por Paula Sacchetta da João e Maria.doc

Há dois anos embarquei numa viagem sem volta. Uma viagem maravilhosa. O Peu Robles veio com uma ideia de fazer “um videozinho de cinco minutos” sobre a Comissão da Verdade. “Os xóvens de hoje mal sabem o que foi a ditadura, imagine só a Comissão da Verdade!”. Topei na hora. Logo em seguida, desenhando um pré pré pré roteiro percebemos que nossas ideias não cabiam em cinco minutos. Começamos a filmar mesmo assim, para ver onde ia dar.

Nosso equipamento de áudio era o pior possível e as primeiras entrevistas ficaram com um som péssimo. Decidimos que precisávamos comprar um equipamento de áudio. Também queríamos viajar pro Araguaia para conhecer os camponeses de quem só ouvimos falar. Ok, descobrimos que faltava dinheiro. Colocamos o projeto no Catarse conseguimos arrecadar quase R$ 20 mil em 40 dias. Um grande salve aos nossos 154 apoiadores! Viva!

Colocar o projeto lá e arrecadar toda essa quantia não foi tão fácil assim. Foi necessária e essencial uma mobilização dia a dia, durante todo o prazo. Um dia sem postar o link no facebook ou sem mandar e-mails era um dia sem entrar nenhum real, era um dia perdido, que não voltaria mais. Foi uma correria, mas ao fim do prazo extrapolamos a meta.

Rede de solidariedade

O Catarse, por um lado, permitiu a profissionalização do projeto, pois podíamos contar com uma quantia que não tínhamos antes e por outro lado, de repente, tínhamos 154 pessoas que não poderíamos decepcionar. De um lado profissionalizamos o filme e de outro assumimos uma enorme responsabilidade: entregar um produto à altura de toda aquela esperança que foi depositada na gente.

Além da quantia em si, com que compramos passagens de avião para filmar no Araguaia e um equipamento de som muito melhor, o Catarse também criou uma rede de solidariedade em torno do projeto. Gente dos mais diversos cantos do país começou a escrever oferecendo ajuda de todo tipo.

Também descobrimos que R$ 20 mil não era nada pra fazer um documentário, mas seguimos mesmo assim, trabalhando durante a semana para sobreviver, fazendo o doc aos fins-de-semana e sem tempo para mais nada. E os R$ 20 mil do Catarse foram essenciais para darmos o start inicial no filme. Pegamos até umas pesquisas de personagens para propagandas de TV, pra ganhar um dinheiro a mais pra investir no doc. Entrava e saía.

Desaparecidos e produção

Viajamos pro Araguaia, entrevistamos ao todo 53 pessoas incríveis, trabalhamos durante um ano todo e nunca conseguíamos fechar aquele filme. Não tinha fim, sempre dava pra ajustar isso ou aquilo. Inscrevemos o filme na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, não finalizado, sem correção de cor, com a trilha sonora do filme “O Leitor”, baixada da internet e roubada como referência e uma “carta de intenções” prometendo o mundo – e o filme finalizado a tempo.

E eis que veio a resposta: “fazemos questão que o filme estreie na Mostra, vocês conseguem terminar?”. Foi aquele deus-nos-acuda. Foi decretado o fim do que nunca tinha fim e corremos pra fechar tudo o que faltava. Acabou editado lindamente pelo querido André Dib, com um trilha linda do André Balboni, som direto captado pelo André Mascarenhas (sim, só tem André na equipe!), mixagem fina do Gui Jesus Toledo consertando todas as nossas cagadas de som, animações e grafismos do Alison Zago Brito, correção de cor do Pedro Moscalcoff tirando o amarelo que deixamos as pessoas parecendo os simpsons, e finalmente legendagem pro inglês feita do dia pra noite, maravilhosamente bem, pela Susana Ribeiro.

De repente tínhamos um filme de 55 minutos, em blu-ray, finalizado, prontinho pra estréia na Mostra. No dia 19 de outubro de 2013 fizemos a primeira exibição pública do menino. Nasceu! Dizem, na maior tela de cinema da cidade, no Cine SESC. A ideia de mandar pra Mostra não finalizado foi dos queridos Gilson Packer e da Simone Yunes. A gente não teria coragem de cometer tal crime!

Desde então, o ex “videozinho de cinco minutos” tomou um corpo que a gente nunca ia imaginar. Estreou bonitão na Mostra, passou na Cinemateca depois do Cine SESC e desde então não parou mais, dando um trabalho maluco aos pais, que passaram a viver em função dele. Nos poucos dias que sobraram depois de sua estreia, ainda em 2013, foram oito exibições e dois prêmios ganhos. Fomos parar no Acre, para passar o filme. Sim, o Acre existe! E foi em Rio Branco mesmo que acordamos depois da exibição do filme com uma notícia preocupada dos organizadores do festival: “olha, depois do debate quente ontem após o filme, a cidade amanheceu com três faixas pedindo a volta dos militares ao poder, porque o Brasil estaR (sic) sem comando’”.

Paula Sacchetta e Peu Robles na oficina de vídeo no Haiti Paula Sacchetta e Peu Robles na oficina de vídeo no Haiti

Em 2014 o menino brilhou. Engatinhou devagarinho no começo do ano, mas cresceu e virou gente mesmo em abril, no marco dos 50 anos do golpe. Nos desdobramos para atender aos caprichos da criança: o filme passou em duas cidades da Alemanha, o levamos para um passeio básico pelo Haiti, seguido de uma oficina de vídeo, passamos pela Bahia, Porto Alegre, Minas Gerais, Rio de Janeiro e diveeeeeersas cidades do interior de São Paulo.

Foram pelo menos mais 10 exibições em festivais, outro prêmio, uma menção honrosa e a compra de nada menos que mil cópias pela Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, para serem distribuídas nas escolas de rede pública! Só em 2014 estivemos presentes em 49 exibições ao ar livre, em praças, na favela carioca, nas salas mais lindas, em escolas, universidades, cursinhos populares com mais de 350 alunos, olimpíadas de história, em formações de professores, cineclubes e até nas Clínicas do Testemunho do Projetos Terapêuticos e do Instituto Sedes Sapientiae.

Depois de completar um ano e ficar todo todo, já se achando grande, ainda vai, agora em novembro, para um super festival de documentários no Irã! Ufa. Está legendado pro espanhol, inglês e francês. Nem sei como terminar isso aqui, é muita coisa pra contar, mas foi uma viagem maluca de ser engolida pela própria cria. Uma viagem de noites em claro, mal dormidas, ansiosa com o dia seguinte e triste pela última história de dor que tinha sido gravada.

Os entrevistados todos, que entraram ou não no filme, deram belíssimos depoimentos, de força, acreditando, como a gente, na missão de contar suas histórias mais tristes. Para que se conheça, para que nunca mais aconteça. Sem palavras pra agradecer todo mundo que esteve presente. De perto, de longe, nas exibições, na torcida, ou nos “likes”.

Por que você não fez o filme?

Uma jornalista perguntou pra gente “mas por que vocês fizeram esse filme, se nasceram depois do fim da ditadura e não têm parentes mortos nem desaparecidos políticos?”. Eu respondi com uma pergunta: por que você não fez o filme? Fizemos porque nos deram educação em casa. Nos ensinaram que coisas ruins como as que foram cometidas contra pessoas não podem ser esquecidas ou escondidas. Fizemos por acreditar que essa história diz respeito sim, a nós jovens nascidos pós “constituição cidadã” ou pós 1985, quando crimes da mesma espécie continuando sendo cometidos sistematicamente. Fizemos por acreditar que um país não pode ser diferente se não conhecer sua própria história. Do fundo do coração: meu mais sincero obrigada. Ou como diria Dilma Bolada, pra não perder o humor nesses tempos macabros: vlw flws. E quem reclamar eu faço outro.

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