Por Paula Sacchetta da João e Maria.doc
Há dois anos embarquei numa viagem sem volta. Uma viagem maravilhosa. O Peu Robles veio com uma ideia de fazer “um videozinho de cinco minutos” sobre a Comissão da Verdade. “Os xóvens de hoje mal sabem o que foi a ditadura, imagine só a Comissão da Verdade!”. Topei na hora. Logo em seguida, desenhando um pré pré pré roteiro percebemos que nossas ideias não cabiam em cinco minutos. Começamos a filmar mesmo assim, para ver onde ia dar.
Nosso equipamento de áudio era o pior possível e as primeiras entrevistas ficaram com um som péssimo. Decidimos que precisávamos comprar um equipamento de áudio. Também queríamos viajar pro Araguaia para conhecer os camponeses de quem só ouvimos falar. Ok, descobrimos que faltava dinheiro. Colocamos o projeto no Catarse conseguimos arrecadar quase R$ 20 mil em 40 dias. Um grande salve aos nossos 154 apoiadores! Viva!Colocar o projeto lá e arrecadar toda essa quantia não foi tão fácil assim. Foi necessária e essencial uma mobilização dia a dia, durante todo o prazo. Um dia sem postar o link no facebook ou sem mandar e-mails era um dia sem entrar nenhum real, era um dia perdido, que não voltaria mais. Foi uma correria, mas ao fim do prazo extrapolamos a meta.Rede de solidariedadeO Catarse, por um lado, permitiu a profissionalização do projeto, pois podíamos contar com uma quantia que não tínhamos antes e por outro lado, de repente, tínhamos 154 pessoas que não poderíamos decepcionar. De um lado profissionalizamos o filme e de outro assumimos uma enorme responsabilidade: entregar um produto à altura de toda aquela esperança que foi depositada na gente.Além da quantia em si, com que compramos passagens de avião para filmar no Araguaia e um equipamento de som muito melhor, o Catarse também criou uma rede de solidariedade em torno do projeto. Gente dos mais diversos cantos do país começou a escrever oferecendo ajuda de todo tipo.Também descobrimos que R$ 20 mil não era nada pra fazer um documentário, mas seguimos mesmo assim, trabalhando durante a semana para sobreviver, fazendo o doc aos fins-de-semana e sem tempo para mais nada. E os R$ 20 mil do Catarse foram essenciais para darmos o start inicial no filme. Pegamos até umas pesquisas de personagens para propagandas de TV, pra ganhar um dinheiro a mais pra investir no doc. Entrava e saía.Viajamos pro Araguaia, entrevistamos ao todo 53 pessoas incríveis, trabalhamos durante um ano todo e nunca conseguíamos fechar aquele filme. Não tinha fim, sempre dava pra ajustar isso ou aquilo. Inscrevemos o filme na 37ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, não finalizado, sem correção de cor, com a trilha sonora do filme “O Leitor”, baixada da internet e roubada como referência e uma “carta de intenções” prometendo o mundo – e o filme finalizado a tempo.E eis que veio a resposta: “fazemos questão que o filme estreie na Mostra, vocês conseguem terminar?”. Foi aquele deus-nos-acuda. Foi decretado o fim do que nunca tinha fim e corremos pra fechar tudo o que faltava. Acabou editado lindamente pelo querido André Dib, com um trilha linda do André Balboni, som direto captado pelo André Mascarenhas (sim, só tem André na equipe!), mixagem fina do Gui Jesus Toledo consertando todas as nossas cagadas de som, animações e grafismos do Alison Zago Brito, correção de cor do Pedro Moscalcoff tirando o amarelo que deixamos as pessoas parecendo os simpsons, e finalmente legendagem pro inglês feita do dia pra noite, maravilhosamente bem, pela Susana Ribeiro.
De repente tínhamos um filme de 55 minutos, em blu-ray, finalizado, prontinho pra estréia na Mostra. No dia 19 de outubro de 2013 fizemos a primeira exibição pública do menino. Nasceu! Dizem, na maior tela de cinema da cidade, no Cine SESC. A ideia de mandar pra Mostra não finalizado foi dos queridos Gilson Packer e da Simone Yunes. A gente não teria coragem de cometer tal crime!Desde então, o ex “videozinho de cinco minutos” tomou um corpo que a gente nunca ia imaginar. Estreou bonitão na Mostra, passou na Cinemateca depois do Cine SESC e desde então não parou mais, dando um trabalho maluco aos pais, que passaram a viver em função dele. Nos poucos dias que sobraram depois de sua estreia, ainda em 2013, foram oito exibições e dois prêmios ganhos. Fomos parar no Acre, para passar o filme. Sim, o Acre existe! E foi em Rio Branco mesmo que acordamos depois da exibição do filme com uma notícia preocupada dos organizadores do festival: “olha, depois do debate quente ontem após o filme, a cidade amanheceu com três faixas pedindo a volta dos militares ao poder, porque o Brasil estaR (sic) sem comando’”.