Como Amarelo Seletivo nasceu no Catarse e conquistou o Troféu HQMix

Vencedor do Troféu HQMix na categoria Mangá e Produções Correlatas, ao lado de Daruma: Perseverança, Amarelo Seletivo percorreu um caminho que diz muito sobre a força das histórias independentes e do financiamento coletivo. Financiada a partir de uma campanha no Catarse, a HQ conquistou leitores ao abordar, com sensibilidade e potência, temas como identidade, pertencimento e o preconceito contra pessoas de ascendência japonesa, tudo isso pelo olhar atento e delicado de uma criança.

Nesta entrevista, conversamos com Ricardo Tayra, jornalista, produtor cultural e roteirista de quadrinhos, sobre a origem de Amarelo Seletivo, as escolhas criativas por trás da obra, a decisão de lançá-la via financiamento coletivo e o impacto de ver seu primeiro mangá autoral alcançar reconhecimento nacional e internacional. Um papo inspirador sobre criação, memória, representatividade e sobre como boas histórias encontram caminhos para ganhar o mundo.

Como surgiu a ideia da história Amarelo Seletivo e a vontade de colocá-la no papel?

Meu amor pelos quadrinhos vem desde que eu era criança: criar personagens era uma brincadeira constante. Fiz cursos, criança e adulto, mas nunca fiquei satisfeito com meu desenho e resolvi focar mais na escrita. No início dos anos 2000, colaborei com roteiros para um estúdio e, como produtor cultural, ainda produzi muitos eventos de quadrinhos, desde 2011.
Mais recentemente, comecei a elaborar a ideia de que deveria concretizar meu primeiro roteiro autoral, conectando de algum modo à minha realidade de nipo-brasileiro. Decidi que ia contar a história de uma criança e acabou sendo um processo natural situá-la nos anos 1980, já que decidi me inspirar na minha própria infância e vivência. 

Ensaiei algumas vezes a escrita, mas o pontapé inicial definitivo foi em janeiro de 2021, quando resolvi criar uma breve HQ (texto e arte) sobre quadrinhos que criei na infância. Produzir essas 5 páginas em 2 dias me ajudou a destravar a escrita. (PS: quem ficou curioso, esta HQ pode ser lida no meu Instagram e está no material extra da edição digital de Amarelo Seletivo, pela Conrad). Colocando hoje em perspectiva, dá pra levar em conta ainda o momento de pandemia que vivíamos, que ajudou a dar um sentimento de urgência para as coisas que eu queria contar.

Nessa altura eu já estava reunindo histórias diversas da minha época de criança, relacionadas à questão de identidade, pertencimento e preconceito. Foi bom ter produzido as páginas autobiográficas, mas eu acabei resolvendo que iria criar um personagem e tratar como uma ficção, ainda que baseada em muitos fatos reais vivenciados por mim.
Por conta do tema, eu já vislumbrava que teria de ser desenhada por uma pessoa descendente de japoneses, como eu. Eu já era fã do trabalho da Talessa, tinha contato com ela, e foi o primeiro nome que me veio à mente como possibilidade para ilustrar. Para minha alegria, ela tinha disponibilidade e conseguimos entrar num acordo. A arte da TalessaK (seu nome artístico) foi também fundamental para o sucesso da HQ!

TalessaK e Ricardo Tayra na Biblioteca Álvaro Guerra (divulgação)

Por que vocês decidiram jogar essa história no mundo por meio do financiamento coletivo?

Ficou a meu encargo a viabilização da HQ. Pesquiso sobre financiamento coletivo aproximadamente desde 2010, considero uma incrível forma de viabilizar produções culturais e artísticas, tanto do ponto de vista financeiro, como também de engajamento do público com o que é produzido. Conheci o Catarse antes da categoria Quadrinhos receber o projeto e estou entre os apoiadores de Achados e Perdidos, HQ do Damasceno e do Garrocho que inaugurou a categoria um tempo depois. 

De lá pra cá, já apoiei 280 projetos. Na época da produção de Amarelo Seletivo, eu já tinha experimentado o Catarse com Me Dá Uma História: 42, um pequeno projeto pessoal literário que criei pra testar a ferramenta. Pensar no financiamento coletivo como primeira opção pra viabilizar o projeto me pareceu a escolha mais natural. Amarelo seria minha primeira HQ autoral, mas eu já tinha uma pequena rede que conhecia o meu trabalho de bastidor com quadrinhos, além de contar com a rede da Talessa, que já tinha uma produção artística reconhecida. Depois da campanha inicial, cheguei a fazer uma outra na sequência, de “segunda chance” pra quem não conseguiu apoiar a primeira. Imaginei que funcionaria não apenas como fonte de recurso, mas como principal canal de distribuição da HQ impressa e assim foi, graças ao sucesso das campanhas!

Como você se sente em relação a esse reconhecimento pela história e o trabalho de vocês?

O primeiro prêmio foi o Bronze no Japan International Manga Award. E a HQ já havia recebido indicações no Troféu Angelo Agostini - Melhor colorista (TalessaK) e Top 100 melhores HQs de 2021 do Prêmio Grampo.
Devo dizer que não esperava o HQMIX, especialmente considerando a lista de finalistas de peso, foi realmente uma boa surpresa! Fiquei muito feliz, Talessa também, até sem palavras… Só agradecer a todas e todos que votaram na nossa história, porque escolhas como essa podem ser realmente difíceis. E também pela Conrad, que acreditou no potencial da nossa história e republicou em versão digital e impressa, na maravilhosa Coleção HQ para Todos, que apresenta quadrinhos com preços módicos. Soube que toda equipe da editora ficou muito, mais muito feliz, com o troféu! É um privilégio incrível receber a premiação, ainda mais por se tratar de uma honraria propiciada pela cena brasileira de quadrinhos, que eu já conhecia como produtor, agora reconhecido também como autor.

Amarelo Seletivo foi também honrada com o Bronze no 16th Japan International Manga Award, premiação do governo japonês para mangás feitos fora do Japão. Como foi receber essa notícia e honraria?

Foi também outra situação incrível, inacreditável até! Demorou pra cair a ficha quando fui contactado pelo Consulado do Japão em São Paulo para ser informado do prêmio - eles faziam questão de ligar - teve até dancinha da vitória, hehe. Fomos informados que receberíamos um certificado - que viria direto do Japão - e aguardamos até ser confirmado que seria entregue numa cerimônia oficial com um almoço em nossa homenagem na residência do cônsul do Japão em São Paulo, o sr. Ryosuke Kuwana e equipe. Foi um outro dia mágico e inacreditável.
Acho especialmente relevante por ser um reconhecimento por parte governamental de um país que endeusa os quadrinhos - tanto que quando usamos o termo mangá por aqui, muitas vezes se faça distinção, embora tecnicamente seja o sinônimo local para “quadrinhos”. E concorrendo com centenas de produções de todo o mundo! É muito bacana esta aclamação oficial à produção brasileira de HQs, legal que brasileiros tenham recebido e que continuem recebendo! Recebemos o mesmo prêmio que a série Holy Avenger, do Marcelo Cassaro e da Erica Awano, havia recebido anos antes - sou muito fã deles e ainda estranho esse status… E o Hiro Kawahara este ano ainda fez história ganhando Ouro este ano, com A Sereia da Floresta (que também começou com campanha no Catarse).

Ricardo Tayra - Ryosuke Kuwana - TalessaK (divulgação)

Amarelo Seletivo foi lançado originalmente via financiamento coletivo aqui no Catarse, ganhou uma edição publicada tradicionalmente pela Conrad e agora está conquistando um dos prêmios mais importantes do mundo dos quadrinhos. Como você enxerga essa trajetória, tão inspiradora para quadrinistas independentes?

Era pra ter sido apenas uma one shot, uma pequena edição fechada, história com começo, meio e fim. Porém, já durante a campanha de financiamento coletivo, percebi como a potência do tema da identidade e do preconceito levavam a uma reação incrível do público - era inevitável que eu buscasse ir além. Mas acho que tudo rolou de forma relativamente natural, um passo de cada vez, mas a força está na própria HQ, nada foi forçado. Teve a produção da HQ, a campanha, o sucesso da campanha, a distribuição para apoiadores - entre eles, o consultor da Conrad que acabou levando a HQ pra editora - convite aceito, versão digital, versão reimpressa numa coleção que valoriza a democratização da produção de HQs…
Como editor original da HQ, além de autor, procurei criar condições para que todos os passos fossem dados. Os prêmios, por exemplo, parecem inacreditáveis, mas tanto o MANGA Award como o HQMIX são premiações a partir de inscrição - ou seja, se você nem correr atrás de inscrição, sua obra sequer será avaliada. Tem um tanto de mágico, um tanto de sorte e um tanto de “me belisca que eu tô sonhando”, mas parte de um trabalho sério em cima de uma obra potente e que demonstrou sua potência junto ao público até antes mesmo de existir (já na época da campanha de crowdfunding). Talvez eu não tivesse certeza que iria tão longe já com uma obra de estreia - mas, de certa forma, imaginava que seria possível desde o início: é preciso acreditar sempre no seu trabalho.

Amarelo Seletivo Kanpai (arte Débora Kamogawa sobre roteiro de Ricardo Tayra)

O que as pessoas podem esperar da sequência de Amarelo Seletivo? A história terá mais volumes?

Bom, tivemos a campanha bem-sucedida no Catarse da sequência - Amarelo Seletivo: Kanpai!, agora com ilustrações da Débora Kamogawa. Estou fechando a produção de extras pros apoiadores, mas a HQ impressa e demais recompensas físicas já foram enviadas. Está à venda comigo, via: www.amareloseletivo.com.br e também na loja Ugra, em São Paulo (SP). Garimpando outras formas de distribuição, sempre algo complexo pra autores independentes, mas fundamental.
Depois de uma HQ muito focada na questão do preconceito pelo olhar da criança, neste segundo volume eu preferi deixar mais leve, tratando das férias do garoto André com os avós nikkeis (descendentes de japoneses), um encontro no qual as culturas do Japão, de Okinawa e do Brasil se misturam.

Estou muito focado na distribuição de Kanpai agora, mas já posso afirmar com certeza que teremos outras histórias do garoto André. O público já me mostrou que seria impossível parar na primeira Amarelo Seletivo…

Além de Amarelo Seletivo, podemos esperar outras histórias vindo por aqui?

Sim! Embora eu tenha escolhido produzir minhas primeiras duas HQs dentro do contexto da representatividade e identidade amarela, tenho muitas outras histórias pra contar, outros gêneros narrativos também a explorar. Tenho algumas ideias disputando preferência na minha mente atualmente, espero em breve começar a colocar ordem nas coisas pra definir a próxima (ou próximos) trabalhos.

Ricardo Tayra (divulgação)

Que dica você daria para novos artistas que querem criar um quadrinho ou um mangá?

Bom, vou falar a partir da minha vivência e do meu processo de produção - o que funciona pra mim, que nem sempre vai funcionar pra todos… Fazer um projetinho rápido, não necessariamente finalizado, pode ajudar a dar perspectiva das coisas, ou destravar a escrita - como o processo que narrei sobre Amarelo Seletivo. Mas, pra mim, um projeto bacana precisa ter um propósito e uma ideia do caminho a percorrer. Não precisa ser necessariamente profundo, mas tem que ser coerente. Por exemplo, se seu objetivo é se divertir, faça e se divirta. Mas se quer divertir outras pessoas, precisa testar a história com outros: vai dividindo com outras pessoas o que está pensando ao longo da produção, colhendo feedbacks. Produzir quadrinhos leva tempo, se conseguir opiniões enquanto está produzindo, pode eventualmente melhorar ou mudar a rota, antes de jogar páginas e horas de trabalho fora.

Enquanto produzo, eu vou imaginando qual seria o público que vai ler, como chegar até eles, estilo de desenho, como vai ser a versão impressa, formato, se vai ter cor etc… Sim, são pensamentos diferentes, existem até profissionais diferentes que desempenham tais funções - mas quanto mais um autor independente tiver noção desses processos, mais fácil será realizá-los, ou orientar quem vai realizar.

Mas fundamental mesmo é não desistir de produzir (seja roteiro, desenho, ou os dois). Bom, você pode desistir de uma história, claro, e partir pra outra. Ou só deixar uma ideia engavetada enquanto desenvolve outras. Mas tenha sempre ideias em movimento e se organize pra ir colocando no “papel” (ou registrando em arquivos no computador) tudo o que for possível o tempo todo. Amarelo Seletivo: Kanpai!, minha segunda HQ, tem 30 páginas. Tenho arquivos de 6 versões de argumento (algumas com pouca, outras com muitas modificações), 6 arquivos de decupagem e apenas um arquivo de roteiro finalizado derivado deles. Algumas das anotações foram abandonadas, outras serão reaproveitadas em outros volumes da série, outras podem estar em outras histórias futuras que nada tenham em comum com este tema. Mas o ato de continuar escrevendo manteve a minha mente afiada pra decupar o que realmente funcionava para ser desenhado pra versão final da HQ.

Catarse
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Vencedor do Troféu HQMix na categoria Mangá e Produções Correlatas, ao lado de Daruma: Perseverança, Amarelo Seletivo percorreu um caminho que diz muito sobre a força das histórias independentes e do financiamento coletivo. Financiada a partir de uma campanha no Catarse, a HQ conquistou leitores ao abordar, com sensibilidade e potência, temas como identidade, pertencimento e o preconceito contra pessoas de ascendência japonesa, tudo isso pelo olhar atento e delicado de uma criança.

Nesta entrevista, conversamos com Ricardo Tayra, jornalista, produtor cultural e roteirista de quadrinhos, sobre a origem de Amarelo Seletivo, as escolhas criativas por trás da obra, a decisão de lançá-la via financiamento coletivo e o impacto de ver seu primeiro mangá autoral alcançar reconhecimento nacional e internacional. Um papo inspirador sobre criação, memória, representatividade e sobre como boas histórias encontram caminhos para ganhar o mundo.

Como surgiu a ideia da história Amarelo Seletivo e a vontade de colocá-la no papel?

Meu amor pelos quadrinhos vem desde que eu era criança: criar personagens era uma brincadeira constante. Fiz cursos, criança e adulto, mas nunca fiquei satisfeito com meu desenho e resolvi focar mais na escrita. No início dos anos 2000, colaborei com roteiros para um estúdio e, como produtor cultural, ainda produzi muitos eventos de quadrinhos, desde 2011.
Mais recentemente, comecei a elaborar a ideia de que deveria concretizar meu primeiro roteiro autoral, conectando de algum modo à minha realidade de nipo-brasileiro. Decidi que ia contar a história de uma criança e acabou sendo um processo natural situá-la nos anos 1980, já que decidi me inspirar na minha própria infância e vivência. 

Ensaiei algumas vezes a escrita, mas o pontapé inicial definitivo foi em janeiro de 2021, quando resolvi criar uma breve HQ (texto e arte) sobre quadrinhos que criei na infância. Produzir essas 5 páginas em 2 dias me ajudou a destravar a escrita. (PS: quem ficou curioso, esta HQ pode ser lida no meu Instagram e está no material extra da edição digital de Amarelo Seletivo, pela Conrad). Colocando hoje em perspectiva, dá pra levar em conta ainda o momento de pandemia que vivíamos, que ajudou a dar um sentimento de urgência para as coisas que eu queria contar.

Nessa altura eu já estava reunindo histórias diversas da minha época de criança, relacionadas à questão de identidade, pertencimento e preconceito. Foi bom ter produzido as páginas autobiográficas, mas eu acabei resolvendo que iria criar um personagem e tratar como uma ficção, ainda que baseada em muitos fatos reais vivenciados por mim.
Por conta do tema, eu já vislumbrava que teria de ser desenhada por uma pessoa descendente de japoneses, como eu. Eu já era fã do trabalho da Talessa, tinha contato com ela, e foi o primeiro nome que me veio à mente como possibilidade para ilustrar. Para minha alegria, ela tinha disponibilidade e conseguimos entrar num acordo. A arte da TalessaK (seu nome artístico) foi também fundamental para o sucesso da HQ!

TalessaK e Ricardo Tayra na Biblioteca Álvaro Guerra (divulgação)

Por que vocês decidiram jogar essa história no mundo por meio do financiamento coletivo?

Ficou a meu encargo a viabilização da HQ. Pesquiso sobre financiamento coletivo aproximadamente desde 2010, considero uma incrível forma de viabilizar produções culturais e artísticas, tanto do ponto de vista financeiro, como também de engajamento do público com o que é produzido. Conheci o Catarse antes da categoria Quadrinhos receber o projeto e estou entre os apoiadores de Achados e Perdidos, HQ do Damasceno e do Garrocho que inaugurou a categoria um tempo depois. 

De lá pra cá, já apoiei 280 projetos. Na época da produção de Amarelo Seletivo, eu já tinha experimentado o Catarse com Me Dá Uma História: 42, um pequeno projeto pessoal literário que criei pra testar a ferramenta. Pensar no financiamento coletivo como primeira opção pra viabilizar o projeto me pareceu a escolha mais natural. Amarelo seria minha primeira HQ autoral, mas eu já tinha uma pequena rede que conhecia o meu trabalho de bastidor com quadrinhos, além de contar com a rede da Talessa, que já tinha uma produção artística reconhecida. Depois da campanha inicial, cheguei a fazer uma outra na sequência, de “segunda chance” pra quem não conseguiu apoiar a primeira. Imaginei que funcionaria não apenas como fonte de recurso, mas como principal canal de distribuição da HQ impressa e assim foi, graças ao sucesso das campanhas!

Como você se sente em relação a esse reconhecimento pela história e o trabalho de vocês?

O primeiro prêmio foi o Bronze no Japan International Manga Award. E a HQ já havia recebido indicações no Troféu Angelo Agostini - Melhor colorista (TalessaK) e Top 100 melhores HQs de 2021 do Prêmio Grampo.
Devo dizer que não esperava o HQMIX, especialmente considerando a lista de finalistas de peso, foi realmente uma boa surpresa! Fiquei muito feliz, Talessa também, até sem palavras… Só agradecer a todas e todos que votaram na nossa história, porque escolhas como essa podem ser realmente difíceis. E também pela Conrad, que acreditou no potencial da nossa história e republicou em versão digital e impressa, na maravilhosa Coleção HQ para Todos, que apresenta quadrinhos com preços módicos. Soube que toda equipe da editora ficou muito, mais muito feliz, com o troféu! É um privilégio incrível receber a premiação, ainda mais por se tratar de uma honraria propiciada pela cena brasileira de quadrinhos, que eu já conhecia como produtor, agora reconhecido também como autor.

Amarelo Seletivo foi também honrada com o Bronze no 16th Japan International Manga Award, premiação do governo japonês para mangás feitos fora do Japão. Como foi receber essa notícia e honraria?

Foi também outra situação incrível, inacreditável até! Demorou pra cair a ficha quando fui contactado pelo Consulado do Japão em São Paulo para ser informado do prêmio - eles faziam questão de ligar - teve até dancinha da vitória, hehe. Fomos informados que receberíamos um certificado - que viria direto do Japão - e aguardamos até ser confirmado que seria entregue numa cerimônia oficial com um almoço em nossa homenagem na residência do cônsul do Japão em São Paulo, o sr. Ryosuke Kuwana e equipe. Foi um outro dia mágico e inacreditável.
Acho especialmente relevante por ser um reconhecimento por parte governamental de um país que endeusa os quadrinhos - tanto que quando usamos o termo mangá por aqui, muitas vezes se faça distinção, embora tecnicamente seja o sinônimo local para “quadrinhos”. E concorrendo com centenas de produções de todo o mundo! É muito bacana esta aclamação oficial à produção brasileira de HQs, legal que brasileiros tenham recebido e que continuem recebendo! Recebemos o mesmo prêmio que a série Holy Avenger, do Marcelo Cassaro e da Erica Awano, havia recebido anos antes - sou muito fã deles e ainda estranho esse status… E o Hiro Kawahara este ano ainda fez história ganhando Ouro este ano, com A Sereia da Floresta (que também começou com campanha no Catarse).

Ricardo Tayra - Ryosuke Kuwana - TalessaK (divulgação)

Amarelo Seletivo foi lançado originalmente via financiamento coletivo aqui no Catarse, ganhou uma edição publicada tradicionalmente pela Conrad e agora está conquistando um dos prêmios mais importantes do mundo dos quadrinhos. Como você enxerga essa trajetória, tão inspiradora para quadrinistas independentes?

Era pra ter sido apenas uma one shot, uma pequena edição fechada, história com começo, meio e fim. Porém, já durante a campanha de financiamento coletivo, percebi como a potência do tema da identidade e do preconceito levavam a uma reação incrível do público - era inevitável que eu buscasse ir além. Mas acho que tudo rolou de forma relativamente natural, um passo de cada vez, mas a força está na própria HQ, nada foi forçado. Teve a produção da HQ, a campanha, o sucesso da campanha, a distribuição para apoiadores - entre eles, o consultor da Conrad que acabou levando a HQ pra editora - convite aceito, versão digital, versão reimpressa numa coleção que valoriza a democratização da produção de HQs…
Como editor original da HQ, além de autor, procurei criar condições para que todos os passos fossem dados. Os prêmios, por exemplo, parecem inacreditáveis, mas tanto o MANGA Award como o HQMIX são premiações a partir de inscrição - ou seja, se você nem correr atrás de inscrição, sua obra sequer será avaliada. Tem um tanto de mágico, um tanto de sorte e um tanto de “me belisca que eu tô sonhando”, mas parte de um trabalho sério em cima de uma obra potente e que demonstrou sua potência junto ao público até antes mesmo de existir (já na época da campanha de crowdfunding). Talvez eu não tivesse certeza que iria tão longe já com uma obra de estreia - mas, de certa forma, imaginava que seria possível desde o início: é preciso acreditar sempre no seu trabalho.

Amarelo Seletivo Kanpai (arte Débora Kamogawa sobre roteiro de Ricardo Tayra)

O que as pessoas podem esperar da sequência de Amarelo Seletivo? A história terá mais volumes?

Bom, tivemos a campanha bem-sucedida no Catarse da sequência - Amarelo Seletivo: Kanpai!, agora com ilustrações da Débora Kamogawa. Estou fechando a produção de extras pros apoiadores, mas a HQ impressa e demais recompensas físicas já foram enviadas. Está à venda comigo, via: www.amareloseletivo.com.br e também na loja Ugra, em São Paulo (SP). Garimpando outras formas de distribuição, sempre algo complexo pra autores independentes, mas fundamental.
Depois de uma HQ muito focada na questão do preconceito pelo olhar da criança, neste segundo volume eu preferi deixar mais leve, tratando das férias do garoto André com os avós nikkeis (descendentes de japoneses), um encontro no qual as culturas do Japão, de Okinawa e do Brasil se misturam.

Estou muito focado na distribuição de Kanpai agora, mas já posso afirmar com certeza que teremos outras histórias do garoto André. O público já me mostrou que seria impossível parar na primeira Amarelo Seletivo…

Além de Amarelo Seletivo, podemos esperar outras histórias vindo por aqui?

Sim! Embora eu tenha escolhido produzir minhas primeiras duas HQs dentro do contexto da representatividade e identidade amarela, tenho muitas outras histórias pra contar, outros gêneros narrativos também a explorar. Tenho algumas ideias disputando preferência na minha mente atualmente, espero em breve começar a colocar ordem nas coisas pra definir a próxima (ou próximos) trabalhos.

Ricardo Tayra (divulgação)

Que dica você daria para novos artistas que querem criar um quadrinho ou um mangá?

Bom, vou falar a partir da minha vivência e do meu processo de produção - o que funciona pra mim, que nem sempre vai funcionar pra todos… Fazer um projetinho rápido, não necessariamente finalizado, pode ajudar a dar perspectiva das coisas, ou destravar a escrita - como o processo que narrei sobre Amarelo Seletivo. Mas, pra mim, um projeto bacana precisa ter um propósito e uma ideia do caminho a percorrer. Não precisa ser necessariamente profundo, mas tem que ser coerente. Por exemplo, se seu objetivo é se divertir, faça e se divirta. Mas se quer divertir outras pessoas, precisa testar a história com outros: vai dividindo com outras pessoas o que está pensando ao longo da produção, colhendo feedbacks. Produzir quadrinhos leva tempo, se conseguir opiniões enquanto está produzindo, pode eventualmente melhorar ou mudar a rota, antes de jogar páginas e horas de trabalho fora.

Enquanto produzo, eu vou imaginando qual seria o público que vai ler, como chegar até eles, estilo de desenho, como vai ser a versão impressa, formato, se vai ter cor etc… Sim, são pensamentos diferentes, existem até profissionais diferentes que desempenham tais funções - mas quanto mais um autor independente tiver noção desses processos, mais fácil será realizá-los, ou orientar quem vai realizar.

Mas fundamental mesmo é não desistir de produzir (seja roteiro, desenho, ou os dois). Bom, você pode desistir de uma história, claro, e partir pra outra. Ou só deixar uma ideia engavetada enquanto desenvolve outras. Mas tenha sempre ideias em movimento e se organize pra ir colocando no “papel” (ou registrando em arquivos no computador) tudo o que for possível o tempo todo. Amarelo Seletivo: Kanpai!, minha segunda HQ, tem 30 páginas. Tenho arquivos de 6 versões de argumento (algumas com pouca, outras com muitas modificações), 6 arquivos de decupagem e apenas um arquivo de roteiro finalizado derivado deles. Algumas das anotações foram abandonadas, outras serão reaproveitadas em outros volumes da série, outras podem estar em outras histórias futuras que nada tenham em comum com este tema. Mas o ato de continuar escrevendo manteve a minha mente afiada pra decupar o que realmente funcionava para ser desenhado pra versão final da HQ.

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