Poder público no financiamento coletivo e vice-versa

Encontrão Hacker. Conexoes Globais 2014.  Porto Alegre, RS. Foto Eduardo Aigner Caio Tendolini no Encontrão Hacker 2014 em Porto Alegre. Foto: Eduardo Aigner

Por Caio Tendolini

Um dos resultados mais relevantes da pesquisa Retrato do Financiamento Coletivo no Brasil  foi descobrir que 64% das pessoas valorizam uma empresa que apóia projetos de financiamento coletivo, e que 82% são contra a participação do governo. O que ficou claro é que as pessoas entendem o financiamento coletivo como uma ferramenta da sociedade civil para a sociedade civil. A oposição à participação do poder público reflete uma necessidade de deixar clara nessa dinâmica a separação das esferas públicas e privadas, áreas com relações promíscuas na história do Brasil.

O sistema político baseado na democracia representativa deixou os eleitores muito distantes dos processos decisórios. O financiamento coletivo cortou intermediários e possibilitou uma relação direta entre as pessoas para executarem as ideias de interesse comum. A rejeição da comunidade ao governo no financiamento coletivo é também uma reafirmação dessa independência.

Além disso, uma das grandes vantagens do financiamento coletivo sobre os outros sistemas tradicionais de financiamento é sua agilidade e a burocracia mínima para a realização de uma campanha. O não envolvimento com o processos de licitação, verba pública, aprovação para abatimento fiscal é uma forma de preservar essa destreza da ferramenta.

É interessante observar como algumas campanhas de financiamento coletivo podem ser bons exemplo de como o privado se comporta como público. Financiar coletivamente um projeto é abrir a possibilidade de qualquer pessoa participar ativamente da sua realização. Esse processo exige transparência, comunicação, prestação de contas etc. que muitas vezes superam as práticas de determinados governos. Colocar o primeiro setor na jogada pode deixar mais opaco esse ímpeto rumo à clareza.

Apesar de o resultado da pesquisa apontar uma ampla repulsa à inclusão dos governos no financiamento coletivo, várias sugestões surgiram no espaço de comentários da pesquisa, o que revela um interesse em pensar numa possibilidade de incluir o monstro do poder público no processo.

Encontrão Hacker e a inversão da questão

Participei no fim de semana 24 e 25 de janeiro de 2014 do 1º Encontrão Hacker do evento Conexões Globais, promovido pelo Gabinete Digital do Rio Grande do Sul.

Participaram do encontro diversas iniciativas, públicas, privadas e de sociedade civil, entorno de um objetivo comum — Participação. Quando falamos de participação, falamos de abertura de dados, de software livre, de criptografia e privacidade. Falamos de formação, produção, viabilização e distribuição. Falamos de cultura, política e economia. Falamos de colaboração, de democracia.  Uma nova forma de democracia em rede, que fortalece os vínculos, reconecta pontas e dá acesso.

Participei do evento a convite de seu articulador de Políticas Digitais, Uirá Porã, que queria conversar com o Catarse para entender melhor as possibilidades da junção entre esse ecossistema plural e o financiamento coletivo. Nascido em Fortaleza, Uirá é militante da cultura digital desde 2002, tendo passado por diversas experiências públicas e privadas relacionadas ao tema até chegar, em setembro de 2013, ao Gabinete Digital do RS.

O curioso da conversa com Uirá, e que reproduzo uma parte abaixo, é que ele inverteu o sentido da pergunta e apontou uma possibilidade interessante. Talvez a participação do poder público no financiamento coletivo seja a participação do financiamento coletivo no poder público.

Quando vi o Catarse foi como quando vi o Google Maps, que permitiu dar o zoom na casa das pessoas como nas cenas dos filmes de ficção. A economia solidária tinha virado um aplicativo. Com os limites e referências do modelo e do próprio software, qualquer um pode ajudar de milhões de formas. O projeto do Baixo Centro, por exemplo, abre uma planilha, pede grana pra executá-la e presta contas. É revolucionário. Tal qual o Gabinete Digital, eu não esperava que isso acontecesse. A minha visão de dentro do governo é como conseguimos juntar isso com a governança financeira, por exemplo. Um dos pontos críticos do Estado é a gestão dos impostos. Em que medida o imposto não é um crowdfunding que todo mundo põe uma grana? Eu não estou contente com a gestão dessa grana hoje. Se a gente conseguir pegar o que o Catarse faz de dar uma interface para a economia solidária e traduzir para as pessoas como elas colaboram, podemos repensar toda a lógica de financiamento do Estado e de uso de dinheiro público. De onde esse dinheiro veio e para onde ele vai. É isso que a gente precisa saber. A burocracia que tem no meio é um legado que a gente tem que se livrar. Ela foi necessária, mas hoje a tecnologia digital trouxe possibilidades da gente acabar com isso. Eu preciso saber de onde o dinheiro vem: do cidadão. E para onde ele vai: precisa ser para o cidadão. Esse caminho não está claro hoje. O desafio é esse. O Catarse é uma referência de interface e usabilidade, que faltam muito hoje para o governo. Seria muito legal que outras iniciativas da web brasileira e startups com a lógica da web 2.0 dialogassem com o governo.

 

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Colaborador
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Encontrão Hacker. Conexoes Globais 2014.  Porto Alegre, RS. Foto Eduardo Aigner Caio Tendolini no Encontrão Hacker 2014 em Porto Alegre. Foto: Eduardo Aigner

Por Caio Tendolini

Um dos resultados mais relevantes da pesquisa Retrato do Financiamento Coletivo no Brasil  foi descobrir que 64% das pessoas valorizam uma empresa que apóia projetos de financiamento coletivo, e que 82% são contra a participação do governo. O que ficou claro é que as pessoas entendem o financiamento coletivo como uma ferramenta da sociedade civil para a sociedade civil. A oposição à participação do poder público reflete uma necessidade de deixar clara nessa dinâmica a separação das esferas públicas e privadas, áreas com relações promíscuas na história do Brasil.

O sistema político baseado na democracia representativa deixou os eleitores muito distantes dos processos decisórios. O financiamento coletivo cortou intermediários e possibilitou uma relação direta entre as pessoas para executarem as ideias de interesse comum. A rejeição da comunidade ao governo no financiamento coletivo é também uma reafirmação dessa independência.

Além disso, uma das grandes vantagens do financiamento coletivo sobre os outros sistemas tradicionais de financiamento é sua agilidade e a burocracia mínima para a realização de uma campanha. O não envolvimento com o processos de licitação, verba pública, aprovação para abatimento fiscal é uma forma de preservar essa destreza da ferramenta.

É interessante observar como algumas campanhas de financiamento coletivo podem ser bons exemplo de como o privado se comporta como público. Financiar coletivamente um projeto é abrir a possibilidade de qualquer pessoa participar ativamente da sua realização. Esse processo exige transparência, comunicação, prestação de contas etc. que muitas vezes superam as práticas de determinados governos. Colocar o primeiro setor na jogada pode deixar mais opaco esse ímpeto rumo à clareza.

Apesar de o resultado da pesquisa apontar uma ampla repulsa à inclusão dos governos no financiamento coletivo, várias sugestões surgiram no espaço de comentários da pesquisa, o que revela um interesse em pensar numa possibilidade de incluir o monstro do poder público no processo.

Encontrão Hacker e a inversão da questão

Participei no fim de semana 24 e 25 de janeiro de 2014 do 1º Encontrão Hacker do evento Conexões Globais, promovido pelo Gabinete Digital do Rio Grande do Sul.

Participaram do encontro diversas iniciativas, públicas, privadas e de sociedade civil, entorno de um objetivo comum — Participação. Quando falamos de participação, falamos de abertura de dados, de software livre, de criptografia e privacidade. Falamos de formação, produção, viabilização e distribuição. Falamos de cultura, política e economia. Falamos de colaboração, de democracia.  Uma nova forma de democracia em rede, que fortalece os vínculos, reconecta pontas e dá acesso.

Participei do evento a convite de seu articulador de Políticas Digitais, Uirá Porã, que queria conversar com o Catarse para entender melhor as possibilidades da junção entre esse ecossistema plural e o financiamento coletivo. Nascido em Fortaleza, Uirá é militante da cultura digital desde 2002, tendo passado por diversas experiências públicas e privadas relacionadas ao tema até chegar, em setembro de 2013, ao Gabinete Digital do RS.

O curioso da conversa com Uirá, e que reproduzo uma parte abaixo, é que ele inverteu o sentido da pergunta e apontou uma possibilidade interessante. Talvez a participação do poder público no financiamento coletivo seja a participação do financiamento coletivo no poder público.

Quando vi o Catarse foi como quando vi o Google Maps, que permitiu dar o zoom na casa das pessoas como nas cenas dos filmes de ficção. A economia solidária tinha virado um aplicativo. Com os limites e referências do modelo e do próprio software, qualquer um pode ajudar de milhões de formas. O projeto do Baixo Centro, por exemplo, abre uma planilha, pede grana pra executá-la e presta contas. É revolucionário. Tal qual o Gabinete Digital, eu não esperava que isso acontecesse. A minha visão de dentro do governo é como conseguimos juntar isso com a governança financeira, por exemplo. Um dos pontos críticos do Estado é a gestão dos impostos. Em que medida o imposto não é um crowdfunding que todo mundo põe uma grana? Eu não estou contente com a gestão dessa grana hoje. Se a gente conseguir pegar o que o Catarse faz de dar uma interface para a economia solidária e traduzir para as pessoas como elas colaboram, podemos repensar toda a lógica de financiamento do Estado e de uso de dinheiro público. De onde esse dinheiro veio e para onde ele vai. É isso que a gente precisa saber. A burocracia que tem no meio é um legado que a gente tem que se livrar. Ela foi necessária, mas hoje a tecnologia digital trouxe possibilidades da gente acabar com isso. Eu preciso saber de onde o dinheiro vem: do cidadão. E para onde ele vai: precisa ser para o cidadão. Esse caminho não está claro hoje. O desafio é esse. O Catarse é uma referência de interface e usabilidade, que faltam muito hoje para o governo. Seria muito legal que outras iniciativas da web brasileira e startups com a lógica da web 2.0 dialogassem com o governo.

 

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