Por que somos tão fascinados por histórias de horror?

Um dos grandes mistérios que rondam a humanidade é o nosso interesse no horror. O fascínio por histórias que exploram o imaginário e nos permitem visualizar até onde vai a condição humana e os moldes do fazer criativo, seja ele literário, cinematográfico ou qualquer outro modo de colocar em foco o espanto. No entanto, as perguntas que ficam são: por que gostamos tanto de histórias que nos fazem sentir medo? O que há de tão especial em narrativas sobre fantasmas, demônios e vampiros?

A ciência explica

Obviamente existe a explicação científica por esse nosso interesse genuíno, principalmente pelo modo como nossos sentidos se tornam ainda mais aguçados quando lemos histórias assim. É preciso que o leitor fique plenamente preso na história para não perder nenhuma pista, como se vivêssemos em um constante plot twist que garante uma novidade a cada virar de página ou cada cena.

O horror enquanto Catarse

No entanto, existe também a explicação que beira ao filosófico e que coloca o horror enquanto um espaço de libertação das nossas emoções. Ao explorar o conceito de catarse, Aristóteles evidencia que o ser humano tem um desejo de se aproximar daquilo que o assusta, por meio dessa experiência, o indivíduo escolhe entrar em contato com situações que provocam medo ou desconforto, seja assistindo a uma tragédia ou, neste caso, lendo sobre ela. O filósofo argumentava que a representação de acontecimentos dolorosos no teatro despertava, inicialmente, sentimentos de medo e compaixão no público, para então possibilitar a purificação ou liberação dessas emoções.

No campo literário, esse interesse tomou forma no final do século XVIII, quando Horace Walpole publicou O castelo de Otranto (1794), obra considerada o marco inicial do gótico. Pouco depois, Frankenstein (1818), de Mary Shelley, e Carmilla (1872), de Sheridan Le Fanu, expandiram o gênero, explorando o medo sob perspectivas filosóficas e de gênero. O ciclo se consolidou com Drácula (1897), de Bram Stoker, e continua a se reinventar em autores contemporâneos como Stephen King, Mariana Henríquez e Tananarive Due, mantendo vivo o encanto ancestral que o terror exerce sobre o imaginário coletivo.

SAIBA MAIS: Horror, terror e folk horror: qual a diferença?

O horror enquanto espaço político

Obviamente há também o teor político que o horror pode carregar, afinal, grupos historicamente marginalizados encontram no horror uma nova forma de narrar sobre o medo e aqueles que são as figuras dignas de espanto. Nesse sentido, a monstruosidade ganha outro significado, se ela é construída a partir da lógica do outro ser diferente, nas histórias de horror o monstro tem controle da narrativa, e quando esse monstro é produzido por uma lógica que não é ocidental, branca ou padrão, o monstro muitas das vezes pode ser a branquitude, o capitalismo, capacitismo entre outros.

Um dos maiores exemplos dessa questão é o trabalho proposto por Robin R. Means Coleman no seu livro e documentário Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror (2019), tanto o livro quanto o documentário exploram a crítica das representações negras no cinema de terror, indo além da simples catalogação de obras para discutir as estruturas raciais que moldam o gênero. A autora relaciona os conceitos de raça, identidade e poder, mostrando como o terror funciona tanto como instrumento de exclusão quanto como espaço de resistência.

Coleman foca em estabelecer a definição do que poderia ser o “horror negro” como categoria analítica, capaz de expor as intersecções entre cultura popular e racialização. Para ela, compreender a figura negra no terror exige reconhecer as dinâmicas históricas de marginalização que atravessam a sociedade, em diálogo com os estudos pós-coloniais e culturais. Ela sustenta que o cinema de terror historicamente negou a presença negra plena, limitando personagens a estereótipos ou à ausência. Essa exclusão, longe de ser apenas estética, revela um processo de silenciamento cultural que reforça hierarquias raciais. O livro evidencia como a negritude foi associada à monstruosidade e à ameaça, vínculos que ainda persistem nas narrativas atuais. Como ela mesmo menciona:

“O terror continua sendo um estudo sobre racismo, exoticismo e neocolonialismo para as pessoas negras, que são excluídas das imagens ocidentais de iluminação e ao mesmo tempo subordinadas a um sistema primitivo de imagens — políticas, econômicas, culturais, religiosas e sociais.” (COLEMAN, 2019, p. 404-405).

De modo que o horror pode ser visto como um espaço de catarse, de análise filosófica mas também para debates políticos que devem caminhar lado a lado com o avanço da nossa história.

LEIA TAMBÉM: Poderes das Trevas: a enigmática versão estendida de Drácula

Caso você seja uma das pessoas interessadas neste debate, ou em histórias que causam arrepios, separamos alguns projetos que você vai amar!

Raízes do Horror

O projeto é idealizado por Dayhara Martins, criadora de conteúdo nas redes sociais que foca em estabelecer um debate sobre o horror a partir da perspectiva de raça, classe e gênero. Bimestralmente os assinantes do clube selecionam uma obra de horror para leitura e dialogam a partir dos atravessamentos dessa perspectiva. Além disso, o clube ainda conta com uma segunda categoria para aqueles que têm apenas interesse em uma leitura com foco em racialidade.

Clube Enevoada

O projeto de Milena Enevoada promove um debate um pouco mais amplo, que não lê apenas horror, mas sim leituras racializadas. No entanto, como fã de carteirinha de narrativas que causam arrepios, neste mês de outubro Milena está promovendo a Maratona de Halloween e vale muito a pena!

Frankenstein & Um Cântico de Natal Ilustrados

A Editora Wish é conhecida por suas belas edições e pelos projetos de financiamento coletivo que encantam os leitores. Neste mês de outubro a editora conta com dois projetos especiais em uma campanha só! Frankenstein, um clássico que reimaginou o horror e a ficção científica escritos por uma mulher, e um Cântico de Natal, outra narrativa que todo leitor é apaixonado! O projeto em si conta com a colaboração de nomes como Carlos Primati, Caroline Murta e Regiane Winarski.

Gostou dessas dicas? Deixe aqui suas sugestões e compartilhe conosco porque o horror encanta tanto você!

Dayhara Martins
Redatora e revisora, fala de livros na internet há mais de 10 anos. Criadora do Raízes do Horror, um clube de leitura que foca em literatura de horror com o olhar para raça, classe e gênero.

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Por que somos tão fascinados por histórias de horror?

Um dos grandes mistérios que rondam a humanidade é o nosso interesse no horror. O fascínio por histórias que exploram o imaginário e nos permitem visualizar até onde vai a condição humana e os moldes do fazer criativo, seja ele literário, cinematográfico ou qualquer outro modo de colocar em foco o espanto. No entanto, as perguntas que ficam são: por que gostamos tanto de histórias que nos fazem sentir medo? O que há de tão especial em narrativas sobre fantasmas, demônios e vampiros?

A ciência explica

Obviamente existe a explicação científica por esse nosso interesse genuíno, principalmente pelo modo como nossos sentidos se tornam ainda mais aguçados quando lemos histórias assim. É preciso que o leitor fique plenamente preso na história para não perder nenhuma pista, como se vivêssemos em um constante plot twist que garante uma novidade a cada virar de página ou cada cena.

O horror enquanto Catarse

No entanto, existe também a explicação que beira ao filosófico e que coloca o horror enquanto um espaço de libertação das nossas emoções. Ao explorar o conceito de catarse, Aristóteles evidencia que o ser humano tem um desejo de se aproximar daquilo que o assusta, por meio dessa experiência, o indivíduo escolhe entrar em contato com situações que provocam medo ou desconforto, seja assistindo a uma tragédia ou, neste caso, lendo sobre ela. O filósofo argumentava que a representação de acontecimentos dolorosos no teatro despertava, inicialmente, sentimentos de medo e compaixão no público, para então possibilitar a purificação ou liberação dessas emoções.

No campo literário, esse interesse tomou forma no final do século XVIII, quando Horace Walpole publicou O castelo de Otranto (1794), obra considerada o marco inicial do gótico. Pouco depois, Frankenstein (1818), de Mary Shelley, e Carmilla (1872), de Sheridan Le Fanu, expandiram o gênero, explorando o medo sob perspectivas filosóficas e de gênero. O ciclo se consolidou com Drácula (1897), de Bram Stoker, e continua a se reinventar em autores contemporâneos como Stephen King, Mariana Henríquez e Tananarive Due, mantendo vivo o encanto ancestral que o terror exerce sobre o imaginário coletivo.

SAIBA MAIS: Horror, terror e folk horror: qual a diferença?

O horror enquanto espaço político

Obviamente há também o teor político que o horror pode carregar, afinal, grupos historicamente marginalizados encontram no horror uma nova forma de narrar sobre o medo e aqueles que são as figuras dignas de espanto. Nesse sentido, a monstruosidade ganha outro significado, se ela é construída a partir da lógica do outro ser diferente, nas histórias de horror o monstro tem controle da narrativa, e quando esse monstro é produzido por uma lógica que não é ocidental, branca ou padrão, o monstro muitas das vezes pode ser a branquitude, o capitalismo, capacitismo entre outros.

Um dos maiores exemplos dessa questão é o trabalho proposto por Robin R. Means Coleman no seu livro e documentário Horror Noire: A Representação Negra no Cinema de Terror (2019), tanto o livro quanto o documentário exploram a crítica das representações negras no cinema de terror, indo além da simples catalogação de obras para discutir as estruturas raciais que moldam o gênero. A autora relaciona os conceitos de raça, identidade e poder, mostrando como o terror funciona tanto como instrumento de exclusão quanto como espaço de resistência.

Coleman foca em estabelecer a definição do que poderia ser o “horror negro” como categoria analítica, capaz de expor as intersecções entre cultura popular e racialização. Para ela, compreender a figura negra no terror exige reconhecer as dinâmicas históricas de marginalização que atravessam a sociedade, em diálogo com os estudos pós-coloniais e culturais. Ela sustenta que o cinema de terror historicamente negou a presença negra plena, limitando personagens a estereótipos ou à ausência. Essa exclusão, longe de ser apenas estética, revela um processo de silenciamento cultural que reforça hierarquias raciais. O livro evidencia como a negritude foi associada à monstruosidade e à ameaça, vínculos que ainda persistem nas narrativas atuais. Como ela mesmo menciona:

“O terror continua sendo um estudo sobre racismo, exoticismo e neocolonialismo para as pessoas negras, que são excluídas das imagens ocidentais de iluminação e ao mesmo tempo subordinadas a um sistema primitivo de imagens — políticas, econômicas, culturais, religiosas e sociais.” (COLEMAN, 2019, p. 404-405).

De modo que o horror pode ser visto como um espaço de catarse, de análise filosófica mas também para debates políticos que devem caminhar lado a lado com o avanço da nossa história.

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Caso você seja uma das pessoas interessadas neste debate, ou em histórias que causam arrepios, separamos alguns projetos que você vai amar!

Raízes do Horror

O projeto é idealizado por Dayhara Martins, criadora de conteúdo nas redes sociais que foca em estabelecer um debate sobre o horror a partir da perspectiva de raça, classe e gênero. Bimestralmente os assinantes do clube selecionam uma obra de horror para leitura e dialogam a partir dos atravessamentos dessa perspectiva. Além disso, o clube ainda conta com uma segunda categoria para aqueles que têm apenas interesse em uma leitura com foco em racialidade.

Clube Enevoada

O projeto de Milena Enevoada promove um debate um pouco mais amplo, que não lê apenas horror, mas sim leituras racializadas. No entanto, como fã de carteirinha de narrativas que causam arrepios, neste mês de outubro Milena está promovendo a Maratona de Halloween e vale muito a pena!

Frankenstein & Um Cântico de Natal Ilustrados

A Editora Wish é conhecida por suas belas edições e pelos projetos de financiamento coletivo que encantam os leitores. Neste mês de outubro a editora conta com dois projetos especiais em uma campanha só! Frankenstein, um clássico que reimaginou o horror e a ficção científica escritos por uma mulher, e um Cântico de Natal, outra narrativa que todo leitor é apaixonado! O projeto em si conta com a colaboração de nomes como Carlos Primati, Caroline Murta e Regiane Winarski.

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