Lançada há quase 15 anos, a Twitch se consolidou entre os gamers e espectadores de e-sports como a maior plataforma de streaming do mundo. Com grandes nomes incluindo Gaules, responsável por fortalecer o cenário de Counter Strike no Brasil e colocar o país como referência para a transmissão de eventos do nicho, a plataforma se tornou parte da rotina dos usuários. Entretanto, enquanto no cenário dos games a Twitch já tinha se estabelecido, para o meio literário ela ganhou destaque apenas nos últimos anos.
Apesar de englobar dezenas de categorias divididas por jogos específicos, podcasts, música e IRL (sigla para in real life, tópico voltado para lives mais abrangentes), foi na área mais livre da Twitch que criadores de conteúdo sobre livros encontraram seu espaço. A categoria Just Chatting (ou Só na conversa, como é traduzida por aqui) abraça lives voltadas para interações diretas com os espectadores. Streamers usam a categoria para fazer reacts, chamar convidados, conversar com a comunidade e, como os influenciadores descobriram, para ler com companhia.
Essa tendência, que começou a ganhar força no YouTube com lives de "sprints" de leitura e produtividade, foi amplificada durante a quarentena, quando muitas pessoas precisavam de maneiras para se conectar em tempos de isolamento. Aos poucos, o mundo literário encontrou na Twitch um espaço para se consolidar.
O método Pomodoro, técnica que intercala períodos de concentração com pausas curtas foi adaptado para o tempo de cada streamer e renomeado para “sprint”. Aplicado em conjunto com outros leitores, cria um ambiente motivador, ajudando as pessoas a se manterem focadas, a avançarem em suas leituras e conversarem, em tempo real, sobre o que estão lendo, incluindo com seus criadores de conteúdo favoritos.
A sensação de pertencer a uma comunidade, mesmo que online, torna a leitura uma atividade menos solitária e mais prazerosa. Esse apoio coletivo pode ser o impulso necessário para alcançar metas de leitura e produtividade que, de outra forma, poderiam parecer mais desafiadoras e menos interessantes.
A consolidação de uma comunidade
Criadores de conteúdo, como a influenciadora Bel Rodrigues, lideraram essa mudança. Bel, além de ser escritora, tornou-se referência nas lives de leitura, levando sua paixão por livros para o público por meio de sprints e discussões ao vivo, além de mesclar os assuntos literários com reacts e bate-papo sobre diversos assuntos. Outros criadores já conhecidos pelo público literário no YouTube como Pam Gonçalves, Victor Almeida, Andrea Bistafa e Tamirez Santos ajudaram a aumentar o coro de pessoas e fidelizar o público leitor na roxinha, como a Twitch é conhecida. Lá fora, criadores também passaram a engrossar o “nicho do foco” e streamers como a StudyTime receberam o selo de Ambassadors, dado a quem ajuda a estabelecer novos gêneros de conteúdo na plataforma. Não demorou para que outros criadores também criassem coragem para começar suas comunidades em um espaço que, até então, não parecia tão receptivo para os leitores.
Em um momento de isolamento social as comunidades online se tornaram refúgios para o público, oportunidade para criadores e, nos últimos anos, as lives de foco até se dividiram em propósitos diferentes. Hoje em dia não é difícil encontrar um streamer online para focar junto, seja utilizar o tempo de cronômetro na tela para ler, para trabalhar junto em uma espécie de coworking online ou até mesmo para estudar para concursos.
Novas oportunidades e novos negócios
Com comunidades tão unidas e dinâmicas, também foi possível enxergar lacunas e atender demandas do público leitor. O Maratona.app surgiu dentro dos chats das lives de foco na Twitch primeiro oferecendo ferramentas para os streamers como distribuição de pontos para os leitores a cada sprint completado, sorteios para a comunidade e até mesmo cronômetro integrado com o layout e o chat. Com o tempo o Maratona foi adicionando funções como estantes para organizar livros e leituras, páginas voltadas para leituras coletivas e maratonas literárias personalizadas.
Até então os criadores precisavam organizar leituras coletivas e maratonas em páginas externas, muitas vezes por meio de formulários do Google, por exemplo. Atualmente grandes eventos da comunidade como a Maratona Literária de Verão e Maratona Literária de Inverno, organizada pelo Victor Almeida, são centralizadas no Maratona.app, inclusive com apoio de grandes players como Amazon e Skeelo.
Em 2023 o Exploda Seu Kindle, evento organizado pela Divulga Nacional, chacoalhou as bookredes, principalmente o X, e teve um espaço dedicado no Maratona.app. A página personalizada ajudou a centralizar informações sobre títulos disponíveis gratuitamente por autores de todo o Brasil na Amazon, facilitando o acesso de leitores e ainda foi importante para que streamers pudessem divulgar o evento e apresentá-lo aos seus chats. Este ano o evento teve uma nova edição com o apoio direto do Kindle Direct Publishing, da Amazon, página interativa no Maratona.app e maratona literária organizada por streamers na Twitch por meio da Equipe TBR, criada por criadoras de conteúdo literário da plataforma.
Com um certo atraso, as editoras também perceberam o potencial para promover seus livros em lives. Em um mundo online pautado por algoritmos, encontrar comunidades engajadas e maneiras de se comunicar sem intermediários, diretamente com o público, é valioso e poderoso. As transmissões ao vivo se tornaram excelentes vitrines para lançamentos, maratonas de leitura e campanhas promocionais. Ainda durante a quarentena, quando o setor cultural tentava entender como continuar com sua agenda de eventos, alguns streamers puderam transmitir mesas e palestras, permitindo que o público participasse remotamente de alguma forma. Em 2023 streamers como Beatriz Bottino cobriram ao vivo e in loco eventos como a Bienal do Livro e a CCXP. Além disso, essas lives abriram portas para sorteios de livros, leituras coletivas e parcerias diretas entre autores, editoras e leitores.
As lives de leitura como manutenção de comunidades
Hoje, muitos streamers literários mantêm uma agenda semanal de transmissões, garantindo uma conexão constante com seu público. Outros optam por lives especiais dedicadas a maratonas de leitura ou eventos em parceria com editoras, oferecendo experiências imersivas e interativas. Essa diversidade de formatos reflete como a Twitch se tornou uma plataforma versátil, capaz de unir criadores, leitores, editoras e marcas em torno do amor pelos livros e pela literatura.
As lives funcionam bastante como ferramenta de manutenção de comunidades e até mesmo como funil, pela perspectiva do marketing. O interessante é que elas podem funcionar tanto como topo de funil, quando são o primeiro contato que o usuário e possível leitor tem com aquele streamer, quanto como espaço em que o público já consolidado em uma comunidade, se encontra para interagir com determinado criador de conteúdo.
Atualmente não é incomum que streamers usem as lives para divulgar clubes de leitura, leituras coletivas e grupos exclusivos cujo acesso é liberado por meio de apoios no Catarse, por exemplo.O ClubeTaLendo, por Nathy, o Clube Mais que Livros, por Glaucia Cassia e o Com Amor, Livro, por Bia Cambraia, são alguns exemplos, incluindo Nostalgia Cinza, criado por mim. A Twitch, antes vista como um espaço quase exclusivo para gamers, se transformou em um ambiente onde a literatura se fortalece como nicho, as comunidades se constroem e se fortalecem no ao vivo, e hoje já ganham espaço fora da Twitch.