O corre coletivo que é fazer quadrinhos

Por anos vimos diversos estudiosos debaterem sobre O Culto ao Mito do Artista que, dentre algumas variantes, aborda a solidão do artista. Desde o período renascentista até abordagens mais atuais, como destaca o escritor Ricardo Silvestrin no blog Sler, esses aspectos sociais visam compreender como a pessoa enquanto artista se relaciona com seu público através de sua arte – independente de interpretações ou de “certo ou errado”, construindo uma atmosfera mística e incompreensível do criador. Essa é basicamente uma das formas de falar sobre a leitura que tenta a separação – ou não – do artista e sua obra.

Tempo para criar

Um ponto crucial na vida do artista é a prática criativa sobrecarregada pelo capitalismo, a obrigatoriedade de produzir incansavelmente, sem parar.

Primeiro pelo sustento, e segundo para chegar em mais pessoas. Para alguns, contar histórias só faz sentido quando se tem alguém para ouvi-las e, assim, serem passadas adiante.

O ponto desse debate é pensar sobre como para contar histórias num mundo capitalista, antes de qualquer coisa é preciso de TEMPO. Se formos ouvir a citação de Benjamin Franklin em 1748, no seu ensaio "Advice to a Young Tradesman" (Conselho para um Jovem Comerciante), de que “Tempo é dinheiro”, então podemos começar a discutir sobre a ideia de que não temos mais artistas por falta extrema de “tempo”, o que nos leva até o início desse texto: artistas são o que eles contam ou são o que conseguem contar com o tempo que lhes resta?

Como citou Malcolm X, “não existe capitalismo sem racismo”. Não podemos falar de arte sem falar da desigualdade e toda estrutura que define quem pode se dar ao luxo de viver de sua arte, e também em pensar sobre quem está com uma vida relativamente tranquila a ponto de quitar suas contas e se focar no seu fazer artístico.

O corre do fazer arte é coletivo

O movimento social moderno adotou o “crowdfunding” (financiamento coletivo) como método para contornar a desigualdade sistêmica e financiar projetos com o apoio de suas próprias comunidades. Mas essa é uma prática muito mais antiga, adotada por comunas e aldeias com a distribuição de recursos entre o povo para uma sociedade mais igualitária. Assim, conectamos também aos primórdios do meio artístico, como a oralidade passou para a escrita e a pintura, funcionando como moeda de troca e serviço prestado em prol da comunidade, estabelecendo valor à pessoa atrelado ao que ela produz, a relação de trabalhador como artista e sua obra se unem em prol do coletivo. 

Como a comunidade somou no corre em 2025 no Catarse

A Pesquisa Nacional Sobre Quadrinhos no Catarse, feita de forma independente e voluntária pelo Além dos Quadrinhos, levantou uma base sólida de informações muito importantes – e bastante otimistas – sobre a relação entre artistas e a frequência de projetos aludidas ao sucesso a longo prazo. Apesar de bastante ampla, não há recorte de gênero e raça dentre as estatísticas, então não podemos aferir uma efetividade hegemônica entre os dados. 

O que podemos destacar é que o financiamento coletivo possibilitou que artistas pudessem concretizar seus projetos e não só dominar o topo da lista de projetos mais apoiados, como Confinada, de Triscila Oliveira, uma mulher negra que venceu o 37º Prêmio HQMIXde melhor adaptação para quadrinhos com Quarto de Despejo, como também quebramos o jejum de 30 anos sem uma larga premiação para artistas do Norte. Onde Habita o Medo, da artista indígena e paraense Tai Silva, e do desenhista amazonense Nilberto Jorge, faturou 3 prêmios nesta edição da premiação: Novo Talento Roteirista, Melhor Publicação Única Independente e Melhor Aventura/Terror/Fantasia. 

Ver projetos apoiados coletivamente dentre os vencedores de um dos maiores prêmios dos quadrinhos nacionais, e os mais de 80 indicados que passaram pelo Catarse, devem nos fazer pensar sobre dar possibilidades de artistas conseguirem concretizar o que idealizam tendo visibilidade e público para que os leiam.

LEIA TAMBÉM: Como Amarelo Seletivo nasceu no Catarse e conquistou o Troféu HQMix, uma entrevista com Ricardo Tayra

O sucesso é relativo. Às vezes, imprimir seu material já é uma grande conquista, e bater a meta já significa muito, pois o medo de quem quer viver de sua arte é justamente esse: a solidão de quem faz tudo sozinho não conseguir emplacar seus projetos. O professor e artista Robson Moura arrecadou em 2024 um montante de R$ 6.890, cerca de 114% da meta original, para financiar o quadrinho Contos Negros. Em 2025, ele estava lá no HQMIX dentre os indicados na categoria Melhor Publicação de Aventura/Terror/Fantasia e Novo Talento: Desenhista por esta mesma obra, que nasceu graças a comunidade.

Vencer Prêmios não é a meta final de um artista.

Apesar do clima de conquista a euforia que rega a sensação de reconhecimento, muitos artistas tem como objetivo apenas expressar seus sentimentos e ter suas ideias abraçadas, seus materiais consumidos e um entendimento de que essa é sua forma de contribuir com a humanidade. As leis de incentivo à cultura, editais e projetos culturais, por vezes, passam batido pelo conhecimento popular. A burocracia pode ser um grande empecilho, por isso que a praticidade da rede de apoio popular que o financiamento coletivo propõe deve ser valorizada.

São as mãos da comunidade que viabilizam ideias, potencializam projetos, acolhem artistas e realizam sonhos. A troca começa muito antes da caneta tocar o papel, ou do olho absorver a arte – começa na segurança do artista em abrir sua mente e seu coração para expor o que sente e pensa a quem sempre esteve ali, incentivando um contador de histórias fazer o que sabe fazer de melhor: retribuir com um pedaço de si a quem soube esperar sua (p)arte. 

Manoel Taylor
Ilustrador, pesquisador e criador de conteúdo que aborda estudos socioculturais nos quadrinhos e mangás.

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O corre coletivo que é fazer quadrinhos

Por anos vimos diversos estudiosos debaterem sobre O Culto ao Mito do Artista que, dentre algumas variantes, aborda a solidão do artista. Desde o período renascentista até abordagens mais atuais, como destaca o escritor Ricardo Silvestrin no blog Sler, esses aspectos sociais visam compreender como a pessoa enquanto artista se relaciona com seu público através de sua arte – independente de interpretações ou de “certo ou errado”, construindo uma atmosfera mística e incompreensível do criador. Essa é basicamente uma das formas de falar sobre a leitura que tenta a separação – ou não – do artista e sua obra.

Tempo para criar

Um ponto crucial na vida do artista é a prática criativa sobrecarregada pelo capitalismo, a obrigatoriedade de produzir incansavelmente, sem parar.

Primeiro pelo sustento, e segundo para chegar em mais pessoas. Para alguns, contar histórias só faz sentido quando se tem alguém para ouvi-las e, assim, serem passadas adiante.

O ponto desse debate é pensar sobre como para contar histórias num mundo capitalista, antes de qualquer coisa é preciso de TEMPO. Se formos ouvir a citação de Benjamin Franklin em 1748, no seu ensaio "Advice to a Young Tradesman" (Conselho para um Jovem Comerciante), de que “Tempo é dinheiro”, então podemos começar a discutir sobre a ideia de que não temos mais artistas por falta extrema de “tempo”, o que nos leva até o início desse texto: artistas são o que eles contam ou são o que conseguem contar com o tempo que lhes resta?

Como citou Malcolm X, “não existe capitalismo sem racismo”. Não podemos falar de arte sem falar da desigualdade e toda estrutura que define quem pode se dar ao luxo de viver de sua arte, e também em pensar sobre quem está com uma vida relativamente tranquila a ponto de quitar suas contas e se focar no seu fazer artístico.

O corre do fazer arte é coletivo

O movimento social moderno adotou o “crowdfunding” (financiamento coletivo) como método para contornar a desigualdade sistêmica e financiar projetos com o apoio de suas próprias comunidades. Mas essa é uma prática muito mais antiga, adotada por comunas e aldeias com a distribuição de recursos entre o povo para uma sociedade mais igualitária. Assim, conectamos também aos primórdios do meio artístico, como a oralidade passou para a escrita e a pintura, funcionando como moeda de troca e serviço prestado em prol da comunidade, estabelecendo valor à pessoa atrelado ao que ela produz, a relação de trabalhador como artista e sua obra se unem em prol do coletivo. 

Como a comunidade somou no corre em 2025 no Catarse

A Pesquisa Nacional Sobre Quadrinhos no Catarse, feita de forma independente e voluntária pelo Além dos Quadrinhos, levantou uma base sólida de informações muito importantes – e bastante otimistas – sobre a relação entre artistas e a frequência de projetos aludidas ao sucesso a longo prazo. Apesar de bastante ampla, não há recorte de gênero e raça dentre as estatísticas, então não podemos aferir uma efetividade hegemônica entre os dados. 

O que podemos destacar é que o financiamento coletivo possibilitou que artistas pudessem concretizar seus projetos e não só dominar o topo da lista de projetos mais apoiados, como Confinada, de Triscila Oliveira, uma mulher negra que venceu o 37º Prêmio HQMIXde melhor adaptação para quadrinhos com Quarto de Despejo, como também quebramos o jejum de 30 anos sem uma larga premiação para artistas do Norte. Onde Habita o Medo, da artista indígena e paraense Tai Silva, e do desenhista amazonense Nilberto Jorge, faturou 3 prêmios nesta edição da premiação: Novo Talento Roteirista, Melhor Publicação Única Independente e Melhor Aventura/Terror/Fantasia. 

Ver projetos apoiados coletivamente dentre os vencedores de um dos maiores prêmios dos quadrinhos nacionais, e os mais de 80 indicados que passaram pelo Catarse, devem nos fazer pensar sobre dar possibilidades de artistas conseguirem concretizar o que idealizam tendo visibilidade e público para que os leiam.

LEIA TAMBÉM: Como Amarelo Seletivo nasceu no Catarse e conquistou o Troféu HQMix, uma entrevista com Ricardo Tayra

O sucesso é relativo. Às vezes, imprimir seu material já é uma grande conquista, e bater a meta já significa muito, pois o medo de quem quer viver de sua arte é justamente esse: a solidão de quem faz tudo sozinho não conseguir emplacar seus projetos. O professor e artista Robson Moura arrecadou em 2024 um montante de R$ 6.890, cerca de 114% da meta original, para financiar o quadrinho Contos Negros. Em 2025, ele estava lá no HQMIX dentre os indicados na categoria Melhor Publicação de Aventura/Terror/Fantasia e Novo Talento: Desenhista por esta mesma obra, que nasceu graças a comunidade.

Vencer Prêmios não é a meta final de um artista.

Apesar do clima de conquista a euforia que rega a sensação de reconhecimento, muitos artistas tem como objetivo apenas expressar seus sentimentos e ter suas ideias abraçadas, seus materiais consumidos e um entendimento de que essa é sua forma de contribuir com a humanidade. As leis de incentivo à cultura, editais e projetos culturais, por vezes, passam batido pelo conhecimento popular. A burocracia pode ser um grande empecilho, por isso que a praticidade da rede de apoio popular que o financiamento coletivo propõe deve ser valorizada.

São as mãos da comunidade que viabilizam ideias, potencializam projetos, acolhem artistas e realizam sonhos. A troca começa muito antes da caneta tocar o papel, ou do olho absorver a arte – começa na segurança do artista em abrir sua mente e seu coração para expor o que sente e pensa a quem sempre esteve ali, incentivando um contador de histórias fazer o que sabe fazer de melhor: retribuir com um pedaço de si a quem soube esperar sua (p)arte. 

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