Anna Haddad é cofundadora do Cinese, plataforma de aprendizagem colaborativa. Acredita numa educação mais livre, em uma nova economia e em igualdade de gênero. Escreve e fala sobre tudo isso por aí, nas ruas e nas redes, e hoje colabora com o Blog do Catarse para falar sobre a Casa Liberdade.
"Casas colaborativas. Espaços físicos abertos, inclusivos, de livre interação. Espaços, antes de tudo, de aprender e empreender no sentido mais amplo: através da troca e da conexão. Espaços na maioria das vezes horizontais na gestão, que trucam velhas estruturas verticais de poder e controle. Espaços libertadores em sua essência.
A Casa Liberdade, na Rua Liberdade, n. 553, em Porto Alegre, foi a precursora de todas as casas. Abriu as portas em 2011 para mostrar pro Brasil todo que sim, era possível quebrar barreiras, fazer pontes, conectar pessoas e gestar projetos do jeito mais simples e honesto possível: sem dono, lucro, ordens ou regras impostas de cima pra baixo. A partir das pessoas, para as pessoas.
E foi assim que aconteceu. Lá, milhares de projetos incríveis nasceram e morreram. A Engage, incubadora de projetos de tecnologia para engajamento e missão social que fez parte da construção de plataformas disruptivas e open source (de código aberto) como o Catarse, a Semente Negócios, empresa de educação empreendedora, o Pizza Sessions, um projeto de alimento orgânico e natural, o Nós.vc, comunidade de compartilhamento de conhecimento, o Estaleiro Liberdade, escola de empreendedorismo e autoconhecimento, e muitos, muitos outros. Esses projetos, que vieram ao mundo trazendo junto os preceitos da casa, são muito mais que novos negócios: representam uma mudança de cultura, de paradigma econômico. Apresentam ao mundo, de vários jeitos possíveis, o conceito de colaboração, e com ele a possibilidade de mudança.
A partir da Casa Liberdade, muitas outras casas nasceram. A Madelena 80 e a Laboriosa 89, em São Paulo, o Catete 92 (veja vídeo acima), no Rio de Janeiro, a Solimões 541, em Curitiba. Todas, com o mesmo espírito: ser, antes de tudo, um veículo de desenvolvimento humano.
Agora, como resultado do fim de um ciclo, de transformação, a Casa Liberdade fecha as portas. E pra isso acontecer do melhor jeito, a solução mais coerente possível: usar o financiamento coletivo para fechar as contas, pagar débitos, passar o traço e virar a página. São R$29.178 correspondentes a aluguéis em atraso, IPTU, IR e outras taxas. Qual o sentido de abrir essas contas? Todo o sentido do mundo.
É a coisa mais linda de ver algo nascendo e se encerrando de forma transparente e colaborativa. Sustentada pelas pessoas do começo ao fim, pelo simples fato de que fez sentido pra elas, catapultou seus próprios processos, ajudou a fazer com que elas se transformassem. Seria incrível se, ao invés de empresas direcionadas a maximizar produtividade e aumentar lucros, fôssemos rodeados de projetos e negócios assim: mais honestos, com a intenção de produzir benefício real. Distribuídos e horizontais. Que não enxergam sentido em existir por existir, e estão lá por um motivo maior. Que sabem entender quando o fim chega ao invés de insistir em crescimento obrigatório e despropositado. Que servem às pessoas, antes de tudo.
Ajudar a Casa Liberdade a encerrar o ciclo é muito mais que isso. É mostrar a força do coletivo. É afirmar que é possível que outras casas parecidas nasçam, que funciona, e que faz sentido. É dizer que estamos juntos nessa. É demonstrar que liberdade pode sim vir com comprometimento. Que estamos prontos para a mudança.
Essa dívida é de todos nós.
Vamos juntos?"