Como o crowdfunding pode mudar o financiamento de campanhas eleitorais no Brasil

O tema do financiamento de campanhas políticas por empresas está em pauta e levantou o debate sobre a necessidade de avançarmos em modelos de financiamento mais democráticos, baseados na premissa da representatividade. No Brasil, por exemplo, a proibição de doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais já passa a valer a partir das eleições municipais deste ano. Essa alteração atinge diretamente o ponto central do debate em torno do financiamento de campanha e, por conta da proibição, o crowdfunding aparece como um modelo forte e viável a ser utilizado nas próximas campanhas eleitorais.

Ao restringir a  possibilidade de doações empresariais para financiar candidatos, o foco se volta às contribuições de pessoas físicas. É justamente por isso que, devido ao funcionamento do crowdfunding, ou financiamento coletivo como chamamos aqui no Brasil, a prática parece ser um mecanismo interessante para arrecadar recursos para campanhas políticas. É um modelo que busca a seguinte lógica: muitas pessoas juntas (crowd) , financiando (funding) algo que é de interesse comum. O modelo é uma alternativa forte para aproximar o ato do financiamento de políticos ao voto, verdadeiro elemento que marca a decisão de uma sociedade sobre quem serão seus representantes.

A crítica aos modelos de campanha eleitoral política que aceitam doações empresariais é simples: o sistema de representatividade democrática é abalado quando políticos passam a servir aos interesses de seus financiadores e não aos interesses de seus eleitores. Na última eleição presidencial em 2014, segundo reportagem da UOL que avaliava parciais das prestações de conta ao TSE, 75% das doações para campanhas dos 3 principais presidenciáveis vieram de empresas de setores da construção, indústria, agronegócio e de  instituições financeiras.  Os elevados valores das doações provenientes de poucas empresas  financiadoras geram uma anomalia: há uma separação entre financiamento e voto.

Em um sistema democrático, políticos têm o dever de representar e defender os interesses de seus representados, os eleitores. Por isso, ao receberem contribuições financeiras de uma pequena parcela da sociedade - parcela essa detentora de capital, influência e interesses específicos - comprometem o processo de representatividade democrática. Um conflito de interesses entre o público e o privado se instaura.

Proibir a doação de empresas (pessoas jurídicas) e exigir que campanhas eleitorais sejam financiadas por pessoas físicas tem o potencial de aproximar o ato de financiar ao de votar. Você doará e votará em quem você acredita que fará um bom mandato político. Ainda assim, apenas o voto é obrigatório. Portanto, a arrecadação financeira junto a simpatizantes do seu programa de governo é mais uma instância política que deverá ser abordada pelos candidatos numa campanha para obterem sucesso. Eles terão de se comprometer com pessoas que os financiam e não com empresas. Dessa forma, o foco do comprometimento pós-eleição passa a estar no programa de governo apresentado pelo candidato, e não nos interesses específicos ditados por doadores cuja contribuição financeira foi volumosa. No Brasil essa influência do capital é reduzida pois todas as doações financeiras precisam ser listadas e atreladas a um CPF, o que torna o processo mais transparente, já que identifica claramente os doadores. O modelo brasileiro também restringe o teto das contribuições de pessoas físicas: só é permitido doar até 10% do valor bruto de rendimentos declarados no ano anterior.

Onde entra o crowdfunding nessa história?

Em um paralelo com nossa experiência aqui no Catarse, é possível afirmar que se candidaturas forem financiadas por legiões de pessoas físicas e não por poucas empresas, a cobrança em cima dos candidatos será, no mínimo, diferente. Acreditamos que será um exercício de prática cidadã e mais de acordo com o que uma democracia prega. Teremos duas camadas de cobrança do cumprimento do que foi prometido em campanha: a do voto, soberana e principal delas, e a dos financiadores. Situações como a da construtora Andrade Gutierrez, que doou para diversas candidaturas em 2014 com cifras superiores a R$ 20 milhões para cada um dos principais presidenciáveis, não aconteceriam.

Num modelo restrito apenas a pessoas físicas isso provavelmente não teria espaço, e nem mesmo faria muito sentido. Segundo pesquisa que realizamos em 2013, a identificação com a causa é o principal fator de apoio a um projeto, seguido da confiança no potencial do realizador. Por que você doaria a um candidato com o qual você não se identifica? No modelo atual, esse tipo de aberração ideológica não só acontece, como acontece com cifras bem volumosas.

Outro ponto importante é que, assim como num projeto de financiamento coletivo que não cumpre o que foi descrito, um governo ou gestão ruim significariam menos apoio financeiro em eventuais tentativas subsequentes. O contrário é muito mais animador e favorece o apreço pelo cumprimento do que é prometido, característica escassa em grande parte dos políticos nos dias de hoje.

Aqui no Catarse, um realizador de campanha de crowdfunding que entrega de maneira adequada e condizente com o que foi colocado em seu projeto, tem altas taxas de aderência de apoiadores em seus projetos subsequentes. Para exemplificar, 75% dos recursos arrecadados por Felipe Cagno em seu sexto projeto, A Ruiva 2, vieram de apoiadores de seus 5 projetos projetos anteriores. Em Classified #01, sétimo projeto do autor que está com a campanha aberta a contribuições, 70% dos recursos levantados até o momento são provenientes de apoiadores de seus 6 projetos anteriores. Agora imagine esse mesmo mecanismo, só que aplicado aos políticos! Só sobrevive quem faz um bom trabalho e demonstra respeito por seus apoiadores.

Se tudo que foi descrito acima vier acompanhado de plataformas que prezem pela transparência dos dados e por uma comunicação facilitada com o candidato, os impactos podem ser ainda maiores. Ao vislumbrar um futuro possível onde essa prática do crowdfunding se consolidou, é possível se encher com otimismo, outro recurso cada vez mais escasso na sociedade. É possível imaginar um cenário político muito mais favorável a quem deseja realmente seguir o que foi prometido aos eleitores. Um panorama propício a quem de fato se comunica intensamente e de forma transparente com suas bases de apoiadores. É nesse ambiente promissor que apostamos e por isso gostaríamos muito de ver testes desse conceito em curso, como as eleições municipais que acontecerão esse ano no Brasil.

Dificuldades e entraves

Mas é importante que o debate vá além do sonho e da utopia, e que os orgãos responsáveis por acelerar esse processo no contexto de hoje se posicionem. Em ambas consultas ao TSE, em 2014 pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) e mais recentemente, em 2016,  por Alexandre Molon (Rede -RJ) , o órgão negou a possibilidade de que candidatos utilizassem plataformas existentes para viabilizar suas campanhas de financiamento coletivo. Na segunda consulta o TSE nem mesmo analisou o pedido alegando que nada mudou na justiça eleitoral desde 2014. Somente são permitidas arrecadações em sites próprios dos candidatos e sem "intermediários", como descreve o ministro Henrique Neves no parecer sobre a consulta de Wyllys.

“A legislação diz que o candidato, partido político ou coligação podem ter na página da internet mecanismo para que o eleitor possa, pela internet, fazer a doação. Não admite intermediários, que inclusive seriam remunerados por isso”

O problema aqui é simples: meios de pagamento online não são considerados intermediários?

Pois, ao que entedemos, são serviços que lucram com transações financeiras online e intermediariam os pagamentos entre eleitor e candidato. Nitidamente há uma zona cinza nesse argumento, é preciso definir melhor o que é um intermediário nesse processo. O tópico é passível de um debate mais qualitativo a ser empreendido pelo TSE, legisladores e sociedade civil. Em colocação mais recente sobre a consulta de Molon, apesar do TSE não ter mudado sua posição em relação a 2014, Neves argumenta:

“é realmente interessante porque agora, com a proibição das pessoas jurídicas, é necessário que se busquem novos meios para viabilizar que as pessoas físicas colaborem para as campanhas eleitorais”

O argumento de 'não previsto em legislação' é um beco sem saída que vai gerar mais atrasos do que benefícios. O modus operandi que rege o Estado e legisladores ainda é baseado na premissa do 'vamos antecipar tudo antes de acontecer', abordagem dispendiosa, lenta e ineficiente. A noção de 'vamos fazer pequenos testes e buscar os problemas essenciais de serem atacados'  parece mais ousada, moderna e geraria mais rapidez, conhecimento e aprendizado sobre o processo.

Iniciativas inspiradoras

Esperamos que as eleições municipais desse ano possam seguir essa lógica de experimentação para que possamos ver evoluções mais claras para as eleições seguintes. Ainda assim, o ponto é que a inovação social não segue a velocidade legislativa e é preciso que agentes do Estado entendam isso. Muitos mecanismos jurídicos são remendos ou leis que têm suas bases em um período quando sequer tínhamos a internet. Não estamos em 1988. Estamos em 2016. Se mantido, esse anacronismo vai nos levar a lugares ruins e é preciso criar mecanismos mais ágeis para absorver as velozes mudanças que vêm por aí.

O crowdfunding aplicado para a política é só uma delas.

Para finalizar, listinha de casos onde o crowdfunding foi ou está sendo utilizado para a política de maneira muito interessante!

1- ActBlue e a Campanha de Bernie Sanders

Plataforma que atua nos Estados Unidos desde 2004 e é focada em entregar uma solução tecnológica versátil para que políticos Democratas e progressistas de todo os EUA tenham a possibilidade de levantar fundos para campanhas políticas. Destaque para Bernie Sanders, que utilizou o serviço do ActBlue em seu site oficial e consistentemente levantou mais dinheiro que Hillary Clinton durante 4 meses seguidos apenas com doações cujo ticket médio era de apenas de US$ 27. Mais de 2.4 milhões de doadores contribuíram para a campanha e você pode ver o site com o resumo da trajetória de Sanders no financiamento coletivo aqui. Sanders inclusive ultrapassou a lendária campanha de Obama em 2008, quando o atual presidente dos EUA conseguiu a marca de 1 milhão de doações online de indivíduos. Animador! Foi interessante observar a trajetória de Sanders nos EUA, país que ainda permite doações de empresas. Mesmo sem recorrer aos doadores milionários, Sanders teve performance superior em termos de arrecadação de recursos. Foi possível constatar como o poder do financiamento coletivo é sim uma força política a ser desenvolvida. Temos um caso de sucesso claro que prova o crowdfunding como instrumento útil para substituir o financiamento empresarial de campanhas e envolver a população no processo político. Sanders saiu da corrida presidencial e declarou seu endosso à candidata Hillary Clinton.

2- Voto Legal

Iniciativa brazuca com alguma similaridade com o ActBlue, criada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e App Cívico, com apoio do Instituto Arapyaú. É uma promessa interessante para as eleições municipais desse ano. Foi lançada recentemente e  está aberta a cadastros de candidatos. É justamente uma plataforma para que políticos "Ficha Limpa" possam arrecadar recursos junto aos seus eleitores. Mas pode no Brasil? Segundo Ariel Kogan, um dos coordenadores da iniciativa, é sim permitido devido ao funcionamento específico da plataforma. Ele explica essa e outras questões nesse excelente post da jornalista Natália Garcia e também em recente artigo escrito por ele e Ana Carolina Evangelista para o Nexo. Orgulhinho catártico por saber que a plataforma é desenvolvida com tecnologia de software livre , blockchain e apoiada no código e usabilidade do Catarse (também software livre). :D

3- Categoria de Política do IndieGogo

Diferente dos exemplos acima citados, nesse item podemos ver a população usando o financiamento coletivo para manifestar-se em relação ao cenário político. Construir um muro fictício através de uma intervenção artística na Convenção do candidato Trump. Firmar ao mundo com bandeiras que a Escócia não aceita o Brexit. Aplicativos para simplificar o fazer político e cívico de cidadãos. Você encontra esse tipo de projeto na categoria Política do IndieGoGo, uma das maiores plataformas crowd do mundo. Já estudamos incluir essa categoria em nosso escopo dado que já é possível encontrar projetos como esses no Catarse. Projetos em que a sociedade civil se manifesta através do financiamento coletivo para realizar atos políticos. O exemplo mais recente é o projeto “Jornada pela Democracia”, atual recordista do Catarse em todos os quesitos.

4-  Lawrence Lessig, Fix Democracy First e o Citzens Equality Act

Um dos fundadores do Creative Commons, Lawrence Lessig, fez uma proposta: se conseguisse financiar coletivamente 1 milhão de dólares, concorreria a presidente dos EUA. Conseguiu a marca em menos de 1 mês através da doação de 8 mil pessoas. O objetivo? Levar a pauta de que é necessário "consertar a democracia" (Fix Democracy First) ao principal palco político dos Estados Unidos. Lessig formulou o Citzens Equality Act, um conjunto de leis que visa reformar o sistema de voto e financiamento de campanhas nos Estados Unidos e inclui a retirada e proibição do financiamento empresarial para campanhas políticas. Lessig teve de sair das corridas presidenciais devido a mudanças de regra do partido dos Democratas. No entanto, trouxe o debate à tona e levou candidatos como Hillary Clinton e Bernie Sanders a adereçar a questão do financiamento de campanhas em suas propostas de governo. Vale assistir ao TED abaixo em que Lessig explica a realidade democrática de um Estados Unidos que lembra em muito o nosso Brasil.

 

Rodrigo Machado
Cofundador e CEO do Catarse. Gosta de falar através de imagens e ouvir bons livros. Não sobrevive sem doses periódicas de água do mar.

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O tema do financiamento de campanhas políticas por empresas está em pauta e levantou o debate sobre a necessidade de avançarmos em modelos de financiamento mais democráticos, baseados na premissa da representatividade. No Brasil, por exemplo, a proibição de doações de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais já passa a valer a partir das eleições municipais deste ano. Essa alteração atinge diretamente o ponto central do debate em torno do financiamento de campanha e, por conta da proibição, o crowdfunding aparece como um modelo forte e viável a ser utilizado nas próximas campanhas eleitorais.

Ao restringir a  possibilidade de doações empresariais para financiar candidatos, o foco se volta às contribuições de pessoas físicas. É justamente por isso que, devido ao funcionamento do crowdfunding, ou financiamento coletivo como chamamos aqui no Brasil, a prática parece ser um mecanismo interessante para arrecadar recursos para campanhas políticas. É um modelo que busca a seguinte lógica: muitas pessoas juntas (crowd) , financiando (funding) algo que é de interesse comum. O modelo é uma alternativa forte para aproximar o ato do financiamento de políticos ao voto, verdadeiro elemento que marca a decisão de uma sociedade sobre quem serão seus representantes.

A crítica aos modelos de campanha eleitoral política que aceitam doações empresariais é simples: o sistema de representatividade democrática é abalado quando políticos passam a servir aos interesses de seus financiadores e não aos interesses de seus eleitores. Na última eleição presidencial em 2014, segundo reportagem da UOL que avaliava parciais das prestações de conta ao TSE, 75% das doações para campanhas dos 3 principais presidenciáveis vieram de empresas de setores da construção, indústria, agronegócio e de  instituições financeiras.  Os elevados valores das doações provenientes de poucas empresas  financiadoras geram uma anomalia: há uma separação entre financiamento e voto.

Em um sistema democrático, políticos têm o dever de representar e defender os interesses de seus representados, os eleitores. Por isso, ao receberem contribuições financeiras de uma pequena parcela da sociedade - parcela essa detentora de capital, influência e interesses específicos - comprometem o processo de representatividade democrática. Um conflito de interesses entre o público e o privado se instaura.

Proibir a doação de empresas (pessoas jurídicas) e exigir que campanhas eleitorais sejam financiadas por pessoas físicas tem o potencial de aproximar o ato de financiar ao de votar. Você doará e votará em quem você acredita que fará um bom mandato político. Ainda assim, apenas o voto é obrigatório. Portanto, a arrecadação financeira junto a simpatizantes do seu programa de governo é mais uma instância política que deverá ser abordada pelos candidatos numa campanha para obterem sucesso. Eles terão de se comprometer com pessoas que os financiam e não com empresas. Dessa forma, o foco do comprometimento pós-eleição passa a estar no programa de governo apresentado pelo candidato, e não nos interesses específicos ditados por doadores cuja contribuição financeira foi volumosa. No Brasil essa influência do capital é reduzida pois todas as doações financeiras precisam ser listadas e atreladas a um CPF, o que torna o processo mais transparente, já que identifica claramente os doadores. O modelo brasileiro também restringe o teto das contribuições de pessoas físicas: só é permitido doar até 10% do valor bruto de rendimentos declarados no ano anterior.

Onde entra o crowdfunding nessa história?

Em um paralelo com nossa experiência aqui no Catarse, é possível afirmar que se candidaturas forem financiadas por legiões de pessoas físicas e não por poucas empresas, a cobrança em cima dos candidatos será, no mínimo, diferente. Acreditamos que será um exercício de prática cidadã e mais de acordo com o que uma democracia prega. Teremos duas camadas de cobrança do cumprimento do que foi prometido em campanha: a do voto, soberana e principal delas, e a dos financiadores. Situações como a da construtora Andrade Gutierrez, que doou para diversas candidaturas em 2014 com cifras superiores a R$ 20 milhões para cada um dos principais presidenciáveis, não aconteceriam.

Num modelo restrito apenas a pessoas físicas isso provavelmente não teria espaço, e nem mesmo faria muito sentido. Segundo pesquisa que realizamos em 2013, a identificação com a causa é o principal fator de apoio a um projeto, seguido da confiança no potencial do realizador. Por que você doaria a um candidato com o qual você não se identifica? No modelo atual, esse tipo de aberração ideológica não só acontece, como acontece com cifras bem volumosas.

Outro ponto importante é que, assim como num projeto de financiamento coletivo que não cumpre o que foi descrito, um governo ou gestão ruim significariam menos apoio financeiro em eventuais tentativas subsequentes. O contrário é muito mais animador e favorece o apreço pelo cumprimento do que é prometido, característica escassa em grande parte dos políticos nos dias de hoje.

Aqui no Catarse, um realizador de campanha de crowdfunding que entrega de maneira adequada e condizente com o que foi colocado em seu projeto, tem altas taxas de aderência de apoiadores em seus projetos subsequentes. Para exemplificar, 75% dos recursos arrecadados por Felipe Cagno em seu sexto projeto, A Ruiva 2, vieram de apoiadores de seus 5 projetos projetos anteriores. Em Classified #01, sétimo projeto do autor que está com a campanha aberta a contribuições, 70% dos recursos levantados até o momento são provenientes de apoiadores de seus 6 projetos anteriores. Agora imagine esse mesmo mecanismo, só que aplicado aos políticos! Só sobrevive quem faz um bom trabalho e demonstra respeito por seus apoiadores.

Se tudo que foi descrito acima vier acompanhado de plataformas que prezem pela transparência dos dados e por uma comunicação facilitada com o candidato, os impactos podem ser ainda maiores. Ao vislumbrar um futuro possível onde essa prática do crowdfunding se consolidou, é possível se encher com otimismo, outro recurso cada vez mais escasso na sociedade. É possível imaginar um cenário político muito mais favorável a quem deseja realmente seguir o que foi prometido aos eleitores. Um panorama propício a quem de fato se comunica intensamente e de forma transparente com suas bases de apoiadores. É nesse ambiente promissor que apostamos e por isso gostaríamos muito de ver testes desse conceito em curso, como as eleições municipais que acontecerão esse ano no Brasil.

Dificuldades e entraves

Mas é importante que o debate vá além do sonho e da utopia, e que os orgãos responsáveis por acelerar esse processo no contexto de hoje se posicionem. Em ambas consultas ao TSE, em 2014 pelo deputado Jean Wyllys (PSOL-RJ) e mais recentemente, em 2016,  por Alexandre Molon (Rede -RJ) , o órgão negou a possibilidade de que candidatos utilizassem plataformas existentes para viabilizar suas campanhas de financiamento coletivo. Na segunda consulta o TSE nem mesmo analisou o pedido alegando que nada mudou na justiça eleitoral desde 2014. Somente são permitidas arrecadações em sites próprios dos candidatos e sem "intermediários", como descreve o ministro Henrique Neves no parecer sobre a consulta de Wyllys.

“A legislação diz que o candidato, partido político ou coligação podem ter na página da internet mecanismo para que o eleitor possa, pela internet, fazer a doação. Não admite intermediários, que inclusive seriam remunerados por isso”

O problema aqui é simples: meios de pagamento online não são considerados intermediários?

Pois, ao que entedemos, são serviços que lucram com transações financeiras online e intermediariam os pagamentos entre eleitor e candidato. Nitidamente há uma zona cinza nesse argumento, é preciso definir melhor o que é um intermediário nesse processo. O tópico é passível de um debate mais qualitativo a ser empreendido pelo TSE, legisladores e sociedade civil. Em colocação mais recente sobre a consulta de Molon, apesar do TSE não ter mudado sua posição em relação a 2014, Neves argumenta:

“é realmente interessante porque agora, com a proibição das pessoas jurídicas, é necessário que se busquem novos meios para viabilizar que as pessoas físicas colaborem para as campanhas eleitorais”

O argumento de 'não previsto em legislação' é um beco sem saída que vai gerar mais atrasos do que benefícios. O modus operandi que rege o Estado e legisladores ainda é baseado na premissa do 'vamos antecipar tudo antes de acontecer', abordagem dispendiosa, lenta e ineficiente. A noção de 'vamos fazer pequenos testes e buscar os problemas essenciais de serem atacados'  parece mais ousada, moderna e geraria mais rapidez, conhecimento e aprendizado sobre o processo.

Iniciativas inspiradoras

Esperamos que as eleições municipais desse ano possam seguir essa lógica de experimentação para que possamos ver evoluções mais claras para as eleições seguintes. Ainda assim, o ponto é que a inovação social não segue a velocidade legislativa e é preciso que agentes do Estado entendam isso. Muitos mecanismos jurídicos são remendos ou leis que têm suas bases em um período quando sequer tínhamos a internet. Não estamos em 1988. Estamos em 2016. Se mantido, esse anacronismo vai nos levar a lugares ruins e é preciso criar mecanismos mais ágeis para absorver as velozes mudanças que vêm por aí.

O crowdfunding aplicado para a política é só uma delas.

Para finalizar, listinha de casos onde o crowdfunding foi ou está sendo utilizado para a política de maneira muito interessante!

1- ActBlue e a Campanha de Bernie Sanders

Plataforma que atua nos Estados Unidos desde 2004 e é focada em entregar uma solução tecnológica versátil para que políticos Democratas e progressistas de todo os EUA tenham a possibilidade de levantar fundos para campanhas políticas. Destaque para Bernie Sanders, que utilizou o serviço do ActBlue em seu site oficial e consistentemente levantou mais dinheiro que Hillary Clinton durante 4 meses seguidos apenas com doações cujo ticket médio era de apenas de US$ 27. Mais de 2.4 milhões de doadores contribuíram para a campanha e você pode ver o site com o resumo da trajetória de Sanders no financiamento coletivo aqui. Sanders inclusive ultrapassou a lendária campanha de Obama em 2008, quando o atual presidente dos EUA conseguiu a marca de 1 milhão de doações online de indivíduos. Animador! Foi interessante observar a trajetória de Sanders nos EUA, país que ainda permite doações de empresas. Mesmo sem recorrer aos doadores milionários, Sanders teve performance superior em termos de arrecadação de recursos. Foi possível constatar como o poder do financiamento coletivo é sim uma força política a ser desenvolvida. Temos um caso de sucesso claro que prova o crowdfunding como instrumento útil para substituir o financiamento empresarial de campanhas e envolver a população no processo político. Sanders saiu da corrida presidencial e declarou seu endosso à candidata Hillary Clinton.

2- Voto Legal

Iniciativa brazuca com alguma similaridade com o ActBlue, criada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral e App Cívico, com apoio do Instituto Arapyaú. É uma promessa interessante para as eleições municipais desse ano. Foi lançada recentemente e  está aberta a cadastros de candidatos. É justamente uma plataforma para que políticos "Ficha Limpa" possam arrecadar recursos junto aos seus eleitores. Mas pode no Brasil? Segundo Ariel Kogan, um dos coordenadores da iniciativa, é sim permitido devido ao funcionamento específico da plataforma. Ele explica essa e outras questões nesse excelente post da jornalista Natália Garcia e também em recente artigo escrito por ele e Ana Carolina Evangelista para o Nexo. Orgulhinho catártico por saber que a plataforma é desenvolvida com tecnologia de software livre , blockchain e apoiada no código e usabilidade do Catarse (também software livre). :D

3- Categoria de Política do IndieGogo

Diferente dos exemplos acima citados, nesse item podemos ver a população usando o financiamento coletivo para manifestar-se em relação ao cenário político. Construir um muro fictício através de uma intervenção artística na Convenção do candidato Trump. Firmar ao mundo com bandeiras que a Escócia não aceita o Brexit. Aplicativos para simplificar o fazer político e cívico de cidadãos. Você encontra esse tipo de projeto na categoria Política do IndieGoGo, uma das maiores plataformas crowd do mundo. Já estudamos incluir essa categoria em nosso escopo dado que já é possível encontrar projetos como esses no Catarse. Projetos em que a sociedade civil se manifesta através do financiamento coletivo para realizar atos políticos. O exemplo mais recente é o projeto “Jornada pela Democracia”, atual recordista do Catarse em todos os quesitos.

4-  Lawrence Lessig, Fix Democracy First e o Citzens Equality Act

Um dos fundadores do Creative Commons, Lawrence Lessig, fez uma proposta: se conseguisse financiar coletivamente 1 milhão de dólares, concorreria a presidente dos EUA. Conseguiu a marca em menos de 1 mês através da doação de 8 mil pessoas. O objetivo? Levar a pauta de que é necessário "consertar a democracia" (Fix Democracy First) ao principal palco político dos Estados Unidos. Lessig formulou o Citzens Equality Act, um conjunto de leis que visa reformar o sistema de voto e financiamento de campanhas nos Estados Unidos e inclui a retirada e proibição do financiamento empresarial para campanhas políticas. Lessig teve de sair das corridas presidenciais devido a mudanças de regra do partido dos Democratas. No entanto, trouxe o debate à tona e levou candidatos como Hillary Clinton e Bernie Sanders a adereçar a questão do financiamento de campanhas em suas propostas de governo. Vale assistir ao TED abaixo em que Lessig explica a realidade democrática de um Estados Unidos que lembra em muito o nosso Brasil.

 

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