Estávamos em uma era pré-internet. Então se você queria o livro, tinha que tê-lo fisicamente. Não existia outra forma de acesso, como e-mail ou torrent. Não existia nada. Se eu tinha o livro e você queria, pegava o meu exemplar e “xerocava”. As pessoas dependiam umas das outras, pois não tinha outra forma.
E em que momento a jornada de Tormenta cruza com a sua história?
Eu já jogava RPG quando Tormenta surgiu na [revista] Dragão Brasil*. No início eu não jogava no mundo de Tormenta, mas usava os materiais do cenário nas minhas mesas. Inclusive, algumas aventuras clássicas que saíram nas primeiras edições da revista e que depois serviram de base para o jogo, eu “mestrava” em cenários próprios. Então posso dizer que joguei coisas que viriam a ser Tormenta antes mesmo do cenário existir.
*Publicada pela primeira em 1994, a Dragão Brasil se tornou a principal revista sobre RPG no Brasil.

Já o seu lado autor começa tempos depois, quando Tormenta vai para a Editora Jambô.
No início eu trabalhava na parte de produção editorial, mas aos poucos comecei a trabalhar efetivamente no texto dos livros. É engraçado porque nunca tive a pretensão de ser escritor. Por gostar de jogar RPG, me via muito mais na parte do game design, como um projetista de jogos, do que como um escritor. E minhas primeiras colaborações foram muito mais no âmbito da mecânica de jogos, do que criação de histórias e personagens. Mas com o tempo fui enveredando também para esse lado.
Bem, dentro do financiamento coletivo, Tormenta inicia sua primeira jornada em 2013, com o game Tormenta: O Desafio dos Deuses. Por que seguiram por esse caminho?Contextualizando, era outra época. O valor que arrecadamos foi considerável [R$ 74.515], mas não é algo que se destaque hoje. Naquele período, a Jambô trabalhava, basicamente, com publicações. Então, por ser um jogo de computador, precisávamos do valor adiantado para financiar a produção do game, que demandava outro processo.E como foi a experiência?A campanha funcionou bem na época e tivemos uma boa penetração na mídia, com matérias no Omelete e no Jovem Nerd, por exemplo. O Desafio dos Deuses foi uma campanha inovadora, abrindo caminho para que outros projetos do gênero surgissem. Deixando a modéstia de lado, várias vezes na história fomos precursores nesse mercado. A campanha da Dragão Brasil [lançada no Apoia-se], por exemplo, foi bem inovadora no crowdfunding, quando não existia nada de financiamento recorrente no Brasil com valores consideráveis. Eram campanhas bem pequenas e a publicação praticamente abriu esse nicho. Nós fizemos poucas campanhas ao longo da história, mas cada uma foi muito relevante no seu contexto histórico.
O primeiro elemento foi a própria comunidade. São 20 anos trabalhando com eles, entregando materiais, conversando com as pessoas nos eventos e pela internet. Então ter construído essa comunidade ao longo do tempo foi o principal fator do sucesso da campanha. Porém o mais inesperado foi a própria campanha em si, que foi muito divertida e reuniu o público com muitas atividades ao longo dela. Então teve muita gente que entrou na campanha pela festa, por ter participado dessas atividades ao longo dos dois meses. Os produtos que nós vamos entregar são parte da recompensa, mas a outra parte foi ter participado da campanha em si. Ela foi uma experiência.
O bacana é o que projeto foi pensado para fãs antigos, mas também para novos jogadores – incluindo quem nunca jogou RPG.
A gente sempre tentou deixar claro que era um livro em comemoração aos 20 anos, mas não só olhando para o passado. É um material que inaugura uma nova era de Tormenta, também focando em quem sempre teve interesse em jogar, mas nunca a oportunidade. “Ah, não conheço Tormenta”. Sem problemas. É hora de conhecer.

Mas foi fácil gerenciar todo o processo da campanha junto ao público?
Estávamos preparados. A minha principal parte na campanha foi justamente organizar tudo isso. O pessoal ficou brincando que eu gosto de planilha porque tinha muita. Foi um lance meio caótico e a se a gente não tivesse se preparado bem, teríamos metido os pés pelas mãos e provavelmente perdido o controle da coisa. Existiram momentos em que o nosso planejamento precisou dar aquela sambada para funcionar, mas sem o planejamento inicial, aí a coisa teria descambado de vez.
Falando sobre os fãs mais antigos, como você explica essa relação tão forte entre eles e o jogo?
Acho que o principal fator é a proximidade. Tormenta é um produto brasileiro, escrito por brasileiros. Só que não é uma questão de ufanismo. "Ah, eu vou comprar porque é brasileiro". O fato é que o fã de Tormenta consegue contatar os criadores do jogo. Fora que nunca nos colocamos como "nós somos os autores". Somos uns caras que gostam de RPG, curtem literatura de fantasia e trabalham com isso, mas no fundo somos quem nem o próprio fã: curtimos as mesmas coisas e estamos nos mesmos eventos. E o próprio crescimento de Tormenta foi muito orgânico. Nasceu como algo bem pequeno, foi crescendo aos poucos até se tornar uma marca reconhecida, com produto licenciado e uma penetração na mídia. Mas foi um processo devagar, com uma progressão bem artesanal.
O curioso é que a campanha original contou com mais de três mil apoios vindos de pessoas que nunca apoiaram uma campanha, ao menos, no Catarse – incluindo O Desafio dos Deuses. Quem achou que o gênero seria apenas uma moda no Brasil, errou feio.
É interessante, pois sempre que surge uma nova mídia, nasce o receio das pessoas em achar que será uma coisa temporária. Isso é um movimento cíclico que existe desde os primórdios da humanidade. Então quando surgiu o rádio: "isso é só uma modinha". Depois surgiu a TV: "quem vai ficar parado vendo um tubo dentro de casa?". E o RPG passou por isso também. Mas ele, na sua essência, é um jeito de contar histórias, sendo algo muito poderoso e primordial da experiência humana. Então o formato é uma coisa que veio para ficar e cada vez mais está se tornando uma coisa comum na sociedade. Claro, o RPG ainda é um jogo de nicho, não conhecido pelo grande público, mas nós já temos uma segunda geração de fãs, cujos pais já jogavam. Então para essas pessoas o RPG é uma coisa natural. É o mesmo que jogar bola.

Então ainda existe um grande público que o RPG pode alcançar?
Sim. O grande problema do RPG é que ele tem uma barreira de entrada, porque os primeiros e mais famosos eram norte-americanos. Traduzidos para o Brasil, mas que não falavam, necessariamente, a língua do nosso público. Os RPGs norte-americanos são, no geral, mais mecanicistas, pendendo mais para o lado matemático do jogo. E o público brasileiro curte mais a história, a narrativa. E isso é algo que Tormenta tem, sendo mais adaptado ao nosso perfil de leitor e consumidor.
Para fechar: qual o futuro de Tormenta no financiamento coletivo?
A experiência de ter feito o livro com o público foi muito legal. Teve votações que fizemos para decidir alguns conteúdos e os próprios autores de Tormenta estavam torcendo nessas enquetes. E isso foi muito análogo a um jogo de RPG, em que a história criada a partir do jogo tem um elemento inesperado. Então por conta disso tudo é muito provável que a gente repita essa experiência com outros materiais de Tormenta.
E aí, curtiu o papo? Deixe o seu comentário aqui embaixo e não esqueça que a pré-venda de Tormenta 20 no Catarse termina dia 16.06 (terça), às 23h59! Para visitar o projeto e garantir o seu exemplar, clique aqui!