Mais Crowd do que Funding - Como o filme Belo Monte conseguiu muito mais do que R$ 140 mil

cartaz do filme

Por Caio Tendolini

No fim de 2011, fui convidado para realizarmos a campanha de financiamento coletivo do documentário Belo Monte, anúncio de uma guerra, que retrata a realidade dos povos indígenas e ribeirinhos afetados pela construção da hidrelétrica, dando um panorama político e social em nível nacional. O diretor, o cineasta André D’Elia, tinha investido todo o dinheiro que tinha poupado para captar cerca de 200 horas de material no Xingu, Brasília, Altamira e outras localidades. Era hora de finalizar o filme, só que o orçamento para editá-lo e lançá-lo era de R$ 600 mil (fazer cinema é caro).

Optamos pelo financiamento coletivo, pois um filme que desafia as decisões do governo dificilmente seria patrocinado por verba pública ou por grandes empresas que têm pactos com o governo — e, mesmo se fosse possível, questionávamos a perda de autonomia sobre as informações colocadas no filme. O problema era que o maior projeto de financiamento coletivo no Brasil até então era de R$ 58 mil, mobilizados para a criação do Ônibus Hacker. Conversando com o pessoal do Catarse, percebemos que seria inviável buscar R$ 600 mil, e optamos por reduzir o valor para R$ 114 mil, quase o dobro do recorde anterior e uma meta muito ambiciosa.

Junto com o financiador coletivo serial Digo Castello, o grafiteiro Mundano e Daniel Joppert, planejamos e executamos o duro trabalho de uma campanha. Mobilizamos nossas redes pessoais. Nossos pais, mães, irmãos e amigos foram praticamente intimados a apoiar. Tivemos a sorte do tema ser pautado nas redes sociais pela campanha Gota D’Água, na qual artistas globais questionavam a construção da hidrelétrica. Fizemos eventos presenciais onde aconteciam conversas sobre o tema. Articulamos com movimentos socioambientais, culturais, artistas e coletivos. Participamos de protestos, manifestações e vigílias. Nos engajamos no tema e assim engajamos muitas pessoas. Batemos a meta em 15 dias. Captamos R$ 140 mil em 30 dias. A campanha foi um sucesso.

A maior surpresa, entretanto, veio no pós campanha. Sempre mantivemos uma comunicação muito intensa com os apoiadores ao longo da campanha. No fim, resolvemos fazer uma pesquisa para entender o que tinha motivado os apoiadores e perguntar quem estaria disposto a ajudar de alguma outra forma para além do dinheiro, dado que nosso orçamento era muito maior que o que havíamos arrecadado.

Os resultados foram surpreendentes. Dos 3.500 apoiadores do projeto, mais de mil (cerca de 28%) responderam. Todos ofereceram ajuda extra. A maioria para replicar conteúdo da página de facebook do filme, mas outros foram muito além. Conseguimos trilha sonora, trabalhos técnicos de cinema, como motion graphics e finalização de áudio e cor (todos de altíssima qualidade), e pautas em diversos jornais, revistas, blogs e outros meios de comunicação. Conseguimos lançar o filme no Auditório do Ibirapuera, com sala lotada.

Tudo isso foi feito a partir da colaboração de pessoas para além do dinheiro. Se formos orçar o que foi aportado por pessoas via conexões, mão de obra voluntária e engajamento geral, vemos que isso foi essencial para o projeto como um todo, e talvez tenha tido até mais valor (se fossemos precificar).

Crowd vale mais que o funding

Aqui no Catarse, adotamos a expressão “financiamento coletivo” (FC) como substituto do termo crowdfunding, uma tradução quase literal. Na prática, muitos ainda preferem o inglês, talvez por soar chique e inovador. Mas o conceito e a prática do financiamento coletivo, pelo significado separado das palavras, pode gerar um viés de entendimento do que, de fato, representa esse mecanismo.

Ao falar financiamento coletivo, automaticamente nosso cérebro faz a seguinte (e brilhante) conexão: é uma forma de financiamento! Já vimos, porém, que o FC vai muito além, e está mais ligado à viabilização do que ao financiamento.

Daí o leitor atento pode dizer, “ei, mas financiar e viabilizar não são a mesma coisa?”

Não!

Por mais que no dia a dia as duas possam muitas vezes ser utilizadas como sinônimos, viabilizar é, basicamente, fazer acontecer. Financiar é conseguir dinheiro para fazer acontecer.

A sutileza da diferença entre esses dois termos esconde uma dedução presente em quase todos nós: para fazer algo acontecer, precisamos de dinheiro. E isso, ainda no campo da sutileza, nos leva a conclusão de que é só com dinheiro que se faz as coisas.

Oras, isso não é verdade, né? Antes que os críticos mais ardentes se manifestem, não estou dizendo que dinheiro não é importante, e que qualquer um consegue viver sem ele. Apenas afirmo que, para viabilizar algo, há muitos outros fatores complementares ao dindin, e muitos deles estão diretamente relacionados a pessoas e relações.

No FC, a princípio, pode-se entender que o objetivo final é conseguir dinheiro, e essa é uma forma de utilizar o mecanismo. Mas vemos que os projetos mais legais e com maior sucesso são aqueles nos quais o realizador mobiliza, fortalece e expande sua rede — encontra, engaja e se comunica com as pessoas para além do apoio financeiro, pensando em formas de colaborar para além da bufunfa — e vemos que isso pode ser mais poderoso para a viabilização de uma ideia do que a simples busca desenfreada por dinheiro.

Cada vez mais, no Brasil e no Mundo, o financiamento coletivo é uma alternativa real para viabilizar projetos, e aí, se bem trabalhado, o crowd vale mais que o funding.
Colaborador
Este texto foi escrito por um colaborador do Catarse! Quer ser um colaborador? Mande um email para comunicacao@catarse.me com a sua sugestão de pauta. ;)

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Por Caio Tendolini

No fim de 2011, fui convidado para realizarmos a campanha de financiamento coletivo do documentário Belo Monte, anúncio de uma guerra, que retrata a realidade dos povos indígenas e ribeirinhos afetados pela construção da hidrelétrica, dando um panorama político e social em nível nacional. O diretor, o cineasta André D’Elia, tinha investido todo o dinheiro que tinha poupado para captar cerca de 200 horas de material no Xingu, Brasília, Altamira e outras localidades. Era hora de finalizar o filme, só que o orçamento para editá-lo e lançá-lo era de R$ 600 mil (fazer cinema é caro).

Optamos pelo financiamento coletivo, pois um filme que desafia as decisões do governo dificilmente seria patrocinado por verba pública ou por grandes empresas que têm pactos com o governo — e, mesmo se fosse possível, questionávamos a perda de autonomia sobre as informações colocadas no filme. O problema era que o maior projeto de financiamento coletivo no Brasil até então era de R$ 58 mil, mobilizados para a criação do Ônibus Hacker. Conversando com o pessoal do Catarse, percebemos que seria inviável buscar R$ 600 mil, e optamos por reduzir o valor para R$ 114 mil, quase o dobro do recorde anterior e uma meta muito ambiciosa.

Junto com o financiador coletivo serial Digo Castello, o grafiteiro Mundano e Daniel Joppert, planejamos e executamos o duro trabalho de uma campanha. Mobilizamos nossas redes pessoais. Nossos pais, mães, irmãos e amigos foram praticamente intimados a apoiar. Tivemos a sorte do tema ser pautado nas redes sociais pela campanha Gota D’Água, na qual artistas globais questionavam a construção da hidrelétrica. Fizemos eventos presenciais onde aconteciam conversas sobre o tema. Articulamos com movimentos socioambientais, culturais, artistas e coletivos. Participamos de protestos, manifestações e vigílias. Nos engajamos no tema e assim engajamos muitas pessoas. Batemos a meta em 15 dias. Captamos R$ 140 mil em 30 dias. A campanha foi um sucesso.

A maior surpresa, entretanto, veio no pós campanha. Sempre mantivemos uma comunicação muito intensa com os apoiadores ao longo da campanha. No fim, resolvemos fazer uma pesquisa para entender o que tinha motivado os apoiadores e perguntar quem estaria disposto a ajudar de alguma outra forma para além do dinheiro, dado que nosso orçamento era muito maior que o que havíamos arrecadado.

Os resultados foram surpreendentes. Dos 3.500 apoiadores do projeto, mais de mil (cerca de 28%) responderam. Todos ofereceram ajuda extra. A maioria para replicar conteúdo da página de facebook do filme, mas outros foram muito além. Conseguimos trilha sonora, trabalhos técnicos de cinema, como motion graphics e finalização de áudio e cor (todos de altíssima qualidade), e pautas em diversos jornais, revistas, blogs e outros meios de comunicação. Conseguimos lançar o filme no Auditório do Ibirapuera, com sala lotada.

Tudo isso foi feito a partir da colaboração de pessoas para além do dinheiro. Se formos orçar o que foi aportado por pessoas via conexões, mão de obra voluntária e engajamento geral, vemos que isso foi essencial para o projeto como um todo, e talvez tenha tido até mais valor (se fossemos precificar).

Crowd vale mais que o funding

Aqui no Catarse, adotamos a expressão “financiamento coletivo” (FC) como substituto do termo crowdfunding, uma tradução quase literal. Na prática, muitos ainda preferem o inglês, talvez por soar chique e inovador. Mas o conceito e a prática do financiamento coletivo, pelo significado separado das palavras, pode gerar um viés de entendimento do que, de fato, representa esse mecanismo.

Ao falar financiamento coletivo, automaticamente nosso cérebro faz a seguinte (e brilhante) conexão: é uma forma de financiamento! Já vimos, porém, que o FC vai muito além, e está mais ligado à viabilização do que ao financiamento.

Daí o leitor atento pode dizer, “ei, mas financiar e viabilizar não são a mesma coisa?”

Não!

Por mais que no dia a dia as duas possam muitas vezes ser utilizadas como sinônimos, viabilizar é, basicamente, fazer acontecer. Financiar é conseguir dinheiro para fazer acontecer.

A sutileza da diferença entre esses dois termos esconde uma dedução presente em quase todos nós: para fazer algo acontecer, precisamos de dinheiro. E isso, ainda no campo da sutileza, nos leva a conclusão de que é só com dinheiro que se faz as coisas.

Oras, isso não é verdade, né? Antes que os críticos mais ardentes se manifestem, não estou dizendo que dinheiro não é importante, e que qualquer um consegue viver sem ele. Apenas afirmo que, para viabilizar algo, há muitos outros fatores complementares ao dindin, e muitos deles estão diretamente relacionados a pessoas e relações.

No FC, a princípio, pode-se entender que o objetivo final é conseguir dinheiro, e essa é uma forma de utilizar o mecanismo. Mas vemos que os projetos mais legais e com maior sucesso são aqueles nos quais o realizador mobiliza, fortalece e expande sua rede — encontra, engaja e se comunica com as pessoas para além do apoio financeiro, pensando em formas de colaborar para além da bufunfa — e vemos que isso pode ser mais poderoso para a viabilização de uma ideia do que a simples busca desenfreada por dinheiro.

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