Por Natália Garcia, do Cidades para Pessoas
No final do século 19, o artista plástico francês Frédérico-Augustine Bartholdi queria homenagear o centenário de independência dos Estados Unidos e decidiu criar uma estátua gigante para presentear os americanos. Na falta de um mecenas que investisse no projeto, Bartholdi passou 10 anos levantando dinheiro com uma multidão de pequenos financiadores, que, em troca, ganhavam uma réplica em miniatura da obra. Foi assim que conseguiu viabilizar a criação da escultura, que chamou de “Liberty Enlightening the World”, a estátua da Liberdade. Dá para dizer que essa foi a primeira intervenção urbana do mundo financiada por crowdfunding.
De lá para cá, a possibilidade de viabilizar coletivamente não só intervenções como espaços públicos e até modelos de gestão urbana cresceu e se diversificou um bocado. Especialmente com plataformas que pegaram carona na internet e nas redes sociais para se especializarem nesse modelo de financiamento. Para se ter uma ideia do tamanho desse mercado, em 2013, o Kickstarter, maior plataforma do mundo, teve
3 milhões de apoiadores de
214 países de todos os continentes (inclusive a Antártida), que levantaram
U$ 480 milhões para colocar
19.911 projetos em prática. Graças ao Kickstarter estão em construção o
primeiro helicóptero a propulsão humana do mundo, um
Delorean aerodeslizador inspirado na trilogia De Volta para o Futuro, um
parque público de skateboard na Filadélfia e
uma piscina pública no rio Hudson, em Nova Iorque.
2013 também foi o ano em que os projetos financiados por crowdfunding extrapolaram o Kickstarter e encontraram suas próprias plataformas. É o caso da inglesa
Spacehive e das americanas
Neighbor.Ly e
Ioby, que financiam intervenções ou construções permanentes em espaços públicos. O
Citinvestor criou um modelo interessante: permite que a sociedade civil viabilize projetos já aprovados em instâncias legislativas para a cidade, mas que não tiveram verba pública para serem executados.
Até o mercado imobiliário está experimentando o financiamento coletivo na plataforma
Fundrise. Nela, qualquer pessoa pode ser co-financiadora de um empreendimento – seja ele um café, um centro cultural ou um edifício residencial assinado por um arquiteto local. Imagine o potencial de incorporar o crowdfunding à gestão oficial das cidades, permitindo que uma porcentagem do imposto de renda, por exemplo, seja destinada a um projeto em que o cidadão acredite. É o que o objetivo da plataforma finlandesa
Brickstarter, ainda em fase de implementação, mas que mantém um blog sobre como o crowdfunding pode ser uma ferramenta de gestão no futuro das cidades. Tão importante quanto criar essas iniciativas, é transformá-las em modelos replicáveis em outras cidades pelo mundo, como tenta fazer o Shareble Cities (
https://www.shareable.net), uma plataforma de compartilhamento de ações urbanas de engajamento cívico.
Intervenção Passo Marcado no Minhocão, em São Paulo, no Festival Baixo Centro 2013Nossa maior plataforma no Brasil, o
Catarse,
acaba de fazer 3 anos. E arrisco dizer que o Catarse seja o grande “culpado” pela
percepção que o jornalista inglês Claire Rigby teve de São Paulo. Segundo ele, 2013 pode ser lembrado como o ano em que o Brasil tomou as ruas, mas essa é só a ponta do iceberg de um movimento urbano bem maior, em que as pessoas estão “ocupando os espaços públicos com cores e sonhos”. O Catarse viabilizou, por exemplo, o
Baixo Centro, um festival de arte e ocupação civil que ocupou o centro de São Paulo por 10 dias, um
Plano Diretor para o bairro da Pompéia e a
sinalização de pontos de ônibus com o itinerário dos coletivos em Porto Alegre. Em 2013, o Catarse inaugurou
um canal especializado em intervenções urbanas, em que os projetos são parcialmente viabilizados pelo Instituto Asas.
Esses exemplos nos mostram como o crowdfunding é peça importante na reinvenção da gestão política e econômica das cidades – e como esse modelo ganhou força em 2013. Essas plataformas diminuem a lacuna entre intenção e ação, multiplicando os caminhos possíveis para que as pessoas construam, juntas, a cidade que querem. Isso não significa que o crowdfunding seja a solução dos problemas urbanos. Mas é um caminho para a inovação, para atender à complexidade das demandas de cidadãos tão diversos, para mapear problemas e testar vocações urbanas.
Mais do que isso: é um caminho para colocar sonhos em prática. O poeta irlandês W. B. Yeats escreveu a história de um jovem que queria conquistar uma moça e diz a ela “Eu estendi meus sonhos sob os seus pés. Pise com cuidado, pois você caminha sobre os meus sonhos”. Todos os dias, os criadores de projetos como os citados acima espalham seus sonhos aos pés dos seus representantes políticos. Se eu pudesse dar apenas um conselho a todos os prefeitos do Brasil, ele seria: pise com cuidado. Não por esses sonhos serem frágeis, mas porque são muito poderosos.
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Obrigada a Felipe Caruso e Renato Garcia, do Catarse, e Ariel Kogan, membro da Open Knowledge Foundation, por me ajudarem a coletar exemplos para esse texto.