Um novo modelo de jornalismo precisa de um novo papel para o leitor

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Em 2013, a Agência Pública de Jornalismo Investigativo lançou o projeto Reportagem Pública, uma campanha de financiamento coletivo para produzir 10 reportagens. Mais de 800 pessoas colaboraram com campanha e votaram em quais investigações deveriam ser feitas. As reportagens ganharam prêmios nacionais e causaram impacto. A denúncia sobre explosões de carros da GM no Brasil, por exemplo, levou o Ministério da Justiça a investigar a montadora. Agora, a agência lança um novo projeto e convida os apoiadores a se aproximarem mais e por mais tempo. Um novo papel para o leitor de um novo modelo de jornalismo.

Por Natalia Viana, codiretora da Agência Pública

“Os olhos de Lucineia Rodrigues dos Santos Silva ainda se enchem de lágrimas quando ela se lembra da explosão do Vectra GLS, cor prata, ano 1997, da General Motors do Brasil, que matou sua filha, a pequena Raíssa, com pouco mais de sete meses de vida. Foi no dia 24 de julho de 2008, no município de Três Lagoas, a 338 quilômetros de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Lucineia, então proprietária de uma pequena confecção, voltava para casa com Raíssa e o filho mais velho, Edson, à época com 6 anos de idade. Eram 9h45 da manhã quando estacionou o carro na garagem. Desceu para abrir a porta da sala, seguida pelo filho, enquanto Raíssa dormia na cadeirinha instalada no banco traseiro do Vectra. Não houve tempo nem de atravessar o primeiro cômodo; o estrondo, seguido dos gritos da bebê, anunciaram a tragédia. ‘Foi coisa de segundos. A fumaça e o fogo se espalharam muito rápido’, explica Lucineia.  “Eu, como mãe, senti culpa”.

Esse parágrafo abre a reportagem “Defeitos de fábrica: as explosões da GM no Brasil, publicada pela Agência Pública em maio do ano passado graças a uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo realizada aqui pelo Catarse. Na época conseguimos levantar R$58 mil de 808 doadores e com o dinheiro financiamos 12 investigações feitas por repórteres de todo o Brasil. Acompanhamos de perto cada uma delas, apoiando os jornalistas, trocando ideia sobre os caminhos a seguir, ajudando-os a solucionar as muitas angústias que aparecem no caminho de uma reportagem investigativa.

Me lembro quando o Moriti Neto, autor da reportagem, me contou sobre esse caso. Ele estava tão chocado quanto você deve estar agora, lendo este texto. Durante a edição, tivemos que cortar alguns detalhes da tragédia, para não ficar assombrosa demais. Mesmo depois de anos acompanhando casos isolados de explosões de Vectra que aconteciam no Brasil, ele nunca tinha tido tempo, grana e apoio para ir fundo nos casos, visitar as famílias das vítimas e desenterrar histórias como essa. Conseguiu mapear ocorrências em todo o Brasil e encontrou uma associação de consumidores formada pelas vítimas que denuncia pelo menos 30 casos de explosões sem motivo aparente. Acho que ninguém discorda que histórias como essa precisam ser contadas.

Esse é o papel da Agência Pública. Além de produzir reportagens como essa, queremos sempre que a história se espalhe ao máximo. Por isso funcionamos como uma agência: nosso conteúdo é enviado para republicadores que podem utilizá-lo sem custo, desde que não editem o material, para preservar a alma do texto – e do repórter.   

Chegamos a tentar publicar a história em alguns veículos impressos, para aumentar o alcance dessa chocante história. Uma das jornalistas com quem falei, excelente profissional, me mandou um e-mail sentido que resume a pressão que os próprios jornalistas enfrentam dentro das redações: “Vibrei com a pauta. Foi com esse entusiasmo que me dirigi à chefia para apresentar a proposta de vocês. Enfrentei uma muralha de resistências que não consegui romper. Sinto muito”. Conseguimos, afinal, que a Revista do Brasil topasse publicar na sua edição mensal.

Logo que foi publicada, a reportagem foi abraçada pelos nossos leitores, que compartilharam e ajudaram a história a se espalhar nas redes sociais. O Uol Carros, importante canal de notícias do setor, acabou republicando e, diferentemente da nossa reportagem, foi atendido pela assessoria de imprensa da GM. A resposta foi, claro, “não vamos nos manifestar”. A história cresceu, e em novembro o Ministério da Justiça começou uma investigação contra a GM por não ter realizado o recall de 139.252 unidades do sedã Vectra, produzidas entre 1996 e 1998, com risco de apresentar curto-circuito no chicote da bomba de combustível. O processo está correndo e a GM, se condenada, pode ser obrigada a pagar multa de até R$ 7 milhões.  A história só veio à tona por causa da nossa reportagem. Quem disse isso foi um dos familiares das vítimas, bastante agradecido.

É isso o que fazemos na Agência Pública. E é por termos conseguido resultados tão bacanas com a última edição do  financiamento coletivo que voltamos a abrir uma campanha agora, o Reportagem Pública 2015. Queremos, além de produzir mais 10 investigações, aumentar a participação dos leitores no nosso processo de investigação. Afinal, se estamos criando um novo modelo de jornalismo, totalmente independente das pressões de partidos, governos e empresas, podemos também reinventar qual é o papel do leitor nesse processo.

gif da publica

Nossa meta é levantar R$ 50 mil até dia 7 de março.

Uma vez levantado o dinheiro, a cada mês (de março até dezembro) nossos repórteres vão propor três investigações sobre assuntos do momento e os doadores vão eleger uma delas através de um site feito especialmente para o projeto. A partir daí, é hora dos repórteres saírem às ruas para fazer o que sabem: investigar abusos, violações de direitos humanos e falcatruas. Todas as reportagens poderão ser livremente reproduzidas por sites, jornais, revistas, blogs independentes e quem mais quiser.

A princípio serão dez reportagens financiadas. Mas, se conseguirmos ultrapassar a meta de R$ 50 mil, o projeto se estende por mais meses, e a cada mês uma nova investigação será financiada!

É como diz a Marina Amaral, que dirige a Pública junto comigo: “A meta da Pública seria ser financiada pelo público. Se as pessoas pensarem: 'eu preciso desse tipo de informação, por isso eu financio essa informação', aí você cria um novo quadro. Um jornalismo que chega na origem da profissão, que é o de fazer a comunicação social”.

Está feito o convite. Quem acha que o jornalismo no Brasil precisa de uma boa chacoalhada, e quer participar disso, colabore com o Reportagem Pública 2015.
Colaborador
Este texto foi escrito por um colaborador do Catarse! Quer ser um colaborador? Mande um email para comunicacao@catarse.me com a sua sugestão de pauta. ;)

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Um novo modelo de jornalismo precisa de um novo papel para o leitor

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Em 2013, a Agência Pública de Jornalismo Investigativo lançou o projeto Reportagem Pública, uma campanha de financiamento coletivo para produzir 10 reportagens. Mais de 800 pessoas colaboraram com campanha e votaram em quais investigações deveriam ser feitas. As reportagens ganharam prêmios nacionais e causaram impacto. A denúncia sobre explosões de carros da GM no Brasil, por exemplo, levou o Ministério da Justiça a investigar a montadora. Agora, a agência lança um novo projeto e convida os apoiadores a se aproximarem mais e por mais tempo. Um novo papel para o leitor de um novo modelo de jornalismo.

Por Natalia Viana, codiretora da Agência Pública

“Os olhos de Lucineia Rodrigues dos Santos Silva ainda se enchem de lágrimas quando ela se lembra da explosão do Vectra GLS, cor prata, ano 1997, da General Motors do Brasil, que matou sua filha, a pequena Raíssa, com pouco mais de sete meses de vida. Foi no dia 24 de julho de 2008, no município de Três Lagoas, a 338 quilômetros de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Lucineia, então proprietária de uma pequena confecção, voltava para casa com Raíssa e o filho mais velho, Edson, à época com 6 anos de idade. Eram 9h45 da manhã quando estacionou o carro na garagem. Desceu para abrir a porta da sala, seguida pelo filho, enquanto Raíssa dormia na cadeirinha instalada no banco traseiro do Vectra. Não houve tempo nem de atravessar o primeiro cômodo; o estrondo, seguido dos gritos da bebê, anunciaram a tragédia. ‘Foi coisa de segundos. A fumaça e o fogo se espalharam muito rápido’, explica Lucineia.  “Eu, como mãe, senti culpa”.

Esse parágrafo abre a reportagem “Defeitos de fábrica: as explosões da GM no Brasil, publicada pela Agência Pública em maio do ano passado graças a uma bem-sucedida campanha de financiamento coletivo realizada aqui pelo Catarse. Na época conseguimos levantar R$58 mil de 808 doadores e com o dinheiro financiamos 12 investigações feitas por repórteres de todo o Brasil. Acompanhamos de perto cada uma delas, apoiando os jornalistas, trocando ideia sobre os caminhos a seguir, ajudando-os a solucionar as muitas angústias que aparecem no caminho de uma reportagem investigativa.

Me lembro quando o Moriti Neto, autor da reportagem, me contou sobre esse caso. Ele estava tão chocado quanto você deve estar agora, lendo este texto. Durante a edição, tivemos que cortar alguns detalhes da tragédia, para não ficar assombrosa demais. Mesmo depois de anos acompanhando casos isolados de explosões de Vectra que aconteciam no Brasil, ele nunca tinha tido tempo, grana e apoio para ir fundo nos casos, visitar as famílias das vítimas e desenterrar histórias como essa. Conseguiu mapear ocorrências em todo o Brasil e encontrou uma associação de consumidores formada pelas vítimas que denuncia pelo menos 30 casos de explosões sem motivo aparente. Acho que ninguém discorda que histórias como essa precisam ser contadas.

Esse é o papel da Agência Pública. Além de produzir reportagens como essa, queremos sempre que a história se espalhe ao máximo. Por isso funcionamos como uma agência: nosso conteúdo é enviado para republicadores que podem utilizá-lo sem custo, desde que não editem o material, para preservar a alma do texto – e do repórter.   

Chegamos a tentar publicar a história em alguns veículos impressos, para aumentar o alcance dessa chocante história. Uma das jornalistas com quem falei, excelente profissional, me mandou um e-mail sentido que resume a pressão que os próprios jornalistas enfrentam dentro das redações: “Vibrei com a pauta. Foi com esse entusiasmo que me dirigi à chefia para apresentar a proposta de vocês. Enfrentei uma muralha de resistências que não consegui romper. Sinto muito”. Conseguimos, afinal, que a Revista do Brasil topasse publicar na sua edição mensal.

Logo que foi publicada, a reportagem foi abraçada pelos nossos leitores, que compartilharam e ajudaram a história a se espalhar nas redes sociais. O Uol Carros, importante canal de notícias do setor, acabou republicando e, diferentemente da nossa reportagem, foi atendido pela assessoria de imprensa da GM. A resposta foi, claro, “não vamos nos manifestar”. A história cresceu, e em novembro o Ministério da Justiça começou uma investigação contra a GM por não ter realizado o recall de 139.252 unidades do sedã Vectra, produzidas entre 1996 e 1998, com risco de apresentar curto-circuito no chicote da bomba de combustível. O processo está correndo e a GM, se condenada, pode ser obrigada a pagar multa de até R$ 7 milhões.  A história só veio à tona por causa da nossa reportagem. Quem disse isso foi um dos familiares das vítimas, bastante agradecido.

É isso o que fazemos na Agência Pública. E é por termos conseguido resultados tão bacanas com a última edição do  financiamento coletivo que voltamos a abrir uma campanha agora, o Reportagem Pública 2015. Queremos, além de produzir mais 10 investigações, aumentar a participação dos leitores no nosso processo de investigação. Afinal, se estamos criando um novo modelo de jornalismo, totalmente independente das pressões de partidos, governos e empresas, podemos também reinventar qual é o papel do leitor nesse processo.

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Nossa meta é levantar R$ 50 mil até dia 7 de março.

Uma vez levantado o dinheiro, a cada mês (de março até dezembro) nossos repórteres vão propor três investigações sobre assuntos do momento e os doadores vão eleger uma delas através de um site feito especialmente para o projeto. A partir daí, é hora dos repórteres saírem às ruas para fazer o que sabem: investigar abusos, violações de direitos humanos e falcatruas. Todas as reportagens poderão ser livremente reproduzidas por sites, jornais, revistas, blogs independentes e quem mais quiser.

A princípio serão dez reportagens financiadas. Mas, se conseguirmos ultrapassar a meta de R$ 50 mil, o projeto se estende por mais meses, e a cada mês uma nova investigação será financiada!

É como diz a Marina Amaral, que dirige a Pública junto comigo: “A meta da Pública seria ser financiada pelo público. Se as pessoas pensarem: 'eu preciso desse tipo de informação, por isso eu financio essa informação', aí você cria um novo quadro. Um jornalismo que chega na origem da profissão, que é o de fazer a comunicação social”.

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