De vítima de bullying a realizadora de sucesso: a trajetória da Menina Distraída

Por Vanessa Bencz

Vanessa Bencz

Era uma terça-feira quente de outubro. Eu estava tomando o quinto copo de café, lutando contra o tédio, quando uma ideia absurda surgiu na minha cabeça. Todas as ideias absurdas surgem na gente como um relâmpago, e foi assim comigo. Qual era a ideia? Fazer uma história em quadrinhos sobre o tema que eu desenvolvia nas escolas de Joinville (SC) há dois anos: bullying.

Quando eu sou atingida por esses relâmpagos, ou melhor, por essas ideias, eu me transformo na pessoa mais impulsiva e determinada do mundo. É tudo ou nada. Assim, joguei o café fora e procurei meu namorado na lista dos contatos do Facebook.

- Fabio, tive uma ideia.

- Mais uma? Diga lá...

- Eu vou fazer uma história em quadrinhos. Vai se chamar "A Menina Distraída". Eu quero que você ilustre. Tá comigo?

- E adianta dizer que não?

- Não.

Eu tive uma trajetória escolar muito difícil. Portadora do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), eu fui considerada por professores e colegas de escola uma estudante incapaz, insuficiente e sem futuro. Quando eu tinha 14 anos, um professor de matemática me pegou desenhando na sala de aula e me disse que eu seria uma vergonha para minha família. Disse que eu seria uma "cartazista de supermercado". Com raiva e vergonha, procurei ajuda psicológica e, desde então, desenvolvi um aspecto profundamente determinado da minha personalidade. Hoje, perto do aniversário de 30 anos de idade, admito que tenho muitas cicatrizes na minha trajetória, mas me orgulho realmente da campanha que empreendi a favor de todos os TDAHs brasileiros e das vítimas de bullying que sofrem em silêncio.

Menina Distraída

Naquela tarde quente de outubro eu comecei a escrever o roteiro de "A Menina Distraída". Confesso que achei que a empolgação logo diminuiria, mas não diminuiu. Em janeiro de 2014, mais determinada do que nunca, eu fuçava a internet tentando buscar alternativas financeiras para realizar a história em quadrinhos. Uma amiga, a jornalista Amanda Miranda, me marcou em uma postagem de um tal de Catarse e falou: "E aí Vanessa, que tal tentar sua HQ por aqui?".

Neste dia, pesquisei tudo sobre o Catarse: assisti cerca de 30 vídeos, li mais ou menos 60 projetos e decorei o Guia dos Realizadores oferecido pela plataforma. Neste guia, entendi que eu precisaria fazer um video simples, mas efetivo. Compreendi que a minha campanha seria cansativa, mas que valeria a pena se eu enfocasse nos argumentos certos. E teve uma informação que foi vital para todo o desenvolvimento da minha campanha: neste Guia dos Realizadores, o Catarse sugere que os proponentes assistam ao video "Como Líderes Inspiram Ação", do autor Simon Sinek. Isso transformou minha maneira de conversar com as pessoas sobre o meu projeto.

Chamei minha amiga cinegrafista Ariadne Santos para gravar o video do meu projeto. Sou uma das pessoas mais tímidas do planeta, mas segui a risca as recomendações da plataforma de financiamento coletivo. Apareci falando no video. Minha timidez e nervosismo deixaram minha voz trêmula e insegura, mas meu olhar permaneceu determinado, porque eu queria que o futuro apoiador abraçasse essa luta comigo. Eu queria que ele entendesse a importância dessa causa!

Fiz uma lista com 350 nomes de possíveis apoiadores; criei recompensas que eu considerei irresistíveis para todos os públicos imagináveis; quase pirei fazendo orçamentos e apertei meu coração até colocar toda emoção possível no texto que compõe a página d'A Menina Distraída. Ele foi reescrito cerca de 15 vezes, levando em consideração a opinião de pessoas da minha confiança. Três semanas antes de estrear no Catarse, comecei a aquecer meus contatos nas redes sociais. Criei muita expectativa para que, quando o projeto estivesse online, meus amigos não tivessem dúvidas de que deveriam apoiar. Deu certo.

O projeto estreou no Catarse em 6 de março. Foi o dia mais estressante da minha vida. Muitas pessoas apoiaram de cara; outras pediram ajuda para que eu as ensinasse via internet como poderiam apoiar, pois não estavam familiarizadas com a plataforma. Foi muito difícil administrar essa demanda que eu não previa. Nos dias seguintes, as colaborações foram diminuindo bastante, e eu me estressava tentando não ser inconveniente com aqueles que prometeram me ajudar, mas que pareciam ter se escondido na hora do "vamos ver".

Menina Distraída sala de aula

A primeira surpresa surgiu através de uma jornalista da Revista Época. Eu sou fã da coluna da Cristiane Segatto e resolvi que não custaria nada mandar meu projeto para que ela conhecesse. Humilde, sensível e simpática, quis conhecer melhor a tal da Menina Distraída. Para minha surpresa, ela escreveu uma coluna inteira sobre minha história e sobre o projeto. Foi a primeira vez que meu trabalho ganhou destaque nacional. Então, pessoas do Brasil inteiro começaram a entrar em contato comigo para descobrir como poderiam apoiar aquela história em quadrinhos tão curiosa. Meu nome ganhou uma visibilidade incrível em Joinville e comecei a dar muitas entrevistas para a imprensa local. Foi um gol maravilhoso para A Menina Distraída. Atingimos 50% do financiamento antes da metade do prazo estabelecido (45 dias). Mesmo assim, eu ainda era assombrada pelo fantasma do pessimismo e sabia que as coisas poderiam não dar certo.

As colaborações iam entrando de forma regular, com pontos altos quando o Catarse divulgava nas redes sociais. Sou muito grata a essa equipe que realmente cumpriu aquilo que me garantiu: estavam comigo e "seria tudo ou nada".

Poucos dias depois, outra surpresa quase me levou ao desmaio. O Catarse entrou em contato comigo solicitando meu telefone, pois o jornal O Globo estava interessado em falar sobre A Menina Distraída. À esta altura, eu já estava tão estressada, surpresa e emocionada, que me sentia anestesiada, vivendo em uma outra dimensão. Assim que a reportagem foi publicada no jornal, constatei a repercussão incrível que teve. Me olhei no espelho e fiz uma pergunta dramática: "O que aconteceu com a minha vida?". Agora dou risada, mas na hora parecia que eu estava sonhando. Entretanto, a grande surpresa ainda estava por vir.

No dia seguinte, três empresas resolveram apoiar o projeto. Não apenas batemos a meta, mas a superamos muito. Como se não bastasse isso, fui contatada pela produção do programa Encontro com Fátima Bernardes para dar entrevista ao vivo, para o Brasil inteiro. Mal tive tempo para digerir a mudança que estava ocorrendo na minha vida. Viajamos ao Rio de Janeiro para falar sobre a campanha da Menina Distraída, que subitamente se tornou o centro da minha vida. Assim que entrei no estúdio de gravação da Globo e ouvi a voz a apresentadora conversando com a equipe dela, eu me encostei em uma parede, chorei e agradeci em silêncio.

Foi muito emocionante falar sobre o projeto e sobre as minhas experiências para o Brasil todo. Novamente, minha voz estava trêmula e insegura como no video do Catarse, mas o meu discurso estava na ponta da língua e meus olhos estavam brilhando de determinação. Assim que o programa terminou, a Fátima Bernardes e toda a equipe dela fizeram questão de nos cumprimentar, com muitos elogios e parabenizações.

Recebi mais de 200 mensagens de pessoas interessadas no nosso trabalho. Desde então, todos os dias eu reservo uma parte bem generosa do meu dia para conversar com essa galera que quer nos conhecer um pouco mais e contar as próprias experiências como portadores de TDAH ou vítimas de bullying.

Minha vida ainda não voltou ao normal; ainda não voltou a ser como foi naquela tarde quente de outubro do ano passado. Mas eu não quero mais que volte ao normal mesmo. Eu vou fazer de tudo para que ela não volte ao normal. Já estou com outro projeto em mente. O Catarse que me aguarde. :)

 
Colaborador
Este texto foi escrito por um colaborador do Catarse! Quer ser um colaborador? Mande um email para comunicacao@catarse.me com a sua sugestão de pauta. ;)

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De vítima de bullying a realizadora de sucesso: a trajetória da Menina Distraída

Por Vanessa Bencz

Vanessa Bencz

Era uma terça-feira quente de outubro. Eu estava tomando o quinto copo de café, lutando contra o tédio, quando uma ideia absurda surgiu na minha cabeça. Todas as ideias absurdas surgem na gente como um relâmpago, e foi assim comigo. Qual era a ideia? Fazer uma história em quadrinhos sobre o tema que eu desenvolvia nas escolas de Joinville (SC) há dois anos: bullying.

Quando eu sou atingida por esses relâmpagos, ou melhor, por essas ideias, eu me transformo na pessoa mais impulsiva e determinada do mundo. É tudo ou nada. Assim, joguei o café fora e procurei meu namorado na lista dos contatos do Facebook.

- Fabio, tive uma ideia.

- Mais uma? Diga lá...

- Eu vou fazer uma história em quadrinhos. Vai se chamar "A Menina Distraída". Eu quero que você ilustre. Tá comigo?

- E adianta dizer que não?

- Não.

Eu tive uma trajetória escolar muito difícil. Portadora do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), eu fui considerada por professores e colegas de escola uma estudante incapaz, insuficiente e sem futuro. Quando eu tinha 14 anos, um professor de matemática me pegou desenhando na sala de aula e me disse que eu seria uma vergonha para minha família. Disse que eu seria uma "cartazista de supermercado". Com raiva e vergonha, procurei ajuda psicológica e, desde então, desenvolvi um aspecto profundamente determinado da minha personalidade. Hoje, perto do aniversário de 30 anos de idade, admito que tenho muitas cicatrizes na minha trajetória, mas me orgulho realmente da campanha que empreendi a favor de todos os TDAHs brasileiros e das vítimas de bullying que sofrem em silêncio.

Menina Distraída

Naquela tarde quente de outubro eu comecei a escrever o roteiro de "A Menina Distraída". Confesso que achei que a empolgação logo diminuiria, mas não diminuiu. Em janeiro de 2014, mais determinada do que nunca, eu fuçava a internet tentando buscar alternativas financeiras para realizar a história em quadrinhos. Uma amiga, a jornalista Amanda Miranda, me marcou em uma postagem de um tal de Catarse e falou: "E aí Vanessa, que tal tentar sua HQ por aqui?".

Neste dia, pesquisei tudo sobre o Catarse: assisti cerca de 30 vídeos, li mais ou menos 60 projetos e decorei o Guia dos Realizadores oferecido pela plataforma. Neste guia, entendi que eu precisaria fazer um video simples, mas efetivo. Compreendi que a minha campanha seria cansativa, mas que valeria a pena se eu enfocasse nos argumentos certos. E teve uma informação que foi vital para todo o desenvolvimento da minha campanha: neste Guia dos Realizadores, o Catarse sugere que os proponentes assistam ao video "Como Líderes Inspiram Ação", do autor Simon Sinek. Isso transformou minha maneira de conversar com as pessoas sobre o meu projeto.

Chamei minha amiga cinegrafista Ariadne Santos para gravar o video do meu projeto. Sou uma das pessoas mais tímidas do planeta, mas segui a risca as recomendações da plataforma de financiamento coletivo. Apareci falando no video. Minha timidez e nervosismo deixaram minha voz trêmula e insegura, mas meu olhar permaneceu determinado, porque eu queria que o futuro apoiador abraçasse essa luta comigo. Eu queria que ele entendesse a importância dessa causa!

Fiz uma lista com 350 nomes de possíveis apoiadores; criei recompensas que eu considerei irresistíveis para todos os públicos imagináveis; quase pirei fazendo orçamentos e apertei meu coração até colocar toda emoção possível no texto que compõe a página d'A Menina Distraída. Ele foi reescrito cerca de 15 vezes, levando em consideração a opinião de pessoas da minha confiança. Três semanas antes de estrear no Catarse, comecei a aquecer meus contatos nas redes sociais. Criei muita expectativa para que, quando o projeto estivesse online, meus amigos não tivessem dúvidas de que deveriam apoiar. Deu certo.

O projeto estreou no Catarse em 6 de março. Foi o dia mais estressante da minha vida. Muitas pessoas apoiaram de cara; outras pediram ajuda para que eu as ensinasse via internet como poderiam apoiar, pois não estavam familiarizadas com a plataforma. Foi muito difícil administrar essa demanda que eu não previa. Nos dias seguintes, as colaborações foram diminuindo bastante, e eu me estressava tentando não ser inconveniente com aqueles que prometeram me ajudar, mas que pareciam ter se escondido na hora do "vamos ver".

Menina Distraída sala de aula

A primeira surpresa surgiu através de uma jornalista da Revista Época. Eu sou fã da coluna da Cristiane Segatto e resolvi que não custaria nada mandar meu projeto para que ela conhecesse. Humilde, sensível e simpática, quis conhecer melhor a tal da Menina Distraída. Para minha surpresa, ela escreveu uma coluna inteira sobre minha história e sobre o projeto. Foi a primeira vez que meu trabalho ganhou destaque nacional. Então, pessoas do Brasil inteiro começaram a entrar em contato comigo para descobrir como poderiam apoiar aquela história em quadrinhos tão curiosa. Meu nome ganhou uma visibilidade incrível em Joinville e comecei a dar muitas entrevistas para a imprensa local. Foi um gol maravilhoso para A Menina Distraída. Atingimos 50% do financiamento antes da metade do prazo estabelecido (45 dias). Mesmo assim, eu ainda era assombrada pelo fantasma do pessimismo e sabia que as coisas poderiam não dar certo.

As colaborações iam entrando de forma regular, com pontos altos quando o Catarse divulgava nas redes sociais. Sou muito grata a essa equipe que realmente cumpriu aquilo que me garantiu: estavam comigo e "seria tudo ou nada".

Poucos dias depois, outra surpresa quase me levou ao desmaio. O Catarse entrou em contato comigo solicitando meu telefone, pois o jornal O Globo estava interessado em falar sobre A Menina Distraída. À esta altura, eu já estava tão estressada, surpresa e emocionada, que me sentia anestesiada, vivendo em uma outra dimensão. Assim que a reportagem foi publicada no jornal, constatei a repercussão incrível que teve. Me olhei no espelho e fiz uma pergunta dramática: "O que aconteceu com a minha vida?". Agora dou risada, mas na hora parecia que eu estava sonhando. Entretanto, a grande surpresa ainda estava por vir.

No dia seguinte, três empresas resolveram apoiar o projeto. Não apenas batemos a meta, mas a superamos muito. Como se não bastasse isso, fui contatada pela produção do programa Encontro com Fátima Bernardes para dar entrevista ao vivo, para o Brasil inteiro. Mal tive tempo para digerir a mudança que estava ocorrendo na minha vida. Viajamos ao Rio de Janeiro para falar sobre a campanha da Menina Distraída, que subitamente se tornou o centro da minha vida. Assim que entrei no estúdio de gravação da Globo e ouvi a voz a apresentadora conversando com a equipe dela, eu me encostei em uma parede, chorei e agradeci em silêncio.

Foi muito emocionante falar sobre o projeto e sobre as minhas experiências para o Brasil todo. Novamente, minha voz estava trêmula e insegura como no video do Catarse, mas o meu discurso estava na ponta da língua e meus olhos estavam brilhando de determinação. Assim que o programa terminou, a Fátima Bernardes e toda a equipe dela fizeram questão de nos cumprimentar, com muitos elogios e parabenizações.

Recebi mais de 200 mensagens de pessoas interessadas no nosso trabalho. Desde então, todos os dias eu reservo uma parte bem generosa do meu dia para conversar com essa galera que quer nos conhecer um pouco mais e contar as próprias experiências como portadores de TDAH ou vítimas de bullying.

Minha vida ainda não voltou ao normal; ainda não voltou a ser como foi naquela tarde quente de outubro do ano passado. Mas eu não quero mais que volte ao normal mesmo. Eu vou fazer de tudo para que ela não volte ao normal. Já estou com outro projeto em mente. O Catarse que me aguarde. :)

 

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