A arte de pedir como um modelo de negócio sustentável

“Quando você se conecta com as pessoas, elas querem te ajudar.” O modelo de financiamento coletivo é a epítome do que Amanda Palmer, responsável por um dos maiores cases de sucesso da história do crowdfunding, chama de “a arte de pedir”.

Cantora e compositora, Amanda Palmer trabalhou com muita coisa, mas se orgulha em dizer que trabalhou principalmente como estátua viva, parada no meio da calçada, vestida de noiva e com a cara pintada de branco. Nas palavras de Palmer, "ser estátua era um trabalho no qual eu encarnava a mais pura manifestação física do pedir". Depois de romper seu contrato com uma gravadora que havia considerado 25 mil cópias vendidas “um fracasso”, Amanda recorreu ao financiamento coletivo e, com 25 mil pessoas apoiando, arrecadou mais de 1 milhão de dólares e se tornou referência para artistas e para a própria indústria.

Por algum tempo, nos bastidores do mercado editorial, as conhecidas "vaquinhas" carregavam certo estigma. Entretanto, nos últimos anos, parte do mercado talvez tenha começado a perceber no financiamento coletivo algo que Amanda Palmer entendeu logo de cara: a arte de pedir como algo capaz de criar conexões humanas.

O financiamento coletivo oferece uma forma de coletividade que um sistema de oferta e demanda nem sempre permite. Ele transforma produtos em narrativas. E o que mais queremos além de viver histórias? Em um mercado como o dos livros que se baseia, literalmente, em histórias, poder convidar seu público a viver um pouco da experiência de publicação é poderoso. De forma humana, constrói pontes, pensando no negócio, agrega valor e se apresenta como um modelo de negócio extremamente sustentável.

Segundo Philip Kotler, considerado um dos maiores especialistas em marketing da atualidade, vivemos o Marketing 5.0, seu quinto e atual estágio. Ele acredita que o marketing evolui à medida que os consumidores e as tecnologias vigentes se transformam. Na visão de Kotler, vivemos o momento em que o marketing é centrado na tecnologia em prol da humanidade.

Na era das redes sociais e dos algoritmos em constante mudança, criar conexões reais e fazer parte de projetos que correspondem aos nossos valores é o que consolida verdadeiras comunidades, para além de vendas e consumismo, e pode fazer a diferença na construção da imagem de uma marca, incluindo editoras, escritores independentes, ilustradores, etc.. É sobre se conectar, criar um vínculo forte o bastante para que alguém queira fazer parte do projeto mais do que apenas consumi-lo.

Nesse cenário, o financiamento coletivo vem se consolidando como uma maneira de criar conexões em um nicho que, por muito tempo, teve a literatura como inacessível e inalcançável. Entretanto, no meio, ainda há quem ainda acredite que o crowdfunding é apenas para quem está começando. 

Grandes nomes e o mergulho no crowdfunding

Agora, em março de 2024, Brandon Sanderson, um dos maiores e mais conceituados autores de fantasia da atualidade conclui, com sucesso, uma campanha no Kickstarter para não apenas um, mas quatro romances que ele havia escrito secretamente nos últimos anos. Um pouco diferente de um projeto pontual, Sanderson enviou para os apoiadores, a cada três meses, durante um ano, um de seus quatro livros inéditos, um tipo de serviço de assinatura limitado. 

A jogada permitiu que Sanderson jogasse para o mundo projetos que ele havia escondido a sete chaves com direito a uma experiência completa do universo dos livros do autor, tão amado por seus fãs. A arrecadação total da campanha? Mais de 40 milhões de dólares e 185 mil apoiadores. O sucesso foi apenas o prelúdio, pois Sanderson já começou mais um financiamento coletivo e a campanha, iniciada no dia 5 de março, já conta com mais de 20 milhões de dólares arrecadados.

O financiamento coletivo permite brincar com ideias inusitadas, dá espaço para ousar em brindes e recompensas que modelos tradicionais de publicação não tornariam viáveis, se mostrando atraente até mesmo para nomes como Brandon Sanderson.

Já no Brasil, um dos grandes cases de sucesso do mercado ficou nas mãos do Jovem Nerd, que arrecadou mais de R$8,5 milhões de reais com a ajuda de quase 20 mil apoiadores que viabilizaram a Coleção Cthulhu, que contou com com livros inéditos e colecionáveis exclusivos. Além disso, editoras como a Wish mostram há quase uma década o poder de criar comunidades inteiras por meio da confiança e da ideia de fazer parte de algo. 

O mercado editorial brasileiro e o financiamento coletivo

Nos últimos anos, o financiamento tem se consolidado como uma alternativa de negócio sustentável para a cadeia do livro e, cada vez mais, o público brasileiro tem escolhido apoiar campanhas no Catarse. Desde 2011 o número de projetos e a arrecadação só vem crescendo. Segundo dados da plataforma, 1 milhão de usuários já apoiaram pelo menos 01 projeto no Catarse e mais de 20 mil projetos já foram financiados, somando mais de R$200 milhões movimentados.

O financiamento coletivo também se tornou uma maneira extremamente potente de educar o leitor brasileiro a respeito do mercado editorial e das etapas de produção de um livro. Por meio da prestação de contas, cronogramas expostos nas páginas de campanha, atualizações e envio de novidades, e as tão desejadas metas estendidas, criou-se uma cultura de transparência entre realizadores e apoiadores. Nisso, o público está sendo conduzido pelo passo a passo da publicação de um livro e, com isso, aprende. Caminho que, por muito tempo, parecia restrito a quem vivia trancado nas editoras ou aos poucos que compartilhavam o que envolvia o fazer livros.

O financiamento coletivo democratizou um pouco mais o que, para muitos realizadores, artistas e editoras, seria praticamente impossível. Para pequenas editoras, por exemplo, tiragens iniciais de dois mil exemplares, que pareciam sonhos inalcançáveis, se tornam reais. Em um mercado composto por monopólios e matéria-prima caríssimos, poder viabilizar publicações com mais liberdade criativa por meio da ajuda de milhares de potenciais leitores possibilitou a pluralidade de histórias, sejam elas publicadas ou vividas por quem as idealizou.

Atualmente diversas frentes do mercado fazem uso do financiamento coletivo e de suas possibilidades para se sustentar e continuar fazendo a roda girar. Artistas independentes constroem uma rede de apoio para transformar suas ideias em realidade em campanhas flex, projetos ousados movimentam campanhas tudo ou nada, criadores de conteúdo tiram sustento para continuar descobrindo e apresentando histórias para novos leitores por meio de assinaturas mensais. 

Assim, de apoio em apoio, de uma mão que se estende para que outra possa receber e criar, e conexões sendo feitas projeto a projeto, parte do mercado encontra forças no coletivo para continuar de pé.

Laura Brand
Editora, coordenadora editorial, jornalista, comunicadora e criadora de conteúdo. Especializou-se no mercado editorial e no trabalho com os livros por instituições como PUC Minas e Columbia Journalism School.

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“Quando você se conecta com as pessoas, elas querem te ajudar.” O modelo de financiamento coletivo é a epítome do que Amanda Palmer, responsável por um dos maiores cases de sucesso da história do crowdfunding, chama de “a arte de pedir”.

Cantora e compositora, Amanda Palmer trabalhou com muita coisa, mas se orgulha em dizer que trabalhou principalmente como estátua viva, parada no meio da calçada, vestida de noiva e com a cara pintada de branco. Nas palavras de Palmer, "ser estátua era um trabalho no qual eu encarnava a mais pura manifestação física do pedir". Depois de romper seu contrato com uma gravadora que havia considerado 25 mil cópias vendidas “um fracasso”, Amanda recorreu ao financiamento coletivo e, com 25 mil pessoas apoiando, arrecadou mais de 1 milhão de dólares e se tornou referência para artistas e para a própria indústria.

Por algum tempo, nos bastidores do mercado editorial, as conhecidas "vaquinhas" carregavam certo estigma. Entretanto, nos últimos anos, parte do mercado talvez tenha começado a perceber no financiamento coletivo algo que Amanda Palmer entendeu logo de cara: a arte de pedir como algo capaz de criar conexões humanas.

O financiamento coletivo oferece uma forma de coletividade que um sistema de oferta e demanda nem sempre permite. Ele transforma produtos em narrativas. E o que mais queremos além de viver histórias? Em um mercado como o dos livros que se baseia, literalmente, em histórias, poder convidar seu público a viver um pouco da experiência de publicação é poderoso. De forma humana, constrói pontes, pensando no negócio, agrega valor e se apresenta como um modelo de negócio extremamente sustentável.

Segundo Philip Kotler, considerado um dos maiores especialistas em marketing da atualidade, vivemos o Marketing 5.0, seu quinto e atual estágio. Ele acredita que o marketing evolui à medida que os consumidores e as tecnologias vigentes se transformam. Na visão de Kotler, vivemos o momento em que o marketing é centrado na tecnologia em prol da humanidade.

Na era das redes sociais e dos algoritmos em constante mudança, criar conexões reais e fazer parte de projetos que correspondem aos nossos valores é o que consolida verdadeiras comunidades, para além de vendas e consumismo, e pode fazer a diferença na construção da imagem de uma marca, incluindo editoras, escritores independentes, ilustradores, etc.. É sobre se conectar, criar um vínculo forte o bastante para que alguém queira fazer parte do projeto mais do que apenas consumi-lo.

Nesse cenário, o financiamento coletivo vem se consolidando como uma maneira de criar conexões em um nicho que, por muito tempo, teve a literatura como inacessível e inalcançável. Entretanto, no meio, ainda há quem ainda acredite que o crowdfunding é apenas para quem está começando. 

Grandes nomes e o mergulho no crowdfunding

Agora, em março de 2024, Brandon Sanderson, um dos maiores e mais conceituados autores de fantasia da atualidade conclui, com sucesso, uma campanha no Kickstarter para não apenas um, mas quatro romances que ele havia escrito secretamente nos últimos anos. Um pouco diferente de um projeto pontual, Sanderson enviou para os apoiadores, a cada três meses, durante um ano, um de seus quatro livros inéditos, um tipo de serviço de assinatura limitado. 

A jogada permitiu que Sanderson jogasse para o mundo projetos que ele havia escondido a sete chaves com direito a uma experiência completa do universo dos livros do autor, tão amado por seus fãs. A arrecadação total da campanha? Mais de 40 milhões de dólares e 185 mil apoiadores. O sucesso foi apenas o prelúdio, pois Sanderson já começou mais um financiamento coletivo e a campanha, iniciada no dia 5 de março, já conta com mais de 20 milhões de dólares arrecadados.

O financiamento coletivo permite brincar com ideias inusitadas, dá espaço para ousar em brindes e recompensas que modelos tradicionais de publicação não tornariam viáveis, se mostrando atraente até mesmo para nomes como Brandon Sanderson.

Já no Brasil, um dos grandes cases de sucesso do mercado ficou nas mãos do Jovem Nerd, que arrecadou mais de R$8,5 milhões de reais com a ajuda de quase 20 mil apoiadores que viabilizaram a Coleção Cthulhu, que contou com com livros inéditos e colecionáveis exclusivos. Além disso, editoras como a Wish mostram há quase uma década o poder de criar comunidades inteiras por meio da confiança e da ideia de fazer parte de algo. 

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Nos últimos anos, o financiamento tem se consolidado como uma alternativa de negócio sustentável para a cadeia do livro e, cada vez mais, o público brasileiro tem escolhido apoiar campanhas no Catarse. Desde 2011 o número de projetos e a arrecadação só vem crescendo. Segundo dados da plataforma, 1 milhão de usuários já apoiaram pelo menos 01 projeto no Catarse e mais de 20 mil projetos já foram financiados, somando mais de R$200 milhões movimentados.

O financiamento coletivo também se tornou uma maneira extremamente potente de educar o leitor brasileiro a respeito do mercado editorial e das etapas de produção de um livro. Por meio da prestação de contas, cronogramas expostos nas páginas de campanha, atualizações e envio de novidades, e as tão desejadas metas estendidas, criou-se uma cultura de transparência entre realizadores e apoiadores. Nisso, o público está sendo conduzido pelo passo a passo da publicação de um livro e, com isso, aprende. Caminho que, por muito tempo, parecia restrito a quem vivia trancado nas editoras ou aos poucos que compartilhavam o que envolvia o fazer livros.

O financiamento coletivo democratizou um pouco mais o que, para muitos realizadores, artistas e editoras, seria praticamente impossível. Para pequenas editoras, por exemplo, tiragens iniciais de dois mil exemplares, que pareciam sonhos inalcançáveis, se tornam reais. Em um mercado composto por monopólios e matéria-prima caríssimos, poder viabilizar publicações com mais liberdade criativa por meio da ajuda de milhares de potenciais leitores possibilitou a pluralidade de histórias, sejam elas publicadas ou vividas por quem as idealizou.

Atualmente diversas frentes do mercado fazem uso do financiamento coletivo e de suas possibilidades para se sustentar e continuar fazendo a roda girar. Artistas independentes constroem uma rede de apoio para transformar suas ideias em realidade em campanhas flex, projetos ousados movimentam campanhas tudo ou nada, criadores de conteúdo tiram sustento para continuar descobrindo e apresentando histórias para novos leitores por meio de assinaturas mensais. 

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