A representação do inevitável: morte e luto na literatura

“A única certeza que temos em nossas vidas é que morreremos.” Com certeza, você já deve ter ouvido e falado essa frase em algum momento, pois, convenhamos, ela parte de um dos princípios da existência humana. No entanto, devido a razões culturais, espirituais, emocionais e pessoais, muitas pessoas evitam discutir abertamente sobre a morte e o processo de luto, tornando esses temas um tabu.

Contudo, fato é que o ser humano é incapaz de sobreviver à própria existência sem produzir arte. Por essa razão, essas temáticas têm aparecido nas diversas expressões artísticas desde a arte pré-histórica, onde encontramos representações em pinturas rupestres de rituais de enterro e crenças relacionadas à morte. Os anos se passaram, e, não poderia ser diferente, a representação da morte e do luto continua a ser uma parte significativa da arte contemporânea, principalmente na literatura.

Morte: o reflexo da inevitabilidade da vida

A representação da morte na literatura é um tema que foi se moldando de acordo com as transformações culturais, filosóficas e estéticas. Nas tragédias clássicas da Grécia Antiga, a morte era frequentemente retratada como uma parte inevitável da condição humana. Ela muitas vezes surgia como consequência de ações humanas que desafiavam os deuses, e os personagens enfrentavam destinos trágicos inescapáveis. 

Com a chegada do romantismo no século XIX, a representação da morte assumiu uma tonalidade melancólica e introspectiva. Autores como Edgar Allan Poe e Lord Byron exploraram temas góticos e sombrios, com toques de mistério e terror, refletindo o fascínio romântico pelo macabro, enfatizando a mortalidade e a fragilidade da vida humana. Com alguns anos de diferença, mas no mesmo século, houve o realismo, com uma abordagem mais crua e direta da morte, retratando a mortalidade como uma parte intrínseca da vida cotidiana. Já no início do século XX, com a chegada do surrealismo, a morte passou a ser explorada de maneira mais onírica e simbólica, sendo representada como um elemento do subconsciente humano.

Atualmente, na literatura contemporânea, a representação da morte transcende as fronteiras do simples fim da vida. Os autores têm buscado explorar a morte de maneiras profundas e multifacetadas, refletindo complexidades morais, éticas, filosóficas e emocionais que ecoam em nosso mundo moderno.

Uma característica notável é a mescla do real e do surreal, onde a morte assume formas simbólicas e metafóricas, fazendo uso de elementos mágicos e surreais para representá-la, tornando-a uma parte intrínseca da narrativa, permeando a vida dos personagens de maneira palpável. Um bom exemplo é A menina que roubava livros, em que a Morte é a narradora. Além disso, como a vida inspira a arte, em diversas narrativas há a incorporação de acontecimentos históricos, situando a morte em um contexto mais amplo. Pandemia, guerras e tragédias globais são temas que ecoam nas obras contemporâneas, sendo um espelhamento de nossas vivências, medos e inquietações atuais.

Foto Divulgação / Jo Sem Alma

Procurando por uma leitura que aborde a temática da morte? Então você precisa conhecer – e apoiar! – a campanha JØ SEM ALMA de Adri A, que se passa no mesmo universo do CARA-UNICÓRNIO. Esta HQ mescla vida e morte, oferecendo uma combinação de terror, comédia, ironia e alguns momentos absurdos. Além disso, traz reflexões sobre o sentido da vida – ou a falta dele.

Luto: ressignificando a dor da perda

A forma como a literatura retrata o luto tem mudado ao longo do tempo, refletindo as transformações nas perspectivas sociais e culturais. É importante ressaltar que o luto não se restringe apenas à experiência da morte física de alguém. De acordo com a psicanálise, o luto pode também se manifestar em resposta à perda de algo significativo em nossas vidas, como um relacionamento, um sonho não realizado ou uma mudança abrupta nas circunstâncias. Então, ao explorar o tema do luto na literatura, é essencial considerar essa ampla gama de experiências e emoções associadas a essa jornada de enfrentamento da perda.

Nas tragédias clássicas, o luto era retratado de maneira intensa, com personagens enfrentando a dor e o sofrimento de forma dramática, frequentemente relacionada ao destino trágico dos protagonistas. No romantismo, o luto ganhou uma nova dimensão, tornando-se uma forma de eternizar um amor perdido e gerando obras repletas de emoção. Já no realismo, o luto era representado como um processo doloroso, porém crucial, uma jornada necessária para aceitar a realidade da perda.

No cenário contemporâneo, autores têm se aprofundado na exploração das complexidades do luto, abordando não apenas a morte física, mas também a morte emocional e psicológica. Suas obras mergulham na experiência humana de lidar com a perda ao longo das vidas das personagens, refletindo como as emoções podem ser diversas e oscilantes. 

Por essa razão, a arte de narrar o luto é extremamente desafiadora, pois, seja por meio de narrativas fictícias ou memoriais, é preciso encontrar o equilíbrio perfeito entre o que permanece no momento presente, as memórias que desejam preservar (aquilo que será contado sobre o passado), e o ato de ressignificar as lembranças para transformar e dar novo sentido à dor da perda, tornando possível construir um futuro.

Foto Divulgação / Luto Abissal

Em busca de uma leitura que te faça refletir sobre como lidar com o sentimento de perda? Apoie Luto abissal, o primeiro livro ilustrado nacional da editora Moby Dick, escrito por Cristiano Seixas e ilustrado por Alexandre Tso. Uma jornada que explora o luto de Jonas após a perda de sua filha, principalmente após ser arremessado ao mar e sugado às profundezas. Durante esse processo, Jonas precisará buscar ar para voltar à superfície, não só do fundo das águas, mas também do controle de sua vida, de suas emoções e sentimentos.

Se aprofundando na temática luto e morte

Quer continuar refletindo sobre morte e luto? Conheça o projeto inFinito, que tem como objetivo olhar para a finitude contida no eterno com um olhar sensível e respeitoso. Em seu podcast Conversas sinceras sobre o viver e o morrer, o fundador, Tom Almeida, conversa com convidados especiais sobre como atravessar de maneira mais natural possível os processos de envelhecimento, adoecimento, terminalidade, morte e luto. Vale a pena conferir!

Lembrou de alguma campanha que merecia estar na lista? Deixe um comentário pra gente.

Lorena Camilo
Mestra em Estudos Literários, editora, redatora e aficionada por arte e cultura pop.

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A representação do inevitável: morte e luto na literatura

“A única certeza que temos em nossas vidas é que morreremos.” Com certeza, você já deve ter ouvido e falado essa frase em algum momento, pois, convenhamos, ela parte de um dos princípios da existência humana. No entanto, devido a razões culturais, espirituais, emocionais e pessoais, muitas pessoas evitam discutir abertamente sobre a morte e o processo de luto, tornando esses temas um tabu.

Contudo, fato é que o ser humano é incapaz de sobreviver à própria existência sem produzir arte. Por essa razão, essas temáticas têm aparecido nas diversas expressões artísticas desde a arte pré-histórica, onde encontramos representações em pinturas rupestres de rituais de enterro e crenças relacionadas à morte. Os anos se passaram, e, não poderia ser diferente, a representação da morte e do luto continua a ser uma parte significativa da arte contemporânea, principalmente na literatura.

Morte: o reflexo da inevitabilidade da vida

A representação da morte na literatura é um tema que foi se moldando de acordo com as transformações culturais, filosóficas e estéticas. Nas tragédias clássicas da Grécia Antiga, a morte era frequentemente retratada como uma parte inevitável da condição humana. Ela muitas vezes surgia como consequência de ações humanas que desafiavam os deuses, e os personagens enfrentavam destinos trágicos inescapáveis. 

Com a chegada do romantismo no século XIX, a representação da morte assumiu uma tonalidade melancólica e introspectiva. Autores como Edgar Allan Poe e Lord Byron exploraram temas góticos e sombrios, com toques de mistério e terror, refletindo o fascínio romântico pelo macabro, enfatizando a mortalidade e a fragilidade da vida humana. Com alguns anos de diferença, mas no mesmo século, houve o realismo, com uma abordagem mais crua e direta da morte, retratando a mortalidade como uma parte intrínseca da vida cotidiana. Já no início do século XX, com a chegada do surrealismo, a morte passou a ser explorada de maneira mais onírica e simbólica, sendo representada como um elemento do subconsciente humano.

Atualmente, na literatura contemporânea, a representação da morte transcende as fronteiras do simples fim da vida. Os autores têm buscado explorar a morte de maneiras profundas e multifacetadas, refletindo complexidades morais, éticas, filosóficas e emocionais que ecoam em nosso mundo moderno.

Uma característica notável é a mescla do real e do surreal, onde a morte assume formas simbólicas e metafóricas, fazendo uso de elementos mágicos e surreais para representá-la, tornando-a uma parte intrínseca da narrativa, permeando a vida dos personagens de maneira palpável. Um bom exemplo é A menina que roubava livros, em que a Morte é a narradora. Além disso, como a vida inspira a arte, em diversas narrativas há a incorporação de acontecimentos históricos, situando a morte em um contexto mais amplo. Pandemia, guerras e tragédias globais são temas que ecoam nas obras contemporâneas, sendo um espelhamento de nossas vivências, medos e inquietações atuais.

Foto Divulgação / Jo Sem Alma

Procurando por uma leitura que aborde a temática da morte? Então você precisa conhecer – e apoiar! – a campanha JØ SEM ALMA de Adri A, que se passa no mesmo universo do CARA-UNICÓRNIO. Esta HQ mescla vida e morte, oferecendo uma combinação de terror, comédia, ironia e alguns momentos absurdos. Além disso, traz reflexões sobre o sentido da vida – ou a falta dele.

Luto: ressignificando a dor da perda

A forma como a literatura retrata o luto tem mudado ao longo do tempo, refletindo as transformações nas perspectivas sociais e culturais. É importante ressaltar que o luto não se restringe apenas à experiência da morte física de alguém. De acordo com a psicanálise, o luto pode também se manifestar em resposta à perda de algo significativo em nossas vidas, como um relacionamento, um sonho não realizado ou uma mudança abrupta nas circunstâncias. Então, ao explorar o tema do luto na literatura, é essencial considerar essa ampla gama de experiências e emoções associadas a essa jornada de enfrentamento da perda.

Nas tragédias clássicas, o luto era retratado de maneira intensa, com personagens enfrentando a dor e o sofrimento de forma dramática, frequentemente relacionada ao destino trágico dos protagonistas. No romantismo, o luto ganhou uma nova dimensão, tornando-se uma forma de eternizar um amor perdido e gerando obras repletas de emoção. Já no realismo, o luto era representado como um processo doloroso, porém crucial, uma jornada necessária para aceitar a realidade da perda.

No cenário contemporâneo, autores têm se aprofundado na exploração das complexidades do luto, abordando não apenas a morte física, mas também a morte emocional e psicológica. Suas obras mergulham na experiência humana de lidar com a perda ao longo das vidas das personagens, refletindo como as emoções podem ser diversas e oscilantes. 

Por essa razão, a arte de narrar o luto é extremamente desafiadora, pois, seja por meio de narrativas fictícias ou memoriais, é preciso encontrar o equilíbrio perfeito entre o que permanece no momento presente, as memórias que desejam preservar (aquilo que será contado sobre o passado), e o ato de ressignificar as lembranças para transformar e dar novo sentido à dor da perda, tornando possível construir um futuro.

Foto Divulgação / Luto Abissal

Em busca de uma leitura que te faça refletir sobre como lidar com o sentimento de perda? Apoie Luto abissal, o primeiro livro ilustrado nacional da editora Moby Dick, escrito por Cristiano Seixas e ilustrado por Alexandre Tso. Uma jornada que explora o luto de Jonas após a perda de sua filha, principalmente após ser arremessado ao mar e sugado às profundezas. Durante esse processo, Jonas precisará buscar ar para voltar à superfície, não só do fundo das águas, mas também do controle de sua vida, de suas emoções e sentimentos.

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