A crise climática está cada vez mais presente no nosso cotidiano, seja nas notícias ou nas mudanças que percebemos ao nosso redor. Mas como a literatura pode nos ajudar a entender esse cenário? Mais do que apenas retratar catástrofes, ela pode abrir caminhos para reflexão e novas possibilidades de imaginar o futuro.
Para falar sobre isso, batemos um papo com Ana Rüsche, escritora, pesquisadora e uma das principais vozes da ecocrítica no Brasil na contemporaneidade. Com experiência tanto na ficção quanto na teoria, ela compartilhou reflexões valiosas sobre literatura, ciência e escrita em tempos de emergência climática, além de ter um convite especial para te fazer. Confira!
O que você vai ler neste post:
🌱 O que a literatura ecocrítica pode estimular em tempos de mudanças ambientais.
📖 Os desafios e responsabilidades de escrever ficções ecocríticas.
🌎 A importância de ouvir especialistas e a responsabilidade da literatura ecocrítica.
📢 Conheça “Antropoceno”, um projeto sobre ficção climática para você apoiar.
🔍 Recomendações para você continuar refletindo sobre literatura ecocrítica.
O que é ecocrítica e ficção climática?
A literatura sempre foi um reflexo das emoções e preocupações humanas, e, nos últimos anos, o meio ambiente tem se tornado um tema cada vez mais urgente dentro das narrativas. Assim, a ecocrítica surge tanto como um campo de estudo quanto como uma abordagem dentro da própria literatura e das artes, trazendo a relação entre humanidade e natureza para o centro da discussão. Mas isso não é uma novidade, pois desde os primórdios dos tempos, diferentes civilizações já abordavam a perda e a transformação do mundo ao seu redor.

Para Ana Rüsche, essa sensação de que estamos “perdendo o mundo” se tornou mais aguda com a crise climática. “Óbvio que isso já aconteceu antes com muitas outras pessoas, né? Por exemplo, os povos originários das Américas já perderam o mundo há muitos séculos. Há pessoas que passaram por migrações forçadas violentas, como pessoas que foram escravizadas, tiveram que deixar suas casas para os outros.” O que muda agora é a dimensão global do problema e a forma como a arte tem se voltado cada vez mais para ele.
Dentro desse contexto, a ficção climática (ou cli-fi) se consolida como um gênero que explora futuros distópicos, mudanças ambientais extremas e possíveis caminhos para a humanidade. Na literatura brasileira e latino-americana, uma característica marcante dessa abordagem é o uso da sátira. Ana exemplifica: “Não verás país nenhum, do Ignácio de Loyola Brandão, é uma grande obra sobre crise climática, dos anos 80, muito satírica. Ao mesmo tempo que tudo é muito difícil, muito distópico, existe por meio do humor essa forma de tocar no assunto que é tão duro.”
Mas fica o questionamento: a ficção climática deve apenas alertar sobre o colapso ambiental ou há espaço para imaginar futuros diferentes? Para Ana, utopias e distopias andam juntas: “Elas apresentam visões complementares, apesar de o tom ser diferente. Acho que os dois movimentos são muito importantes: tanto dar um alerta, tirar o chão das pessoas, quanto propor um outro mundo, uma outra forma de viver.”
Essa dualidade também está presente na experiência de leitura de ficção climática, pois ela pode potencializar a chamada ansiedade climática ao mesmo tempo em que oferece uma maneira de compreendê-la. Para Ana, essa é uma das forças da literatura: “Ela pode, por um lado, aumentar sua sensação do que está acontecendo ou dar mais ferramentas para você ler algumas coisas que você não percebia; mas, ao mesmo tempo, também consegue trazer reflexão. Então, nesse aspecto, ela é igual ao horror. Por que as pessoas leem literatura de horror? Para dar mais ferramentas para o medo? Não. É para sentir medo, mas, ao mesmo tempo, porque tem uma outra forma de lidar com esse sentimento. Lembrando que o livro você sempre pode fechar, você não precisa ficar ali. Então a graça é que quando você provoca ansiedade climática, também traz uma camada de reflexão.”
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A literatura ecocrítica e o papel do escritor
Escrever sobre a crise climática é um desafio constante. A realidade muda tão rápido que até mesmo histórias escritas há poucos anos podem parecer desatualizadas. Para Ana, essa é uma das maiores dificuldades de quem aborda esse tema na literatura. “Eu fechei o original do meu romance há dois anos, e as coisas que estavam previstas lá, como ficção, hoje em dia já são mais do que realidade.”
Além da velocidade das mudanças, há a complexidade dos temas abordados. Clima, biodiversidade, geopolítica, história, sociologia, tecnologia, absolutamente tudo está interligado. Por isso, o trabalho coletivo se torna essencial entre escritores e pesquisadores, e um cuidado especial dos profissionais no processo de editoração para garantir precisão sem perder o envolvimento narrativo.
Isso porque na costura das palavras na narrativa é necessário inserir informações relevantes sem tornar o texto excessivamente didático ou pedante. Ana reforça essas importâncias diversas vezes, e conclui que: “Um pouco de fato científico tem que trazer, até para pontuar questões e fazer divulgação científica de qualidade. Esse também é um papel do escritor, de alguma maneira independente da área.”
Mas a literatura ecocrítica não é apenas um reflexo de teorias e estatísticas, ela nasce de experiências reais, de um olhar atento sobre as transformações do mundo. Para Ana, suas próprias vivências influenciam diretamente sua escrita. “Uma coisa que eu exploro muito são as mudanças específicas que o litoral norte do estado de São Paulo sofreu, porque foi uma região que eu conheci desde pequena. Eu vi aquilo mudar em uma velocidade muito grande.”
Esse vínculo com um território permite perceber a perda com mais nitidez, algo que, para ela, está no cerne da literatura ecológica. Entretanto, mesmo quando ela se desloca, essa sensação permanece. “Eu moro parte do tempo em Brasília, então o cerrado passou a ser um lugar que observo muito. Mas eu não consigo perceber a mudança da mesma forma, porque não cresci lá.” Para que a literatura capture essa transformação, é preciso intimidade com o ambiente descrito. Ana reflete: “Algo que aprendi com a poeta Marina Mara, é que o sol incide na pena.”
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Apoie e mergulhe em dois livros sobre ecocrítica
Com um tema tão político e necessário, a gente não só indica como incentiva a leitura de literatura ecocrítica. Ana Rüsche, nossa entrevistada, é autora de dois livros que exploram a crise climática, mas vão além: Filamentos e Quimeras de Agora da campanha Antropoceno disponível aqui, no Catarse, ajudam a entender como a literatura pode ser uma ferramenta para pensar o presente e imaginar futuros possíveis.
Para quem já acompanha o trabalho da Ana, esses livros aprofundam debates que ela vem trazendo há anos, com uma visão ainda mais afiada sobre os desafios do nosso tempo. Como ela mesma diz: “Os temas da ficção estão muito presentes no meu pensamento teórico, porque não tem como ser muito diferente, são duas manifestações de uma mesma cabeça.”
Se você está chegando agora tanto na temática quanto na escrita de Ana, essa campanha é uma ótima oportunidade para começar! Filamentos funciona quase como um guia para entender a literatura e a ecocrítica, enquanto Quimeras de Agora traz uma reflexão mais intensa sobre negacionismo, falsos consensos e a forma como imaginamos – ou não – o futuro. “São livros interessantes para ter na biblioteca, para conhecer. Porque o tema… infelizmente, não vai esfriar”, afirma Ana.
Não perca tempo, viu? A campanha está na reta final, então aproveite para apoiar! Além de garantir livros essenciais sobre ecocrítica, você contribui para ampliar o debate sobre a crise climática e o papel da literatura nesse cenário.
Filamentos: um espaço para debater ficção climática
Além de sua produção literária e acadêmica, Ana também faz parte do Filamentos, um grupo de estudos que há três anos reúne pesquisadores, escritores e leitores interessados em ficção climática e ecocrítica.
O grupo promove encontros mensais para discutir literatura, meio ambiente e como essas narrativas podem ajudar a pensar a crise climática de maneira mais profunda. Caso você tenha interesse no tema, pode participar dos encontros e ampliar esse debate!
Inclusive, um dos diferenciais do Filamentos é sua proposta inclusiva, oferecendo isenção para professores de qualquer nível educacional, tornando o debate acessível a quem está na linha de frente da educação e da difusão do conhecimento.
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