Entre silêncios e prateleiras vazias: o que faz um livro desaparecer?

Descubra como editoras independentes estão resgatando livros esquecidos do “limbo editorial” com o apoio do financiamento coletivo.

Todo leitor, em algum momento, já se deparou com um livro pelo qual se interessa muito, mas que deixou de ser publicado por quaisquer motivos; perdeu-se no “limbo editorial”, um lugar místico que pode ser acessado através de bibliotecas ou sebos, mas que no geral o público não consegue alcançar. É o “limbo editorial” o lar de diversas obras que são consideradas desaparecidas, mas há algum tempo desbravadores estão se aventurando por lá, buscando fazer o resgate dessas obras, adentrando o limbo e emergindo com novas obras para preencher as estantes de leitores que agora sabem como apreciar textos escritos há muito tempo e que não tinham ainda encontrado seu público.

O que você vai ler neste post:

📖 O que é o “limbo editorial” e por que tantos livros desaparecem com o tempo.

✨ Como decisões comerciais, censura e apagamentos históricos contribuem para isso.

📚 De que forma editoras independentes estão resgatando essas obras esquecidas.

🧭 O papel essencial do financiamento coletivo nesse processo.

💚 Projetos que estão trazendo de volta livros importantes e apagados.

Por que livros desaparecem?

Existem diversos fatores que resultam no desaparecimento de escritos. A principal delas é ligada ao velho esquema de procura e compra, ao mercado editorial e à lógica do lucro. Afinal de contas, editoras são empresas e suas decisões costumam ser tomadas tendo em vista o retorno financeiro esperado. Livros que não alcançam, por exemplo, um volume de vendas mínimo, são considerados economicamente inviáveis para serem reeditados ― é a causa que engloba, principalmente, obras acadêmicas, de nicho ou cujos autores não tenham grande reconhecimento.

Por falar em obras acadêmicas, são elas as que mais sofrem com a obsolescência de tema, ou seja, quando um livro acaba por se tornar desatualizado em virtude do desenvolvimento da informação e atualizações que acabam tornando o material irrelevante, fazendo com que a demanda por uma reedição cesse. Outras razões pelas quais uma obra cai no esquecimento são:

📖 Mudanças no catálogo editorial, quando um livro deixa de ser prioridade por não se encaixar no reposicionamento mercadológico do catálogo de uma editora;

📖 Encerramento de contrato com o autor, quando a cessão de direitos autorais vence e o contrato não é renovado, então a editora opta por simplesmente não republicar a obra;

📖 Custo de reedição, já que reeditar um livro envolve custos de revisão, diagramação, impressão e distribuição e às vezes essa reedição não tem um público garantido, tornando-se um tanto quanto arriscada.

A censura e o esquecimento ideológico

Não são só razões comerciais que fazem com que uma obra entre no “limbo editorial”. Na verdade, as motivações políticas e ideológicas são tão culpadas quanto o mercado. A censura, seja ela direta ou indireta, é uma realidade que permeia os mais diversos contextos. Por exemplo, em regimes autoritários ou períodos ditatoriais, livros podem ser apreendidos, ter sua circulação restringida ou até mesmo serem proibidos por criticarem o governo ou abordarem temas considerados tabus, como sexualidade, religião, política. No Brasil, durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985, várias obras foram censuradas ou retiradas de circulação por serem consideradas ameaças à ordem pública.

Mesmo em regimes democráticos existem formas de censura, já que editoras podem evitar publicar ou reeditar obras que possam sofrer com uma repercussão negativa, seja ela midiática ou na forma de boicote de leitores, além de risco de ações judiciais que possam surgir por difamação, ofensa moral ou religiosa. É uma forma de censura indireta e preventiva, que faz com que livros considerados problemáticos apenas “desapareçam” do mercado.

Por fim, existem livros ― como o aclamado clássico de Maria Firmina dos Reis, Úrsula, que passou por um período de esquecimento por conta da invisibilização da literatura negra e feminina no século XIX, ou então Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, que passou por um apagamento racial e de classe que resultou em um limbo ― que acabam por ser vítimas de mudanças ideológicas do mercado, ou seja, uma vez muito celebradas, essas obras acabam por passar para o “limbo editorial” por hostilidade cultural.

Leia também: Projetos no Catarse que te ajudarão a ser ativamente antirracista

O resgate literário pelas editoras independentes

A boa notícia é que cada vez mais editoras independentes estão fazendo o caminho inverso e resgatando obras uma vez abandonadas. Para o sucesso, as editoras apostam em uma curadoria editorial consciente, focando em nichos literários que sofreram repressão em algum momento da história, como literatura negra, feminista, decolonial ou LGBTQIAP+, por exemplo; o trabalho com financiamento coletivo é outro ponto fundamental, além de contar com as redes sociais para divulgar o trabalho e assim encontrar o público que vai ser atraído para aquela obra; por fim, a abertura ao diálogo com movimentos sociais, estudantis e com a academia faz com que o debate social contemporâneo seja impulsionado.

Ao usar o financiamento coletivo, as editoras conseguem viabilizar projetos que não são extremamente comerciais, como reedições de autores desconhecidos, ensaios críticos ou clássicos que foram esquecidos, que dificilmente seriam assumidos por grandes editoras que não gostam de correr o risco sem ter a certeza de retorno e, com o financiamento coletivo, o risco financeiro é substancialmente reduzido, já que os custos de produção são custeados previamente pelos apoiadores que acreditam no potencial desses projetos.

Também é importante ressaltar que há a formação de uma comunidade em torno daquela obra, já que ele “nasce” com todo um público já engajado, que passam a divulgar organicamente o projeto, o que é poderosíssimo na hora de resgatar uma obra que passou um tempo no “limbo editorial”, mas que conta com valor histórico, cultural e político. A independência das decisões de grandes conglomerados editoriais é mais um benefício do financiamento coletivo através de plataformas como o Catarse.

✨ Conheça resgates históricos que estão no Catarse!

Um exemplo perfeito de editora que faz este trabalho de resgate é a editora O Grifo, que já teve projetos dentro do Catarse para publicar livros inéditos de autores nacionais e atualmente está com o projeto O Rei Fantasma de Coelho Neto, uma obra da literatura gótica que foi considerada “perdida” por pesquisadores, mas que após 130 anos vem a público em uma edição de luxo que traz o texto integral, que nunca havia sido reeditado desde 1895, e conta com apresentação da pesquisadora Juliana Coelho Netto, bisneta do autor, resenhas de jornais da época e mais de cem notas explicativas.

Outras editoras independentes também usam o financiamento coletivo para o resgate de obras esquecidas, como a Editora Pedrazul, que resgata obras clássicas mundialmente consagradas em edições espetaculares, e a Pinard, cujo foco está em obras da América Latina que se perderam pelos anos afora. As duas editoras também estão com projetos vigentes na plataforma: a Pedrazul com "Daniel Deronda" e a Pinard com "A Morte de Artemio Cruz", ambos títulos resgatados do limbo editorial. Assim, pouco a pouco, cada nicho da literatura vai sendo trazido novamente à tona e encontrando seu espaço nas estantes de leitores ávidos que encontram seus novos livros favoritos através do resgate e curadoria feito cuidadosamente.

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Gostou? Compartilhe com os amigos para que mais pessoas conheçam os projetos e as editoras independentes que buscam resgatar obras literárias apagadas pela história.

Dayhara Martins
Redatora e revisora, fala de livros na internet há mais de 10 anos. Criadora do Raízes do Horror, um clube de leitura que foca em literatura de horror com o olhar para raça, classe e gênero.

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Todo leitor, em algum momento, já se deparou com um livro pelo qual se interessa muito, mas que deixou de ser publicado por quaisquer motivos; perdeu-se no “limbo editorial”, um lugar místico que pode ser acessado através de bibliotecas ou sebos, mas que no geral o público não consegue alcançar. É o “limbo editorial” o lar de diversas obras que são consideradas desaparecidas, mas há algum tempo desbravadores estão se aventurando por lá, buscando fazer o resgate dessas obras, adentrando o limbo e emergindo com novas obras para preencher as estantes de leitores que agora sabem como apreciar textos escritos há muito tempo e que não tinham ainda encontrado seu público.

O que você vai ler neste post:

📖 O que é o “limbo editorial” e por que tantos livros desaparecem com o tempo.

✨ Como decisões comerciais, censura e apagamentos históricos contribuem para isso.

📚 De que forma editoras independentes estão resgatando essas obras esquecidas.

🧭 O papel essencial do financiamento coletivo nesse processo.

💚 Projetos que estão trazendo de volta livros importantes e apagados.

Por que livros desaparecem?

Existem diversos fatores que resultam no desaparecimento de escritos. A principal delas é ligada ao velho esquema de procura e compra, ao mercado editorial e à lógica do lucro. Afinal de contas, editoras são empresas e suas decisões costumam ser tomadas tendo em vista o retorno financeiro esperado. Livros que não alcançam, por exemplo, um volume de vendas mínimo, são considerados economicamente inviáveis para serem reeditados ― é a causa que engloba, principalmente, obras acadêmicas, de nicho ou cujos autores não tenham grande reconhecimento.

Por falar em obras acadêmicas, são elas as que mais sofrem com a obsolescência de tema, ou seja, quando um livro acaba por se tornar desatualizado em virtude do desenvolvimento da informação e atualizações que acabam tornando o material irrelevante, fazendo com que a demanda por uma reedição cesse. Outras razões pelas quais uma obra cai no esquecimento são:

📖 Mudanças no catálogo editorial, quando um livro deixa de ser prioridade por não se encaixar no reposicionamento mercadológico do catálogo de uma editora;

📖 Encerramento de contrato com o autor, quando a cessão de direitos autorais vence e o contrato não é renovado, então a editora opta por simplesmente não republicar a obra;

📖 Custo de reedição, já que reeditar um livro envolve custos de revisão, diagramação, impressão e distribuição e às vezes essa reedição não tem um público garantido, tornando-se um tanto quanto arriscada.

A censura e o esquecimento ideológico

Não são só razões comerciais que fazem com que uma obra entre no “limbo editorial”. Na verdade, as motivações políticas e ideológicas são tão culpadas quanto o mercado. A censura, seja ela direta ou indireta, é uma realidade que permeia os mais diversos contextos. Por exemplo, em regimes autoritários ou períodos ditatoriais, livros podem ser apreendidos, ter sua circulação restringida ou até mesmo serem proibidos por criticarem o governo ou abordarem temas considerados tabus, como sexualidade, religião, política. No Brasil, durante a ditadura militar, entre 1964 e 1985, várias obras foram censuradas ou retiradas de circulação por serem consideradas ameaças à ordem pública.

Mesmo em regimes democráticos existem formas de censura, já que editoras podem evitar publicar ou reeditar obras que possam sofrer com uma repercussão negativa, seja ela midiática ou na forma de boicote de leitores, além de risco de ações judiciais que possam surgir por difamação, ofensa moral ou religiosa. É uma forma de censura indireta e preventiva, que faz com que livros considerados problemáticos apenas “desapareçam” do mercado.

Por fim, existem livros ― como o aclamado clássico de Maria Firmina dos Reis, Úrsula, que passou por um período de esquecimento por conta da invisibilização da literatura negra e feminina no século XIX, ou então Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, que passou por um apagamento racial e de classe que resultou em um limbo ― que acabam por ser vítimas de mudanças ideológicas do mercado, ou seja, uma vez muito celebradas, essas obras acabam por passar para o “limbo editorial” por hostilidade cultural.

Leia também: Projetos no Catarse que te ajudarão a ser ativamente antirracista

O resgate literário pelas editoras independentes

A boa notícia é que cada vez mais editoras independentes estão fazendo o caminho inverso e resgatando obras uma vez abandonadas. Para o sucesso, as editoras apostam em uma curadoria editorial consciente, focando em nichos literários que sofreram repressão em algum momento da história, como literatura negra, feminista, decolonial ou LGBTQIAP+, por exemplo; o trabalho com financiamento coletivo é outro ponto fundamental, além de contar com as redes sociais para divulgar o trabalho e assim encontrar o público que vai ser atraído para aquela obra; por fim, a abertura ao diálogo com movimentos sociais, estudantis e com a academia faz com que o debate social contemporâneo seja impulsionado.

Ao usar o financiamento coletivo, as editoras conseguem viabilizar projetos que não são extremamente comerciais, como reedições de autores desconhecidos, ensaios críticos ou clássicos que foram esquecidos, que dificilmente seriam assumidos por grandes editoras que não gostam de correr o risco sem ter a certeza de retorno e, com o financiamento coletivo, o risco financeiro é substancialmente reduzido, já que os custos de produção são custeados previamente pelos apoiadores que acreditam no potencial desses projetos.

Também é importante ressaltar que há a formação de uma comunidade em torno daquela obra, já que ele “nasce” com todo um público já engajado, que passam a divulgar organicamente o projeto, o que é poderosíssimo na hora de resgatar uma obra que passou um tempo no “limbo editorial”, mas que conta com valor histórico, cultural e político. A independência das decisões de grandes conglomerados editoriais é mais um benefício do financiamento coletivo através de plataformas como o Catarse.

✨ Conheça resgates históricos que estão no Catarse!

Um exemplo perfeito de editora que faz este trabalho de resgate é a editora O Grifo, que já teve projetos dentro do Catarse para publicar livros inéditos de autores nacionais e atualmente está com o projeto O Rei Fantasma de Coelho Neto, uma obra da literatura gótica que foi considerada “perdida” por pesquisadores, mas que após 130 anos vem a público em uma edição de luxo que traz o texto integral, que nunca havia sido reeditado desde 1895, e conta com apresentação da pesquisadora Juliana Coelho Netto, bisneta do autor, resenhas de jornais da época e mais de cem notas explicativas.

Outras editoras independentes também usam o financiamento coletivo para o resgate de obras esquecidas, como a Editora Pedrazul, que resgata obras clássicas mundialmente consagradas em edições espetaculares, e a Pinard, cujo foco está em obras da América Latina que se perderam pelos anos afora. As duas editoras também estão com projetos vigentes na plataforma: a Pedrazul com "Daniel Deronda" e a Pinard com "A Morte de Artemio Cruz", ambos títulos resgatados do limbo editorial. Assim, pouco a pouco, cada nicho da literatura vai sendo trazido novamente à tona e encontrando seu espaço nas estantes de leitores ávidos que encontram seus novos livros favoritos através do resgate e curadoria feito cuidadosamente.

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