Por Luiza Bodenmüller, da Agência Pública
Há duas semanas a Agência Pública lançou um projeto no Catarse . O objetivo é financiar coletivamente reportagens investigativas que tragam ao público verdades escondidas sobre o Brasil. O “Reportagem Pública” é transformador, pois dá ao público o poder de decidir aquilo que ele quer ler. O esquema é simples: o repórter propõe sua investigação ao público e todas as pessoas que apoiarem o projeto no Catarse vão poder escolher quais reportagens devem ser realizadas.
A Pública foge dos modelos convencionais do jornalismo online. No nosso site você não vai encontrar notícias, artigos de opinião ou fofocas sobre celebridades, mas apenas reportagens longas e autorais, com um cuidado na apuração e apresentação das informações. A Pública foi o primeiro veículo a cobrir as violações de direitos humanos no Brasil por conta dos megaeventos, como a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O blog Copa Pública é uma experiência de jornalismo cidadão, que trouxe à tona temas geralmente ignorados pela mídia tradicional. Além disso, projetos como o Futuro da Amazônia e o Amazônia Pública também levantaram questões ignoradas, como o mau uso de verbas para educação no Pará e os efeitos sociais e ambientais das grandes obras desenvolvimentistas nos rios Madeira e Tapajós e na região de Carajás.
O grande trunfo da Pública é a rede de leitores e republicadores que conseguimos formar ao longo de quase três anos de existência. Tudo o que é publicado por nós é feito sob licença creative commons, para que o conteúdo seja espalhado pela rede, tanto em grandes portais como o Yahoo e Terra, como em perfis no Facebook.
O crowdfunding no Catarse vem justamente no momento em que o público quer mais, e nós também: queremos mais repórteres nas ruas fazendo o que gostam, queremos mais informação de qualidade e menos enrolação, queremos mais verdades sobre o Brasil, queremos mais denúncias que têm que ser feitas. O nosso objetivo é aumentar a rede de produção de jornalismo investigativo e fortalecer a estimular o trabalho de excelentes jornalistas em todos os cantos do país.
A ideia do crowdfunding surgiu há tempos, inspirada por iniciativas de sucesso mundo afora, onde a prática do público financiar reportagens e repórteres, de acordo com o interesse da maioria, está se naturalizando cada vez mais. Além disso, centros de jornalismo investigativo, como o ProPublica também já utilizaram o financiamento coletivo como ferramenta para fomentar a produção de reportagens de qualidade.
O sucesso da campanha do ProPublica começou com uma simples pergunta “Qual é a sua história de estágio?”. Em um mês a meta de US$ 22 mil foi alcançada e permitiu o início da investigação: durante 16 semanas o ProPublica vai percorrer campi de diversas universidades americanas para pesquisar sobre o tema e desenvolver a reportagem.
Outro caso muito interessante é a parceria da Freedom of the Press Foundation com a repórter Alexa O’Brien. Após uma campanha de financiamento coletivo, foi possível custear todo o trabalho de transcrição das audiências de julgamento de Bradley Manning, soldado norte-americano condenado a 35 anos de detenção por vazar documentos secretos ao WikiLeaks. Essa iniciativa permitiu o registro de um caso histórico já que não foi feita nenhuma transcrição oficial do julgamento de Manning.
No Brasil, ainda há poucas iniciativas nesse sentido. Recentemente, a ONG Repórter Brasil lançou o projeto Arquitetura da Gentrificação, aqui mesmo no Catarse, que arrecadou mais de R$ 20 mil para investigar e mapear a expulsão de moradores pobres de áreas centrais da cidade de São Paulo. O Viomundo, site de jornalismo independente, também lançou uma campanha convidando os leitores a patrocinarem a realização de cinco pautas. Até agora o site já arrecadou mais de R$17 mil reais. Além disso, entre os cinco maiores projetos da história do Catarse estão dois documentários que investigaram temas de interesse público. Belo Monte - Anúncio de uma Guerra se debruçou sobre a construção da polêmica hidroelétrica no rio Xingu, e Domínio Público foi atrás dos bilhões de reais investidos no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro, para a Copa do Mundo e as Olímpiadas.
São iniciativas independentes, ou seja, não se subordinam a corporações ou governos para se manter no ar. A Pública acredita que a independência é o caminho para levar ao leitor informações de qualidade, em busca de justiça, a versão mais próxima da verdade, e, por isso, o crowdfunding é o caminho mais coerente para manter essa postura. O público, mais do que ninguém, é capaz de ajudar a conservar a independência de um veículo.
Durante todo o processo de apuração da pauta os apoiadores acompanharão alguns passos da reportagem , com informações disponibilizadas pelo repórter, e poderão se oferecer para colaborar e ajudar, se quiserem. E, no final, a Pública promoverá um bate-papo com os repórteres contando como foi a sua experiência. Além de convidar o público a se envolver com o projeto, do início ao fim, da arrecadação à escolha das reportagens que serão publicadas, o Reportagem Pública também faz um chamado aos repórteres: compartilhem suas pautas com o público.
Estamos à procura de boas histórias que ainda não foram contadas (link form), daquilo que, por algum motivo, passou batido, ficou invisível e ignorado. Há um mundo quase que infinito de pautas que ainda esperam por um repórter para adotá-las. Há um grande número de repórteres que ainda esperam por uma oportunidade de colocar seu sonho em prática. Para ambos, o momento é agora.
Conheça o projeto. Se puder, colabore e ajude a espalhá-lo.
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