O primeiro muro!!!!

Poderia dizer que por 9 dias tínhamos duas moradias. Aqui, em Lajpat Nagar, e em Hailey Road, em frente ao Agrasen Ki Baoli. Este monumento, que hoje é lugar de diversos casais irem para curtir a tarde juntos, era um reservatório de água. Ele é gigante, com uma escadaria que te leva até um local escuro, onde vivem diversos morcegos. O primeiro contato foi este: que local é este…? Incrível!

O primeiro dia de pintura foi assim, aos poucos. Chegamos de mansinho, dando oi aos “habitantes”: o vendedor de água, o de sorvete, as pessoas que trabalhavam no Baoli. Para quem simplesmente sempre estava lá, como, por exemplo, um senhor tibetano e um senhor indiano. Este, muito simpático sempre falando em hindi conosco, com uma expressão de gratidão. Era bom quando ele estava por lá. O tibetano era mais quietinho. Chegava, parava. Colocava a mão em seu queixo, e lá ficava. Mirando. E nós? Imaginando o que ele estava pensando…surpreso, com certeza estava. Todos estavam.  A arte urbana, principalmente o grafite, não é comum em Delhi. Segundo muitas pessoas que passavam por lá, até proibido era. “Como vocês conseguiram autorização?”, “Isso é legal?”, “Qual o objetivo?” Essas eram umas das muitas perguntas que todo dia soavam por lá! Alguns com contentes olhares e de certa forma esperançosos, de que eles poderiam também manifestar sua arte na rua, caso  fossem atrás de uma autorização. Outros de susto, não acreditavam naquilo. Olhavam, faziam ligações, e até pediam para ver a autorização. É, de tudo aconteceu, como sempre é por aqui. Sempre muita informação e dos diversos tipos, nada é antagônico, 1 ou 2. Aqui 2+2 é =5 (como já diria Caetano e até Radiohead).

Bom, esta onda de questionamentos não ficou só lá pelo muro. Chegou a outros lugares..ou melhor…pessoas. Os policias. No total, foram 7. Passavam, paravam, olhavam. Chamavam alguém, conversavam. E então, vinham falar conosco. Mostrando a autorização do dono do muro e da Embaixada do Brasil – que apoia o projeto – voltavam para suas respectivas motocas e iam embora (entendendo é nada, mas iam!).

O tio da água foi um personagem muito importante desta nossa casa ao ar livre. No primeiro dia mal saia atrás de seu carrinho. Nos seguintes, tentávamos falar algo em inglês com ele, para saber sobre o monumento, ou simplesmente se aproximar. Antes que terminássemos de falar ele já dizia: no english. Ok, nossa relação se baseou nos primeiros dias em apenas comprar um líquido para saciar nossa sede. No meio do período ele já começou a interagir, de uma maneira bem discreta, poderia dizer. Chegava e oferecia um banco, depois se colocava à disposição para guardar o equipamento, chegava com uma água sem pedirmos. Claro que notamos a aproximação, assim fomos levando. Até que, no penúltimo dia – com a parede praticamente pronta – ele resolveu nos acompanhar até a avenida na hora de ir embora. Neste percurso fomos conversando, nós em português, ele em hindi. Ele perguntava, nós respondíamos e assim foi, um diálogo mesmo. A fala, B responde. Em duas línguas diferentes. E muito entendimento, incrível. Foi aí que fomos pegos de surpresa, ele nos levou até o carrinho da esquina e ofereceu um Chai. Brindamos, conversamos,  nos apresentou os seus amigos e abraço pra cá e pra lá. Foram só sorrisos. Ele estava feliz da vida, e triste de que íamos embora. Naquele momento bateu a mesma sensação em nós. Não teríamos mais uma rotina por ali. Mas tudo bem, vamos construir outras, na redondeza das outras paredes. Mas, teremos que voltar para saudar a vizinhança e presentear ele com uma foto (no último dia ele até pose já fazia em frente à parede).

O garoto do sorvete já sabia o que dizer ao nos avistar.  Vinha e falava que tinha o sorvete de café com chocolate. Mesmo quando não estávamos com vontade de comer, comprávamos. Era tão atencioso da parte dele vim nos avisar que naquele dia tinha o sorvete que gostávamos, era impossível negar.

O que era muito interessante, e que não compreendemos até agora, era o pessoal do Baoli. Eram em 3, ou 4, ou 5. Eram alguns que lá trabalhavam, ou não. O que entendemos é que eles sempre estavam por lá. Entre eles, conversando em roda, e até já explicando pra quem chegasse o que estava acontecendo por lá. Ah claro, no último dia pediram nosso telefone para mantermos contato. Por sinal, ligaram ontem apenas para perguntar o que estávamos fazendo e se estava tudo bem.

Todo mundo que chegava ao Baoli levava um susto. De repente uma parede colorida. E assim foram muitos. Pessoas que paravam e faziam pose para foto, outros que perguntavam se podiam ajudar de alguma forma, casais abraçados apenas olhando, meninas que pararam com seus cadernos e ficaram desenhando lá em frente, ou seja, muita troca e um novo cenário.

Outras pessoas que se mostraram próximas de nós foram os moradores de lá. As casinhas ficavam na rua do Baoli, uns metros adiante. Uma ruela cheia de varais, e foi por este motivo que ficamos um dia lá. Sentadas, observando o vai e vem das pessoas, o tira e coloca de roupas. Logo chegaram algumas pessoas. “ vocês são as gringas que estão pintando aqui!” rapidamente sacaram um caderninho e pediram autógrafo. Nós não entendemos nada…- Você quer saber o site do projeto? – Não, não! Assine apenas! E um sorriso. Papo vai e papo foi. Contaram-nos histórias sobre o passado do Baoli e um deles nos convidou para entrar em sua casa. Sua casa na verdade era uma vilinha, um jardim e 3 portas; em cada porta, uma família. Demos oi para todos, trocamos aquela ideia profunda com o papagaio, chamando-o de loro-oi-loro, e nos fomos, com a certeza de que aquele lugar estava repleto de confiança e harmonia entre todos, mesmo fazendo algo que eles não estão acostumados – pintando uma parede na rua.

O que ficou destes 9 dias, além da primeira parede do projeto, foi esta sensação de estar num ambiente de harmonia e confiança, consequência da boa intenção de todos envolvidos. Não precisava falar a mesma língua, significar da mesma maneira os signos culturais; bastava estar compartilhando uma boa energia! E que esta energia continue por lá, com o muro representando esse dendê de masala que foram estes dias.

por Amanda Sérvulo, do time do  Brinda Project

O Brinda Project passou pelo Catarse e começou a alçar seu voo. Para conhecer a página da campanha do projeto aqui por essas bandas, dá um confere aqui!
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O primeiro muro!!!!

Poderia dizer que por 9 dias tínhamos duas moradias. Aqui, em Lajpat Nagar, e em Hailey Road, em frente ao Agrasen Ki Baoli. Este monumento, que hoje é lugar de diversos casais irem para curtir a tarde juntos, era um reservatório de água. Ele é gigante, com uma escadaria que te leva até um local escuro, onde vivem diversos morcegos. O primeiro contato foi este: que local é este…? Incrível!

O primeiro dia de pintura foi assim, aos poucos. Chegamos de mansinho, dando oi aos “habitantes”: o vendedor de água, o de sorvete, as pessoas que trabalhavam no Baoli. Para quem simplesmente sempre estava lá, como, por exemplo, um senhor tibetano e um senhor indiano. Este, muito simpático sempre falando em hindi conosco, com uma expressão de gratidão. Era bom quando ele estava por lá. O tibetano era mais quietinho. Chegava, parava. Colocava a mão em seu queixo, e lá ficava. Mirando. E nós? Imaginando o que ele estava pensando…surpreso, com certeza estava. Todos estavam.  A arte urbana, principalmente o grafite, não é comum em Delhi. Segundo muitas pessoas que passavam por lá, até proibido era. “Como vocês conseguiram autorização?”, “Isso é legal?”, “Qual o objetivo?” Essas eram umas das muitas perguntas que todo dia soavam por lá! Alguns com contentes olhares e de certa forma esperançosos, de que eles poderiam também manifestar sua arte na rua, caso  fossem atrás de uma autorização. Outros de susto, não acreditavam naquilo. Olhavam, faziam ligações, e até pediam para ver a autorização. É, de tudo aconteceu, como sempre é por aqui. Sempre muita informação e dos diversos tipos, nada é antagônico, 1 ou 2. Aqui 2+2 é =5 (como já diria Caetano e até Radiohead).

Bom, esta onda de questionamentos não ficou só lá pelo muro. Chegou a outros lugares..ou melhor…pessoas. Os policias. No total, foram 7. Passavam, paravam, olhavam. Chamavam alguém, conversavam. E então, vinham falar conosco. Mostrando a autorização do dono do muro e da Embaixada do Brasil – que apoia o projeto – voltavam para suas respectivas motocas e iam embora (entendendo é nada, mas iam!).

O tio da água foi um personagem muito importante desta nossa casa ao ar livre. No primeiro dia mal saia atrás de seu carrinho. Nos seguintes, tentávamos falar algo em inglês com ele, para saber sobre o monumento, ou simplesmente se aproximar. Antes que terminássemos de falar ele já dizia: no english. Ok, nossa relação se baseou nos primeiros dias em apenas comprar um líquido para saciar nossa sede. No meio do período ele já começou a interagir, de uma maneira bem discreta, poderia dizer. Chegava e oferecia um banco, depois se colocava à disposição para guardar o equipamento, chegava com uma água sem pedirmos. Claro que notamos a aproximação, assim fomos levando. Até que, no penúltimo dia – com a parede praticamente pronta – ele resolveu nos acompanhar até a avenida na hora de ir embora. Neste percurso fomos conversando, nós em português, ele em hindi. Ele perguntava, nós respondíamos e assim foi, um diálogo mesmo. A fala, B responde. Em duas línguas diferentes. E muito entendimento, incrível. Foi aí que fomos pegos de surpresa, ele nos levou até o carrinho da esquina e ofereceu um Chai. Brindamos, conversamos,  nos apresentou os seus amigos e abraço pra cá e pra lá. Foram só sorrisos. Ele estava feliz da vida, e triste de que íamos embora. Naquele momento bateu a mesma sensação em nós. Não teríamos mais uma rotina por ali. Mas tudo bem, vamos construir outras, na redondeza das outras paredes. Mas, teremos que voltar para saudar a vizinhança e presentear ele com uma foto (no último dia ele até pose já fazia em frente à parede).

O garoto do sorvete já sabia o que dizer ao nos avistar.  Vinha e falava que tinha o sorvete de café com chocolate. Mesmo quando não estávamos com vontade de comer, comprávamos. Era tão atencioso da parte dele vim nos avisar que naquele dia tinha o sorvete que gostávamos, era impossível negar.

O que era muito interessante, e que não compreendemos até agora, era o pessoal do Baoli. Eram em 3, ou 4, ou 5. Eram alguns que lá trabalhavam, ou não. O que entendemos é que eles sempre estavam por lá. Entre eles, conversando em roda, e até já explicando pra quem chegasse o que estava acontecendo por lá. Ah claro, no último dia pediram nosso telefone para mantermos contato. Por sinal, ligaram ontem apenas para perguntar o que estávamos fazendo e se estava tudo bem.

Todo mundo que chegava ao Baoli levava um susto. De repente uma parede colorida. E assim foram muitos. Pessoas que paravam e faziam pose para foto, outros que perguntavam se podiam ajudar de alguma forma, casais abraçados apenas olhando, meninas que pararam com seus cadernos e ficaram desenhando lá em frente, ou seja, muita troca e um novo cenário.

Outras pessoas que se mostraram próximas de nós foram os moradores de lá. As casinhas ficavam na rua do Baoli, uns metros adiante. Uma ruela cheia de varais, e foi por este motivo que ficamos um dia lá. Sentadas, observando o vai e vem das pessoas, o tira e coloca de roupas. Logo chegaram algumas pessoas. “ vocês são as gringas que estão pintando aqui!” rapidamente sacaram um caderninho e pediram autógrafo. Nós não entendemos nada…- Você quer saber o site do projeto? – Não, não! Assine apenas! E um sorriso. Papo vai e papo foi. Contaram-nos histórias sobre o passado do Baoli e um deles nos convidou para entrar em sua casa. Sua casa na verdade era uma vilinha, um jardim e 3 portas; em cada porta, uma família. Demos oi para todos, trocamos aquela ideia profunda com o papagaio, chamando-o de loro-oi-loro, e nos fomos, com a certeza de que aquele lugar estava repleto de confiança e harmonia entre todos, mesmo fazendo algo que eles não estão acostumados – pintando uma parede na rua.

O que ficou destes 9 dias, além da primeira parede do projeto, foi esta sensação de estar num ambiente de harmonia e confiança, consequência da boa intenção de todos envolvidos. Não precisava falar a mesma língua, significar da mesma maneira os signos culturais; bastava estar compartilhando uma boa energia! E que esta energia continue por lá, com o muro representando esse dendê de masala que foram estes dias.

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