A revolução digital do 3º milênio modificou rapidamente o modelo de negócios há décadas estabelecidos por grandes indústrias como a fonográfica e a cinematográfica. O jornalismo também não escapou.
Com o fortalecimento da internet, as verbas publicitárias, que tradicionalmente financiaram jornais e revistas, começaram a migrar para os meios digitais. O ano de 2012 marcou o momento em que a receita publicitária do Google passou a de todos os jornais ou de todas as revistas dos EUA. No Brasil, o cenário segue na mesma direção. A receita em queda obrigou as empresas de comunicação a demitir jornalistas e diversificar os negócios.O veículo impresso está em crise. O jornalismo não. Assim como sempre haverá música e cinema, independentemente dos grandes produtores, o jornalismo é autônomo em relação aos grandes meios. É nesse momento de transição que o surge no Catarse o canal O Sujeito.Lançado na semana passada, o espaço reúne projetos de financiamento coletivo de conteúdo jornalístico independente. A dinâmica é simples: os autores apresentam suas ideias de pautas e como pretendem desenvolvê-las, qual será o custo e o prazo de produção e as pessoas interessadas apóiam diretamente o jornalista.Qualquer pessoa poderá apresentar projetos de reportagens, não será preciso ser jornalista diplomado. As propostas passarão pela curadoria técnica dos gestores do canal e, caso sejam aprovadas, ficarão online por até 60 dias para receber apoio financeiro direto dos leitores interessados. Os apoiadores recebem acesso ao conteúdo em primeira mão e outras contrapartidas de acordo com a faixa de contribuição de cada um.Os quatro primeiros de muitos bons projetos:Homens-placa, Cidade-torre - O que os "homens-placa" e o uso do seus corpos para anunciar os novos empreendimentos imobiliários de São Paulo nos revelam sobre o país e a cidade que estamos construindo? Quem são, de onde vem, quanto ganham, como trabalham? O que este estágio avançado do ser tornado coisa nos diz sobre a cidade tornada torre?Ecovilas do Brasil - Documentário sobre o que são e como funcionam oito ecovilas de diferentes regiões do Brasil. O objetivo é entender os aspectos e valores que essas novas formas de organização comunitária trazem e que propostas fazem para mudar o paradigma do modelo civilizatório moderno.Felicidade S.A. - Temporada inicial de três meses de conteúdo da plataforma digital Felicidade S.A., criada pelo jornalista Alexandre Teixeira para investigar boas práticas e ideias que tenham melhorado as empresas para seus colaboradores, soluções para problemas comuns das companhias brasileiras e projetos que ensinem a como aproveitar o potencial das equipes.Escola Livre de Jornalismo Énois - A Énois é uma plataforma online que quer oferecer cursos online gratuitos de jornalismo para democratizar o acesso à educação de qualidade para jovens do ensino médio e baixa renda.O aprendizado dos pioneirosAntes mesmo de grandes plataformas atuais como Indiegogo e Kickstarter entrarem no ar, em 2008 o Spot.us já incentivava o jornalismo regional, independente e investigativo com o financiamento coletivo. Mais de 250 histórias foram realizadas através da contribuição direta dos leitores interessados no assunto. Hoje, a plataforma deu uma parada até junho de 2014 para reformulação.Esses pioneiros mostraram como esse novo modelo promovia uma conexão direta entre autor e leitor, provocando um aumento da exigência da correção da apuração e da honestidade da reportagem, uma vez que não havia mais uma instituição intermediando essa relação. Outro aspecto é de que nos veículos tradicionais, por mais pesquisas com leitores que se fizesse, a sensação era de escrever para uma massa disforme. Enquanto que no financiamento coletivo os repórteres passaram a se relacionar com cada um dos seus leitores, entender claramente para quem escreviam e ouvir suas críticas.O tio Kick não tem uma categoria específica de jornalismo, mas cerca de 5.200 projetos de publicação foram financiados e juntos levantaram quase U$ 50 milhões. No Catarse, jornalismo é a nona categoria com mais projetos. Foram 55, dos quais 29 (53%) alcançaram a meta de arrecadação. Ao todo, cerca de 5.000 pessoas colaboraram com mais de R$ 500 mil para essas iniciativas.Um marco de referência da categoria é o projeto Reportagem Pública. A Agência Pública levantou quase R$ 60 mil para distribuir microbolsas para que jornalistas realizassem 12 reportagens investigativas. Ao contribuir com o projeto, o apoiador passava a integrar o conselho editorial e ganhava o direito de, em um site especial, votar quais das 48 propostas pré-selecionadas deveriam ser feitas.Das 12 reportagens financiadas coletivamente, quatro já foram publicadas:Transposição do rio São Francisco: via de mão única - A repórter Marcia Dementshuk e o fotógrafo Mano de Carvalo contam a história do maior empreendimento de infraestrutura hídrica do Brasil: a transposição do Rio São Francisco. São mais de 600km de águas desviadas por um projeto orçado em mais de R$ 8 bilhõesDesaparecidos e esquecidos - Segundo dados do Instituto de Segurança Pública, entre novembro de 2012 e outubro de 2013 foram registrados 6.034 desaparecimentos no Rio de Janeiro. Para especialistas, a queda dos números de homicídios praticados por agentes do Estado impactou diretamente no aumento de desaparecimento, como o caso do pedreiro Amarildo.Morri na Maré - Um minidocumentário sobre o impacto da violência nas crianças do Complexo da Maré.Dá para beber esse água? - A repórter Anne Vigna investigou a água que consumimos para revelar os perigos que se escondem na água que bebemos. Tanto a que chega pela torneira como a mineral podem ter uma série de contaminantes que, no longo prazo, são um risco à saúde. A jornalista foi atrás para saber como ocorre o tratamento e até que ponto os dados sobre a qualidade são públicos.Os autores de uma das 48 sugestões de pautas pré-selecionadas pela Pública e que não ficaram entre as 12 mais votadas pelo conselho editorial não desistiram do financiamento coletivo para realizar sua reportagem. A partir dos 30 anos do livro “Brasil: Nunca Mais”, Ana Castro e Gabriel Mitani queriam fazer um documentário para discutir a tortura e a violência institucionalizada ontem e hoje. Mesmo sem terem sidos escolhidos, eles lançaram um projeto diretamente pelo Catarse. O projeto Coratio está no ar neste momento e você pode ajudá-los na construção da história que precisamos contar e da qual não podemos nos esquecer.Nós acreditamos que o financiamento coletivo possa ser uma solução interessante para esse período de transição do modelo de negócios e provocar um aprendizado para o amadurecimento tanto de repórteres como de leitores. A jornalista e pesquisadora da PUC-RS Marcela Donini acaba de publicar um e-book sobre como o financiamento coletivo pode ajudar o jornalismo, uma referência bacana para quem quiser se aprofundar no assunto.