Já faz alguns anos que o TikTok deixou de ser apenas uma plataforma de vídeos curtos e danças virais para se tornar um dos maiores impulsionadores de vendas de livros do mundo. Outros mercados como o da maquiagem, moda e lifestyle também observaram novas tendências surgirem pautadas pela rede.
Segundo relatório divulgado pelo próprio TikTok, mais de 5 milhões de empregos foram beneficiados por meio de uma conta business na plataforma apenas em 2024, e a rede social gerou mais de 15 bilhões de dólares em receita para pequenos negócios apenas nos Estados Unidos, em 2023. Mais da metade dos donos de pequenas empresas dizem que o TikTok permite que eles se conectem com clientes que não conseguem alcançar em nenhum outro lugar — e isso está aumentando as vendas significativamente.

O TikTok foi a primeira rede social, em muito tempo, que conseguiu bater de frente com outras gigantes e começou quase uma revolução digital numa era em que, cada vez mais, as plataformas estão centralizadas nas mãos de poucos indivíduos. No centro dessa mudança alguns mercados sentiram o impacto mais do que outros e o mercado editorial foi um deles.
O BookTok, como ficou conhecido o nicho literário dentro da plataforma, já reúne mais de 54 milhões publicações apenas dentro da #BookTok. O nicho concentra uma comunidade de leitores, criadores de conteúdo e autores que compartilham recomendações, resenhas, listas de leitura que têm pautado linhas editoriais, listas de mais vendidos e têm causado um impacto profundo no mercado editorial.
A potência do BookTok
Uma matéria recente do Estado de Minas discutiu como o TikTok vem transformando o consumo literário entre adolescentes e jovens adultos. Luiza Machado, Coordenadora de Inovações Pedagógicas do Elite Rede de Ensino, comenta que o TikTok tem cumprido um papel de vitrine literária poderosa, aproximando os estudantes dos livros por caminhos antes improváveis. Por conta da plataforma, a leitura passou a fazer parte das conversas cotidianas dos jovens, o que era mais raro até então.
O jornal The Economist já discorreu sobre a estética dos vídeos do BookTok e a forma como a plataforma mudou como livros são recomendados e vendidos. Recentemente a Amazon Brasil dedicou uma página no site para concentrar seleções de livros mais comentados nas redes sociais e indicações de influenciadores. Nos últimos anos, livrarias e e-commerces também já correram para criar estantes e totens com a #BookTok, editoras estampam o selo "sucesso do TikTok" em suas capas e metadados, e até mesmo painéis com criadores de conteúdo vindos da plataforma atraem centenas de leitores em eventos literários.
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Novos autores abocanharam uma parcela enorme do mercado, como Rebecca Yarros com o fenômeno global Quarta Asa, e autores com mais tempo de carreira viram uma nova onda de sucesso alavancar suas vendas e lançamentos. Até mesmo grandes clássicos da literatura, como as obras de Machado de Assis, ganharam um novo fôlego entre gerações mais novas e mercados fora do Brasil.
Nos Estados Unidos o impacto do TikTok nas vendas de livros viu seu estrondoso início durante a pandemia. No Reino Unido, a plataforma foi responsável por dar um respiro até mesmo para livrarias independentes, que puderam se conectar com leitores e consumidores, tanto em conteúdo postado online quanto em adaptação de estoque e catálogo.
Autores também se viram na posição de abraçar mais uma função: a de criar conteúdo. Além da pressão de escrever livros para se tornarem virais na plataforma, os autores também foram colocados no centro da produção de conteúdo. Alguns deles, como Victoria Aveyard e Brandon Sanderson postam vídeos de forma constante e conseguem se conectar com seu público, majoritariamente presente e engajado na rede social.
O TikTok ajudou a mudar um pouco o cenário para autores que já tinham livros publicados, aumentando ainda mais a presença de títulos de cauda longa nas listas de mais vendidos - algo que já é comum no mercado editorial - mas também ajudou a pautar tendências editoriais.
Gêneros como a Romantasia, os livros de colorir e distopias encontraram espaço e fizeram editoras reformularem seus catálogos e direcionar esforços para conseguir chegar no público sedento por novos títulos. Um exemplo disso é a entrada de selos editoriais como a Bloom Books, que chegou ao Brasil no guarda-chuva da Companhia das Letras para ocupar esse nicho do mercado, extremamente movido pelo BookTok.
Em resumo, é inegável que o TikTok tenha alterado consideravelmente o mercado editorial comercial nos últimos anos, tanto aqui no Brasil quanto no mundo. A rede também é responsável não apenas por uma mudança no comportamento do consumo, que coloca nas mãos dos influenciadores e dos leitores a autonomia de buscar as recomendações de leitura, mas também mudou a maneira com a qual o nicho produz e consome conteúdo.
A mudança na produção de conteúdo
Por muitos anos o conteúdo por si só era considerado a parte mais importante das redes sociais. O perigo dessa lógica é transformar aqueles que criam conteúdo de forma massiva em commodities, precarizando o trabalho de creators, esvaziando temáticas e saturando não apenas o mercado como um todo, mas a maneira com a qual as pessoas olham para o que é compartilhado online. A chegada de conteúdos gerados e filtrados por inteligências artificiais acelerou ainda mais esse desgaste.
Além disso, creators começaram a perceber que não são realmente donos dos relacionamentos com seus próprios fãs em muitas das principais plataformas. Eles não têm e-mails ou informações de contato e são submetidos a uma lógica de produção de conteúdo cada vez mais frequente para poder crescer o público e, além disso, torcer para que seu trabalho de fato chegue à comunidade já conquistada.
As redes sociais, antes centradas no crescimento exponencial e no alcance massivo, agora veem um movimento inverso: a valorização de nichos, conexões autênticas e comunidades engajadas. Nos últimos anos estamos observando uma mudança na produção de conteúdo e vendo a era dos seguidores chegar a um fim. Em um ambiente digital saturado de informação, as comunidades online surgem como pontos de resistência contra o consumo raso e impulsivo.

Os booktokers descobrem o financiamento coletivo
O crescimento dentro do TikTok também tem sido uma maneira de potencializar novas possibilidades de sustento na produção de conteúdo. Além de alavancar títulos e autores, o TikTok também é uma maneira de consolidar criadores literários dentro do mercado de influência.
O TikTok, para diversos criadores, além do cartão de visita e principal rede de trabalho, também passou a ser um topo de funil para rentabilizar o conteúdo e se aproximar mais dos fãs mais engajados e que gostariam de apoiar mais seus influenciadores favoritos. Vários dos clubes de leitura criados por meio de plataformas de financiamento coletivo são extensões das temáticas e conteúdos abordados por esses criadores que fazem sucesso no TikTok. Conheça alguns deles:
- No boom da literatura de cura, que tem Tiago Valente como leitor assíduo um dos nomes mais conhecidos do BookTok, surge o Clube do Livro da Torta de Abóbora, ao lado de Mira Reco.
- Com livros de diferentes países ganhando novos fôlegos no mercado brasileiro, Anajú, que também acumula um grande público nas bookredes, chega com o clube da anajú, com foco em livros de nacionalidades diversas.
- Com anos de trabalho na internet falando sobre livros, cultura pop e rotina, Milena criou o clube Enevoada, visando se conectar ainda mais com sua comunidade de leitores com leituras coletivas e conteúdos exclusivos.
- Com foco em livros escritos por mulheres que escrevem sobre sentimentos femininos, o Tatá Book Clube traz possibilidades de encontros virtuais, sorteios e grupo de conversas.
- As bookredes ajudaram a abrir as portas para que autores e narrativas fora do eixo estadunidense e europeu pudessem chegar aos leitores certos e leituras coletivizadas e anticoloniais com experimentações criativas e reflexivas também ganham espaço no Clube Leituras Decoloniais. Por meio do financiamento coletivo, criadoras como Camilla Dias, Isa Souza, Pétala Souza e Maria Ferreira podem continuar mantendo a produção de conteúdo independente.
O financiamento coletivo se transforma em uma possibilidade de alimentar o ciclo do criador de conteúdo que: investe em sua produção independente > descobre novos livros e autores > apresenta essas indicações para a comunidade > gerencia clubes de leitura com base nessas descobertas literárias e no engajamento de sua própria comunidade > continua criando conteúdo.
Esse ecossistema ajuda a fomentar a comunidade criativa e mantém de pé uma estrutura que tem como objetivo a relação entre criador e comunidade. Ao transformar seguidores em apoiadores, o financiamento coletivo mostra que o futuro da literatura pode — e deve — ser construído a muitas mãos.