O 1º quadrinho do Catarse! Bate-papo com Eduardo Damasceno

Você lembra dos principais acontecimentos que rolaram na sua vida em 2011? Para nós do Catarse, este ano não apenas marca, literalmente, o começo de tudo – o surgimento da plataforma–, como também é o ponto de partida para uma relação extraordinária entre o financiamento coletivo brasileiro e a produção nacional de quadrinhos independentes. No dia 11 de agosto, a campanha da HQ Achados e Perdidos, dos quadrinistas mineiros Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho, entrava no ar para, dois meses depois, tornar-se o primeiro quadrinho financiado via crowdfunding no país, com R$ 30.299 arrecadados por meio de 520 apoiadores. Histórico.

Você lembra dos principais acontecimentos que rolaram na sua vida em 2011? Para nós do Catarse, este ano não apenas marca, literalmente, o começo de tudo – o surgimento da plataforma–, como também é o ponto de partida para uma relação extraordinária entre o financiamento coletivo brasileiro e a produção nacional de quadrinhos independentes. No dia 11 de agosto, a campanha da HQ Achados e Perdidos, dos quadrinistas mineiros Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho, entrava no ar para, dois meses depois, tornar-se o primeiro quadrinho financiado via crowdfunding no país, com R$ 30.299 arrecadados por meio de 520 apoiadores. Histórico.

A partir dali o modelo se popularizou, evoluiu, milhares de quadrinhos foram financiados e a obra sobre a jornada do garoto com um buraco negro na barriga ganhou status de icônica. E é. Pois além de ser considerada uma das 10 HQs brasileiras que marcaram a década, também ganhando o Troféu HQ MIX na categoria Homenagem Especial, ela é a pedra angular para entendermos os principais traços que regem o financiamento coletivo junto aos quadrinhos independentes até hoje.

Por isso convidamos Eduardo Damasceno para um papo. Uma conversa sobre sua relação com o desenho, os bastidores da campanha e o seu significado para a carreira de um artista. E longe de querer construir a imagem de uma campanha perfeita, Damasceno nos dá um presente ao narrar uma jornada que, entre erros, acertos e um pouco de sorte, resgata com fidelidade um momento importante de nossa história. E da sua também. Esperamos que curta:

Artes de Damasceno, há anos um dos nomes mais conhecidos do mercado BR de quadrinhos (reprodução)

 

Partindo da origem de tudo, como começou a sua relação com os quadrinhos?

Sou o mais novo de três irmãos e eles já liam muito quadrinho quando nasci, principalmente Marvel e DC. Então passei a ler já bem novo. Turma da Mônica, depois Marvel e DC como meus irmãos, Image [Comics] nos anos 1990... Pelo menos na minha geração, porque depois passaram a pular direto para o mangá. Mas fiquei muito “mangazeiro” na adolescência, lendo trabalhos do gênero por um longo tempo. Já com uns 18, 19 anos, descobri outros quadrinhos, europeus basicamente. Foi quando minha cabeça abriu e parei de dividir HQs em categoria se passei a ler qualquer gênero.

"[O desenho] é algo essencial na minha vida. Uma coisa muito importante na minha relação com o mundo e na forma como me comunico com ele."

 

E como foi o processo de se descobrir quadrinista?

Comecei a desenhar muito por causa do mangá. Quando eu era bem novo, fazia histórias longas de, sei lá, 60 páginas. Pegava várias folhas, dobrava e fazia uns bonecos de palitinho dos Cavaleiros do Zodíaco. Tempo depois, quando me mudei de Formiga para Belo Horizonte, passei a estudar desenho um pouco mais, entrando na Casa dos Quadrinhos, uma escola de desenho. Eu gostava muito de desenhar, mas sentia que dependia de inspiração para isso e eu achava ruim. Pensei que era melhor entrar em uma escola porque aprenderia a técnica e não precisaria mais depender disso. Uma mentira, como aquela que contamos pra nós mesmos ao longo da vida. Mas foi legal estudar porque foi a primeira vez que tive grande contato com pessoas que também desenhavam e gostavam disso. Aí passei a desenhar mais e, por volta de 2002, comecei a pegar os primeiros trabalhos de ilustração. Até lembro que na época eu desenhava no mouse porque não tinha tablet... Não recomendo... [risos] Desde então minha relação com o desenho mudou e evoluiu bastante. É algo essencial na minha vida. Uma coisa muito importante na minha relação com o mundo e na forma como me comunico com ele.

E como aconteceu a criação do site Quadrinhos Rasos?

Em 2007, o Luis Felipe [Garrocho] e eu entramos em um concurso de mangá, ficando entre os finalistas. Ali falamos, “legal, rola a gente fazer quadrinho!”. Mas só anos depois, em 2010, lançamos o Quadrinhos Rasos, local em que produzíamos narrativas a partir de músicas. E um anos depois, começamos Achados e Perdidos.

O site Quadrinhos Rasos apresentava narrativas gráficas inspiradas em músicas (Reprodução)

 

Levando, tempo depois, à criação da campanha no Catarse.

O que aconteceu é que sempre me interessei muito por pesquisar outras formas de interação social ou de interação com o mundo que não envolvam capitalismo, como softwares livres. E o Kickstarter [plataforma de crowdfunding estadunidense fundada em 2009] parecia ser uma coisa muito interessante quando surgiu. E eu achava legal, mas a gente não tinha a visão de publicar algo porque ainda não tínhamos nada, só dívida. [risos] Aí em 2011 fomos chamados para fazer uma exposição do Quadrinhos Rasos no FIQ [Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte]. A partir disso pensamos que talvez desse pra fazer um quadrinho, e Achados e Perdidos já era uma ideia que existia desde 2007. Inclusive, chegamos a enviar o projeto para a gringa, mas sem nenhum retorno. Então, antes do FIQ, anunciamos que além da exposição, a gente também lançaria um quadrinho no evento. Não tinha nada pronto, só meio quadrinho. Mas como a gente prometeu, tínhamos que fazer. [risos]

"Como eu já conhecia o Kickstarter, vi o Catarse surgir. Então conversei com os dois e falei: 'vamos tentar isso porque a gente não tem nada'."

 

E o caminho encontrado foi o financiamento coletivo?

A gente não tinha dinheiro ou a menor chance de bancar a produção. A ideia que tivemos foi chamar mais uma pessoa pra participar da coisa toda, que foi o [Bruno] Ito para a composição das músicas. Mais uma pessoa que também não tinha dinheiro. [risos] Mas como eu já conhecia o Kickstarter, vi o Catarse surgir. Então conversei com os dois e falei: “vamos tentar isso porque a gente não tem nada”. Até olhamos referências no Kickstarter antes, mas sendo bem honesto, não pesquisamos muito. Então começamos: “quanto dinheiro pedimos? Não sei. Vamos ver quanto custa”. Fiz o orçamento na gráfica e deu R$ 25 mil. Pensamos que nunca daria. Mas mesmo assim colocamos o valor como meta. Nem mesmo consideramos os gastos com os Correios ou com a produção das outras recompensas. Bottom, adesivo, cachorro de pelúcia... Não pensamos em nada. Mas deu tudo certo porque quem tem amigo tem tudo. Foi um deles, que na época trabalhava com design, que ajudou a gente com todas as recompensas. Fez tudo, o design de todas as coisas, além de orientar sobre onde produzir o material do jeito mais barato possível.

Fora isso, no fim a campanha também ultrapassou a própria meta inicial, certo?

Sim! A gente conseguiu R$ 30 mil. Inclusive também usamos o dinheiro para lançar outro quadrinho do Lipão [Luis Felipe Garrocho]. Mas como disse, não foi nada calculado. Tanto que no fim acabamos ficando no zero a zero. Sem falar no susto com o preço dos Correios: quase R$ 3 mil, acho, para o envio de livros com quase um quilo. A sorte é que o pessoal da gráfica foi legal e imprimiram o quadrinho por R$ 18 mil. Bem massa darem o desconto.

Página da campanha de "Achados e Perdidos" no Catarse (Reprodução)

E como foi a experiência junto aos apoiadores durante a campanha? As atuais redes sociais ainda estavam em formação ou nem existiam. Naquela época vocês conseguiram manter contato com a comunidade?

A gente tinha o público do site, então a divulgação da campanha ocorria por lá. Até rolou divulgação da Pitty no Twitter a partir de uma brincadeira nossa pedindo, mas não foi uma estratégia de marketing. Ficamos com vontade de fazer piada. Foi uma série de ajudas inesperadas mesmo. Mas o fator novidade também influenciou bastante, porque mesmo sem enviar release, os jornais de Belo Horizonte começaram a procurar agente pra conversar. Até programa de rádio convidou a gente! E foi muito legal o processo de interagir com as pessoas nos comentários do site e ver a reação de todos, principalmente a partir da publicação na íntegra do primeiro capítulo da HQ. Isso porque as redes sociais ainda não estavam bem desenvolvidas. Os algoritmos ainda não estavam tão eficientes em controlar o que a gente fazia. Então me deixa muito feliz pensar que, mesmo considerando como as pessoas tinham mais livre-arbítrio do que elas têm hoje, ainda apoiaram o projeto. E não foi porque apareceu como recomendação pra elas. Elas acompanhavam o site ou alguém que conheciam falou diretamente. Até hoje foi o processo mais legal de publicação que a gente teve.

 

Teve algo que você não curtiu no processo?

Para ser honesto, não. A gente só não voltou a fazer porque começaram a entrar outras questões que aí já não me interessavam muito. Estratégia de marketing, planejamento de gestão... É como as coisas funcionam pra todo mundo, mas não tem a ver com como eu gostaria de fazer as coisas. Eu gostava daquele começo da gente colocando as coisas e testando. Curto muito ser cobaia das coisas, principalmente quando vejo que tem potencial de ser uma coisa boa. E eu sentia que o Catarse tinha um potencial muito grande para ser algo bom, sendo pra nós um momento muito feliz, onde as coisas se alinharam. O engraçado é que a plataforma evoluiu e agora tem várias ferramentas disponíveis para quem faz as campanhas. E eu apanhando anos atrás, não conseguindo nem colocar uma imagem direito no negócio. Mas a ferramenta funcionava, eu que não sabia operar ainda. [risos]

Damasceno e Garrocho recebem o Troféu HQMIX por Achados e Perdidos (Divulgação)

 

O projeto influenciou de alguma maneira a forma como você entende a produção de quadrinhos independentes no Brasil?

Ele tornou mais tangível a possibilidade de publicação. Pois na hora que conseguimos publicar Achados e Perdidos, deixou de ser um sonho em que a gente precisava de muito dinheiro para publicar por conta própria ou ter uma editora. Naquele momento isso deixou de ser um problema, porque mesmo que sem dinheiro ou editora, ainda existia uma possibilidade para tentar. E foi a partir desse cenário que a gente decidiu que iria fazer quadrinho. Tanto que larguei meu emprego na Casa dos Quadrinhos no meio da produção do Achados e Perdidos. “Agora só quero fazer isso”, falei na época.

"Porque quando você começa a tentar fazer uma coisa e ela dá certo de algum jeito, tem que continuar fazendo aquilo."

Por fim, o que essa campanha representou na sua carreira como artista?

A publicação da HQ foi um segundo passo depois de Quadrinhos Rasos, sendo ainda mais difícil que o anterior. Porque quando você começa a tentar fazer uma coisa e ela dá certo de algum jeito, tem que continuar fazendo aquilo. Não sei se dá pra comparar, mas é como a necessidade de fazer um segundo disco em razão do sucesso do primeiro. Achados e Perdidos foi meio isso. Tava meio que dando certo, mas o que a gente faz com isso agora? Ele mostrou que a gente era quadrinista mesmo. Me mostrou porque consegui desenhar 220 páginas em seis meses. Desenhar, colorir, colocar texto, diagramar e tudo mais. Uma coisa que hoje não conseguiria fazer de jeito nenhum porque é muita coisa. Mas ver o processo funcionando no Catarse, como as pessoas estavam empolgadas, que aquilo parecia que ia acontecer mesmo, me colocou em um estado de espírito muito legal. Eu acordava animado pra desenhar e fazer aquilo, o que não é comum. Minha relação com o desenho é muito importante, mas também problemática. Então enquanto na época do Quadrinhos Rasos era só divertido, em Achados e Perdidos eu também tinha o senso de responsabilidade, porque eu tinha a responsabilidade de entregar aquilo. Não falo que ajudou a consolidar porque ainda é muito cedo, mas foi o primeiro bloco da base que estávamos construindo como quadrinistas.

Quadro de Achados e Perdidos (Reprodução)

E aí, curtiu a conversa? Se quer saber mais sobre o legado iniciado por Damasceno e Garrocho, clique aqui e tenha acesso aos projetos de quadrinhos em financiamento ou já financiados no Catarse. Ah, cuidado pois vicia :)

Mas se você se inspirou na jornada da dupla ao lado de Bruno Ito para o lançamento de Achados e Perdidos, basta clicar aqui para conferir uma série de materiais incríveis sobre como planejar bem a sua própria campanha de financiamento coletivo. Seja para um quadrinho ou qualquer outro projeto criativo. O que importa é tirar a sua ideia do papel. Ou como no caso de Damasceno, colocá-la.

Leandro Saioneti
Jornalista especializado em Mídia Cultural, sonhava em ter uma banca de jornal quando criança. Trocou o desejo do impresso para compartilhar cultura na internet.

Talvez você se interesse...

O 1º quadrinho do Catarse! Bate-papo com Eduardo Damasceno

Você lembra dos principais acontecimentos que rolaram na sua vida em 2011? Para nós do Catarse, este ano não apenas marca, literalmente, o começo de tudo – o surgimento da plataforma–, como também é o ponto de partida para uma relação extraordinária entre o financiamento coletivo brasileiro e a produção nacional de quadrinhos independentes. No dia 11 de agosto, a campanha da HQ Achados e Perdidos, dos quadrinistas mineiros Eduardo Damasceno e Luís Felipe Garrocho, entrava no ar para, dois meses depois, tornar-se o primeiro quadrinho financiado via crowdfunding no país, com R$ 30.299 arrecadados por meio de 520 apoiadores. Histórico.

A partir dali o modelo se popularizou, evoluiu, milhares de quadrinhos foram financiados e a obra sobre a jornada do garoto com um buraco negro na barriga ganhou status de icônica. E é. Pois além de ser considerada uma das 10 HQs brasileiras que marcaram a década, também ganhando o Troféu HQ MIX na categoria Homenagem Especial, ela é a pedra angular para entendermos os principais traços que regem o financiamento coletivo junto aos quadrinhos independentes até hoje.

Por isso convidamos Eduardo Damasceno para um papo. Uma conversa sobre sua relação com o desenho, os bastidores da campanha e o seu significado para a carreira de um artista. E longe de querer construir a imagem de uma campanha perfeita, Damasceno nos dá um presente ao narrar uma jornada que, entre erros, acertos e um pouco de sorte, resgata com fidelidade um momento importante de nossa história. E da sua também. Esperamos que curta:

Artes de Damasceno, há anos um dos nomes mais conhecidos do mercado BR de quadrinhos (reprodução)

 

Partindo da origem de tudo, como começou a sua relação com os quadrinhos?

Sou o mais novo de três irmãos e eles já liam muito quadrinho quando nasci, principalmente Marvel e DC. Então passei a ler já bem novo. Turma da Mônica, depois Marvel e DC como meus irmãos, Image [Comics] nos anos 1990... Pelo menos na minha geração, porque depois passaram a pular direto para o mangá. Mas fiquei muito “mangazeiro” na adolescência, lendo trabalhos do gênero por um longo tempo. Já com uns 18, 19 anos, descobri outros quadrinhos, europeus basicamente. Foi quando minha cabeça abriu e parei de dividir HQs em categoria se passei a ler qualquer gênero.

"[O desenho] é algo essencial na minha vida. Uma coisa muito importante na minha relação com o mundo e na forma como me comunico com ele."

 

E como foi o processo de se descobrir quadrinista?

Comecei a desenhar muito por causa do mangá. Quando eu era bem novo, fazia histórias longas de, sei lá, 60 páginas. Pegava várias folhas, dobrava e fazia uns bonecos de palitinho dos Cavaleiros do Zodíaco. Tempo depois, quando me mudei de Formiga para Belo Horizonte, passei a estudar desenho um pouco mais, entrando na Casa dos Quadrinhos, uma escola de desenho. Eu gostava muito de desenhar, mas sentia que dependia de inspiração para isso e eu achava ruim. Pensei que era melhor entrar em uma escola porque aprenderia a técnica e não precisaria mais depender disso. Uma mentira, como aquela que contamos pra nós mesmos ao longo da vida. Mas foi legal estudar porque foi a primeira vez que tive grande contato com pessoas que também desenhavam e gostavam disso. Aí passei a desenhar mais e, por volta de 2002, comecei a pegar os primeiros trabalhos de ilustração. Até lembro que na época eu desenhava no mouse porque não tinha tablet... Não recomendo... [risos] Desde então minha relação com o desenho mudou e evoluiu bastante. É algo essencial na minha vida. Uma coisa muito importante na minha relação com o mundo e na forma como me comunico com ele.

E como aconteceu a criação do site Quadrinhos Rasos?

Em 2007, o Luis Felipe [Garrocho] e eu entramos em um concurso de mangá, ficando entre os finalistas. Ali falamos, “legal, rola a gente fazer quadrinho!”. Mas só anos depois, em 2010, lançamos o Quadrinhos Rasos, local em que produzíamos narrativas a partir de músicas. E um anos depois, começamos Achados e Perdidos.

O site Quadrinhos Rasos apresentava narrativas gráficas inspiradas em músicas (Reprodução)

 

Levando, tempo depois, à criação da campanha no Catarse.

O que aconteceu é que sempre me interessei muito por pesquisar outras formas de interação social ou de interação com o mundo que não envolvam capitalismo, como softwares livres. E o Kickstarter [plataforma de crowdfunding estadunidense fundada em 2009] parecia ser uma coisa muito interessante quando surgiu. E eu achava legal, mas a gente não tinha a visão de publicar algo porque ainda não tínhamos nada, só dívida. [risos] Aí em 2011 fomos chamados para fazer uma exposição do Quadrinhos Rasos no FIQ [Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte]. A partir disso pensamos que talvez desse pra fazer um quadrinho, e Achados e Perdidos já era uma ideia que existia desde 2007. Inclusive, chegamos a enviar o projeto para a gringa, mas sem nenhum retorno. Então, antes do FIQ, anunciamos que além da exposição, a gente também lançaria um quadrinho no evento. Não tinha nada pronto, só meio quadrinho. Mas como a gente prometeu, tínhamos que fazer. [risos]

"Como eu já conhecia o Kickstarter, vi o Catarse surgir. Então conversei com os dois e falei: 'vamos tentar isso porque a gente não tem nada'."

 

E o caminho encontrado foi o financiamento coletivo?

A gente não tinha dinheiro ou a menor chance de bancar a produção. A ideia que tivemos foi chamar mais uma pessoa pra participar da coisa toda, que foi o [Bruno] Ito para a composição das músicas. Mais uma pessoa que também não tinha dinheiro. [risos] Mas como eu já conhecia o Kickstarter, vi o Catarse surgir. Então conversei com os dois e falei: “vamos tentar isso porque a gente não tem nada”. Até olhamos referências no Kickstarter antes, mas sendo bem honesto, não pesquisamos muito. Então começamos: “quanto dinheiro pedimos? Não sei. Vamos ver quanto custa”. Fiz o orçamento na gráfica e deu R$ 25 mil. Pensamos que nunca daria. Mas mesmo assim colocamos o valor como meta. Nem mesmo consideramos os gastos com os Correios ou com a produção das outras recompensas. Bottom, adesivo, cachorro de pelúcia... Não pensamos em nada. Mas deu tudo certo porque quem tem amigo tem tudo. Foi um deles, que na época trabalhava com design, que ajudou a gente com todas as recompensas. Fez tudo, o design de todas as coisas, além de orientar sobre onde produzir o material do jeito mais barato possível.

Fora isso, no fim a campanha também ultrapassou a própria meta inicial, certo?

Sim! A gente conseguiu R$ 30 mil. Inclusive também usamos o dinheiro para lançar outro quadrinho do Lipão [Luis Felipe Garrocho]. Mas como disse, não foi nada calculado. Tanto que no fim acabamos ficando no zero a zero. Sem falar no susto com o preço dos Correios: quase R$ 3 mil, acho, para o envio de livros com quase um quilo. A sorte é que o pessoal da gráfica foi legal e imprimiram o quadrinho por R$ 18 mil. Bem massa darem o desconto.

Página da campanha de "Achados e Perdidos" no Catarse (Reprodução)

E como foi a experiência junto aos apoiadores durante a campanha? As atuais redes sociais ainda estavam em formação ou nem existiam. Naquela época vocês conseguiram manter contato com a comunidade?

A gente tinha o público do site, então a divulgação da campanha ocorria por lá. Até rolou divulgação da Pitty no Twitter a partir de uma brincadeira nossa pedindo, mas não foi uma estratégia de marketing. Ficamos com vontade de fazer piada. Foi uma série de ajudas inesperadas mesmo. Mas o fator novidade também influenciou bastante, porque mesmo sem enviar release, os jornais de Belo Horizonte começaram a procurar agente pra conversar. Até programa de rádio convidou a gente! E foi muito legal o processo de interagir com as pessoas nos comentários do site e ver a reação de todos, principalmente a partir da publicação na íntegra do primeiro capítulo da HQ. Isso porque as redes sociais ainda não estavam bem desenvolvidas. Os algoritmos ainda não estavam tão eficientes em controlar o que a gente fazia. Então me deixa muito feliz pensar que, mesmo considerando como as pessoas tinham mais livre-arbítrio do que elas têm hoje, ainda apoiaram o projeto. E não foi porque apareceu como recomendação pra elas. Elas acompanhavam o site ou alguém que conheciam falou diretamente. Até hoje foi o processo mais legal de publicação que a gente teve.

 

Teve algo que você não curtiu no processo?

Para ser honesto, não. A gente só não voltou a fazer porque começaram a entrar outras questões que aí já não me interessavam muito. Estratégia de marketing, planejamento de gestão... É como as coisas funcionam pra todo mundo, mas não tem a ver com como eu gostaria de fazer as coisas. Eu gostava daquele começo da gente colocando as coisas e testando. Curto muito ser cobaia das coisas, principalmente quando vejo que tem potencial de ser uma coisa boa. E eu sentia que o Catarse tinha um potencial muito grande para ser algo bom, sendo pra nós um momento muito feliz, onde as coisas se alinharam. O engraçado é que a plataforma evoluiu e agora tem várias ferramentas disponíveis para quem faz as campanhas. E eu apanhando anos atrás, não conseguindo nem colocar uma imagem direito no negócio. Mas a ferramenta funcionava, eu que não sabia operar ainda. [risos]

Damasceno e Garrocho recebem o Troféu HQMIX por Achados e Perdidos (Divulgação)

 

O projeto influenciou de alguma maneira a forma como você entende a produção de quadrinhos independentes no Brasil?

Ele tornou mais tangível a possibilidade de publicação. Pois na hora que conseguimos publicar Achados e Perdidos, deixou de ser um sonho em que a gente precisava de muito dinheiro para publicar por conta própria ou ter uma editora. Naquele momento isso deixou de ser um problema, porque mesmo que sem dinheiro ou editora, ainda existia uma possibilidade para tentar. E foi a partir desse cenário que a gente decidiu que iria fazer quadrinho. Tanto que larguei meu emprego na Casa dos Quadrinhos no meio da produção do Achados e Perdidos. “Agora só quero fazer isso”, falei na época.

"Porque quando você começa a tentar fazer uma coisa e ela dá certo de algum jeito, tem que continuar fazendo aquilo."

Por fim, o que essa campanha representou na sua carreira como artista?

A publicação da HQ foi um segundo passo depois de Quadrinhos Rasos, sendo ainda mais difícil que o anterior. Porque quando você começa a tentar fazer uma coisa e ela dá certo de algum jeito, tem que continuar fazendo aquilo. Não sei se dá pra comparar, mas é como a necessidade de fazer um segundo disco em razão do sucesso do primeiro. Achados e Perdidos foi meio isso. Tava meio que dando certo, mas o que a gente faz com isso agora? Ele mostrou que a gente era quadrinista mesmo. Me mostrou porque consegui desenhar 220 páginas em seis meses. Desenhar, colorir, colocar texto, diagramar e tudo mais. Uma coisa que hoje não conseguiria fazer de jeito nenhum porque é muita coisa. Mas ver o processo funcionando no Catarse, como as pessoas estavam empolgadas, que aquilo parecia que ia acontecer mesmo, me colocou em um estado de espírito muito legal. Eu acordava animado pra desenhar e fazer aquilo, o que não é comum. Minha relação com o desenho é muito importante, mas também problemática. Então enquanto na época do Quadrinhos Rasos era só divertido, em Achados e Perdidos eu também tinha o senso de responsabilidade, porque eu tinha a responsabilidade de entregar aquilo. Não falo que ajudou a consolidar porque ainda é muito cedo, mas foi o primeiro bloco da base que estávamos construindo como quadrinistas.

Quadro de Achados e Perdidos (Reprodução)

E aí, curtiu a conversa? Se quer saber mais sobre o legado iniciado por Damasceno e Garrocho, clique aqui e tenha acesso aos projetos de quadrinhos em financiamento ou já financiados no Catarse. Ah, cuidado pois vicia :)

Mas se você se inspirou na jornada da dupla ao lado de Bruno Ito para o lançamento de Achados e Perdidos, basta clicar aqui para conferir uma série de materiais incríveis sobre como planejar bem a sua própria campanha de financiamento coletivo. Seja para um quadrinho ou qualquer outro projeto criativo. O que importa é tirar a sua ideia do papel. Ou como no caso de Damasceno, colocá-la.

Sobre quem falamos nessa história

No items found.

Sobre quem falamos nessa história

No items found.
10 anos de histórias
Conheça outras histórias >
No items found.

Traga seu projeto criativo ao mundo!

Comece seu projeto