A busca da identidade através da linguagem em "Alice"

Seja no País das Maravilhas ou Através do espelho, a maravilhosidade de Alice tornou-se popularmente conhecida. Os livros foram traduzidos para a maioria dos idiomas, incluindo esperanto e latim, adaptados para teatro, cinema e televisão diversas vezes, e ilustrados por inúmeros artistas, de John Tenniel e Salvador Dalí a ilustradores do estúdio Disney.

Desde a primeira publicação, em 1865, até os dias de hoje, houve várias Alices em tantas mídias diferentes que a gênese da personagem é facilmente esquecida em meio a tantas excentricidades: a busca da identidade através da linguagem. 

Não sou tão filosófica quanto a Lagarta, mas assim como ela, tenho um certo conhecimento que posso compartilhar. Que tal você vir refletir comigo?

A razão através da linguagem de Alice 

O que Alice mais faz, seja quando cai no buraco ou vai para o outro lado do espelho, é indagar – seja a si mesma ou quem encontra pelo caminho. Em meio a tantas perguntas e alguns questionamentos e respostas enigmáticas, os diálogos e reflexões conduzem à autoanálise. E isso pode ser observado através da linguagem. 

Caso você ainda não tenha lido o livro, saiba que em alguns capítulos de País das Maravilhas, Alice recita alguns poemas. Já na sequência, em Através do espelho, há diversas incursões linguísticas inusitadas que despertam um forte estranhamento gramatical e semântico nos leitores. Isso acontece porque Alice se empenha em recordar, verbalizar e refletir sobre quem acredita ser, o que viveu e o que possui de repertório de um mundo anterior ao adentrar o universo que existe em seus sonhos.

A incerteza e os questionamentos de Alice são visíveis por meio da linguagem, pois há incongruências em tudo o que diz, e uma das razões disto é porque o autor, Lewis Carroll, fez uso de diversas referências culturais específicas que foram alteradas e modificadas. As referências incluem paródias de poemas, canções, expressões proverbiais populares, passagens de livros escolares, entre outros elementos conhecidos pelos leitores contemporâneos do autor. E a suposição da busca da identidade se dá porque, apesar de Carroll ter subvertido o que escreveu, é possível, por meio de muita pesquisa, encontrar suas inspirações, resistindo e existindo assim à conservação da identidade cultural de sua época.

Mas a busca da identidade por meio da linguagem é só uma das formas de Carroll nos fazer refletir em sua narrativa nonsense, porque como Deleuze, filósofo francês, afirmou, as aventuras de Alice é um grande paradoxo de uma identidade infinita, um eterno devir.

Conheça e apoie uma edição alucinante de Alice

A editora Wish sabe que todas as editoras de respeito têm sua edição de Alice, e por isso trabalharam com afinco para lançarem um livro que convida a todos a esticarem os limites da imaginação com uma perspectiva mais sombria.

Apoie Alice, edição pesadelo, um exemplar com Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho que explora o nonsense, a excentricidade e os limites da loucura criatividade, saindo do encanto de algumas edições e adaptações infantis para mergulhar no abismo do bizarro. 

Para Alice livros tem que ter figuras, por isso a edição pesadelo possui ilustrações vívidas e perturbadoras de Caroline Murta em meio aos diálogos que transportará os leitores para um reino de fantasia repleto de mistérios, onde o absurdo encontra o macabro.

Confira a campanha e corra pra apoiar, porque ela já está na reta final e se encerra no dia 14 de maio!

E se você por um acaso achar a proposta da Wish inusitada, então precisa assistir os filmes mudos de 1903 e 1915 para sentir e entender o que inspirou as fadas da editora. Juro, tudo vai fazer ainda mais sentido depois!

Um depoimento de Regiane Winarski

Lewis Carroll inovou bastante na linguagem ao escrever Alice, tanto que é sempre um desafio para quem traduz manter uma equivalência semântica. É preciso considerar trocadilhos e preservar a identidade intrínseca da época e do idioma do autor.

Inclusive, o primeiro tradutor da obra, Monteiro Lobato, disse que considerava essa obra intraduzível – porém, apesar de ter dito isso, ele traduziu. Isso porque, para quem se interessa pelos Estudos da Tradução, sabe que para traduzir é preciso muito mais do que conhecimento linguístico do idioma.

Pensando nisso, entrei em contato com a responsável pela tradução da edição pesadelo, Regiane Winarski, popularmente conhecida por traduzir livros dos gêneros fantasia, suspense/horror e romances para adultos e jovens adultos. Ela foi a responsável pela tradução da edição pesadelo e fiz a seguinte pergunta:

Regiane, como foi para você adentrar na aventura de traduzir Alice, ciente de todas as idiossincrasias linguísticas, sabendo que iria se deparar com termos e palavras que desafiam os limites da tradução, e que, nesses momentos, seria necessário recriar e fazer uso da criatividade, imprimindo um tom autoral à sua tradução?

Confira a resposta dela, e um pequeno spoiler de um trecho de sua tradução:

A gente sempre pode achar que está preparada para enfrentar um texto como o de Alice, mas a verdade é que só dá para sentir na pele quando chega a hora de fazer de verdade. O desafio é que a criatividade do autor está lá, é dele, enquanto em geral quem traduz precisa tentar correr atrás dessa criatividade na marra. A própria cena inicial clássica do Coelho Branco poderia representar isso: Alice é como a tradutora, correndo atrás de uma criatividade elusiva e ardilosa. É importante que a gente aprenda a aceitar nossos limites e se empenhe em fazer o melhor possível, sem cobrança de perfeição (até porque ela não existe, rs). O que eu faço nessas horas de precisar canalizar a criatividade é tentar fazer uma tradução mais careta para o trecho todo, para depois ir dando os toques criativos, para ajustar e aproximar mais a tradução do original. É um trabalho que demanda muito tempo. Ambos os livros são pequenos, mas o prazo de tradução precisou ser longo porque tanto poemas quanto os trechos que exigem criatividade pareciam bater em becos sem saída de tempos em tempos. O trecho com maior densidade demográfica de criatividade, quem conhece os livros já pode imaginar, é o poema Jaguadarte. Incluo um exemplo aqui da conversa da Alice com Humpty Dumpty sobre esse poema, para mostrar um pouco desse trabalho:

— Já é o suficiente para começar — interrompeu-a Humpty Dumpty. — Há palavras difíceis demais aí. “Grepúsculo” significa quatro horas da tarde, a hora em que começamos a grelhar as coisas para o jantar.
— Excelente explicação — disse Alice. — E “agicoso”?
— Bem, “agicoso” significa “ágil e viscoso”. “Ágil” é a mesma coisa que “ativo”. É tipo uma aglutinação: são dois significados reunidos em uma palavra.

Continue caindo no buraco que te levará ao País das Maravilhas

Lorena Camilo
Mestra em Estudos Literários, editora, redatora e aficionada por arte e cultura pop.

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A busca da identidade através da linguagem em "Alice"

Seja no País das Maravilhas ou Através do espelho, a maravilhosidade de Alice tornou-se popularmente conhecida. Os livros foram traduzidos para a maioria dos idiomas, incluindo esperanto e latim, adaptados para teatro, cinema e televisão diversas vezes, e ilustrados por inúmeros artistas, de John Tenniel e Salvador Dalí a ilustradores do estúdio Disney.

Desde a primeira publicação, em 1865, até os dias de hoje, houve várias Alices em tantas mídias diferentes que a gênese da personagem é facilmente esquecida em meio a tantas excentricidades: a busca da identidade através da linguagem. 

Não sou tão filosófica quanto a Lagarta, mas assim como ela, tenho um certo conhecimento que posso compartilhar. Que tal você vir refletir comigo?

A razão através da linguagem de Alice 

O que Alice mais faz, seja quando cai no buraco ou vai para o outro lado do espelho, é indagar – seja a si mesma ou quem encontra pelo caminho. Em meio a tantas perguntas e alguns questionamentos e respostas enigmáticas, os diálogos e reflexões conduzem à autoanálise. E isso pode ser observado através da linguagem. 

Caso você ainda não tenha lido o livro, saiba que em alguns capítulos de País das Maravilhas, Alice recita alguns poemas. Já na sequência, em Através do espelho, há diversas incursões linguísticas inusitadas que despertam um forte estranhamento gramatical e semântico nos leitores. Isso acontece porque Alice se empenha em recordar, verbalizar e refletir sobre quem acredita ser, o que viveu e o que possui de repertório de um mundo anterior ao adentrar o universo que existe em seus sonhos.

A incerteza e os questionamentos de Alice são visíveis por meio da linguagem, pois há incongruências em tudo o que diz, e uma das razões disto é porque o autor, Lewis Carroll, fez uso de diversas referências culturais específicas que foram alteradas e modificadas. As referências incluem paródias de poemas, canções, expressões proverbiais populares, passagens de livros escolares, entre outros elementos conhecidos pelos leitores contemporâneos do autor. E a suposição da busca da identidade se dá porque, apesar de Carroll ter subvertido o que escreveu, é possível, por meio de muita pesquisa, encontrar suas inspirações, resistindo e existindo assim à conservação da identidade cultural de sua época.

Mas a busca da identidade por meio da linguagem é só uma das formas de Carroll nos fazer refletir em sua narrativa nonsense, porque como Deleuze, filósofo francês, afirmou, as aventuras de Alice é um grande paradoxo de uma identidade infinita, um eterno devir.

Conheça e apoie uma edição alucinante de Alice

A editora Wish sabe que todas as editoras de respeito têm sua edição de Alice, e por isso trabalharam com afinco para lançarem um livro que convida a todos a esticarem os limites da imaginação com uma perspectiva mais sombria.

Apoie Alice, edição pesadelo, um exemplar com Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho que explora o nonsense, a excentricidade e os limites da loucura criatividade, saindo do encanto de algumas edições e adaptações infantis para mergulhar no abismo do bizarro. 

Para Alice livros tem que ter figuras, por isso a edição pesadelo possui ilustrações vívidas e perturbadoras de Caroline Murta em meio aos diálogos que transportará os leitores para um reino de fantasia repleto de mistérios, onde o absurdo encontra o macabro.

Confira a campanha e corra pra apoiar, porque ela já está na reta final e se encerra no dia 14 de maio!

E se você por um acaso achar a proposta da Wish inusitada, então precisa assistir os filmes mudos de 1903 e 1915 para sentir e entender o que inspirou as fadas da editora. Juro, tudo vai fazer ainda mais sentido depois!

Um depoimento de Regiane Winarski

Lewis Carroll inovou bastante na linguagem ao escrever Alice, tanto que é sempre um desafio para quem traduz manter uma equivalência semântica. É preciso considerar trocadilhos e preservar a identidade intrínseca da época e do idioma do autor.

Inclusive, o primeiro tradutor da obra, Monteiro Lobato, disse que considerava essa obra intraduzível – porém, apesar de ter dito isso, ele traduziu. Isso porque, para quem se interessa pelos Estudos da Tradução, sabe que para traduzir é preciso muito mais do que conhecimento linguístico do idioma.

Pensando nisso, entrei em contato com a responsável pela tradução da edição pesadelo, Regiane Winarski, popularmente conhecida por traduzir livros dos gêneros fantasia, suspense/horror e romances para adultos e jovens adultos. Ela foi a responsável pela tradução da edição pesadelo e fiz a seguinte pergunta:

Regiane, como foi para você adentrar na aventura de traduzir Alice, ciente de todas as idiossincrasias linguísticas, sabendo que iria se deparar com termos e palavras que desafiam os limites da tradução, e que, nesses momentos, seria necessário recriar e fazer uso da criatividade, imprimindo um tom autoral à sua tradução?

Confira a resposta dela, e um pequeno spoiler de um trecho de sua tradução:

A gente sempre pode achar que está preparada para enfrentar um texto como o de Alice, mas a verdade é que só dá para sentir na pele quando chega a hora de fazer de verdade. O desafio é que a criatividade do autor está lá, é dele, enquanto em geral quem traduz precisa tentar correr atrás dessa criatividade na marra. A própria cena inicial clássica do Coelho Branco poderia representar isso: Alice é como a tradutora, correndo atrás de uma criatividade elusiva e ardilosa. É importante que a gente aprenda a aceitar nossos limites e se empenhe em fazer o melhor possível, sem cobrança de perfeição (até porque ela não existe, rs). O que eu faço nessas horas de precisar canalizar a criatividade é tentar fazer uma tradução mais careta para o trecho todo, para depois ir dando os toques criativos, para ajustar e aproximar mais a tradução do original. É um trabalho que demanda muito tempo. Ambos os livros são pequenos, mas o prazo de tradução precisou ser longo porque tanto poemas quanto os trechos que exigem criatividade pareciam bater em becos sem saída de tempos em tempos. O trecho com maior densidade demográfica de criatividade, quem conhece os livros já pode imaginar, é o poema Jaguadarte. Incluo um exemplo aqui da conversa da Alice com Humpty Dumpty sobre esse poema, para mostrar um pouco desse trabalho:

— Já é o suficiente para começar — interrompeu-a Humpty Dumpty. — Há palavras difíceis demais aí. “Grepúsculo” significa quatro horas da tarde, a hora em que começamos a grelhar as coisas para o jantar.
— Excelente explicação — disse Alice. — E “agicoso”?
— Bem, “agicoso” significa “ágil e viscoso”. “Ágil” é a mesma coisa que “ativo”. É tipo uma aglutinação: são dois significados reunidos em uma palavra.

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