Gótico brasileiro e a reinvenção das mulheres

Com surgimento apontado no século XVIII na Inglaterra, a literatura gótica chamou atenção por misturar narrativas mais lentas e detalhistas, romance e uma atmosfera de terror, medo e aflição, além de uma ambientação sombria e personagens misteriosos. Seu início se deu na contrapartida dos valores racionalistas e materialistas da burguesia em ascensão. Por isso, muitos dos temas que são tratados no gótico são críticas ao período em que seus autores vivenciaram.

No Brasil, é comum pensar o gótico a partir do ponto de vista de autores homens, como Álvares de Azevedo, Cruz e Souza e Augusto dos Anjos, deixando cair no esquecimento o fato de que a literatura gótica atraiu especialmente as escritoras brasileiras oitocentistas. Realizar o resgate desta tradição é uma tarefa árdua, já que em todo lugar a profissão de escritor era amplamente reservada aos homens ― o abandono feminino do ambiente doméstico para realizar qualquer trabalho era abominável  ― mas, por sorte, existiram mulheres que desafiaram o molde patriarcal.

Júlia Lopes de Almeida, uma das autoras presentes na antologia. Foto/Reprodução.

Leia também: Horror, terror e folk horror: qual a diferença?

Mulheres que “tocam” o terror

Em suas obras, as góticas brasileiras demonstraram todo seu inconformismo à opressão da estrutura familiar e social da época. Suas narrativas frequentemente se passam em ambientes domésticos e abordam horrores familiares, como retornos fantasmagóricos que revelam violências perpetradas por figuras patriarcais — pais, padrastos, tios ou outros homens que, em vez de proteger, usavam seu poder para humilhar as heroínas.

É claro que a recepção crítica dos textos literários góticos produzidos por mulheres no período entre os séculos XVIII e XX foi hostil, mas se por um lado as autoras inglesas conquistaram o status profissional de escritoras, no Brasil a aversão patriarcal por mulheres que trabalhavam minou o incentivo à produção literária feminina. Os críticos literários contemporâneos ignoravam quaisquer literatura escrita por mulheres, colaborando para o apagamento histórico de diversas autoras.

A boa notícia é que o resgate da literatura gótica brasileira escrita por mulheres está sendo feito: a Editora O Grifo trouxe o livro Góticas brasileiras, a primeira antologia a reunir contos góticos e de horror de autoras brasileiras do fim do século XIX e início do século XX. Organizada por Ismael Chaves e Ana Paula Araújo, com apresentação de Ana Rüsche, essa edição traz histórias com fantasmas, assassinatos e pactos demoníacos de onze autoras. A seleção vai desde Júlia Lopes de Almeida, uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras cuja participação foi barrada pelos demais devido ao seu gênero, com grande produção literária difundida, até Marla de Albuquerque que, com exceção de algumas colaborações em jornal, não conta com nenhum dado biográfico.

Além dos treze contos da edição, o projeto traz contos extras que entrarão como metas estendidas, ampliando a lista de autoras mulheres que estão sendo trazidas à tona com seus escritos. Finalmente chegou a hora de por um fim à negligência que a historiografia apresentou a elas, inserindo-as na nossa história literária e no cânone literário brasileiro.

Gostou? Compartilhe com os amigos e torne o gótico de autoria feminina e nacional uma possibilidade cada vez mais real! 🦇

Dayhara Martins
Redatora e revisora, fala de livros na internet há mais de 10 anos. Criadora do Raízes do Horror, um clube de leitura que foca em literatura de horror com o olhar para raça, classe e gênero.

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Gótico brasileiro e a reinvenção das mulheres

Com surgimento apontado no século XVIII na Inglaterra, a literatura gótica chamou atenção por misturar narrativas mais lentas e detalhistas, romance e uma atmosfera de terror, medo e aflição, além de uma ambientação sombria e personagens misteriosos. Seu início se deu na contrapartida dos valores racionalistas e materialistas da burguesia em ascensão. Por isso, muitos dos temas que são tratados no gótico são críticas ao período em que seus autores vivenciaram.

No Brasil, é comum pensar o gótico a partir do ponto de vista de autores homens, como Álvares de Azevedo, Cruz e Souza e Augusto dos Anjos, deixando cair no esquecimento o fato de que a literatura gótica atraiu especialmente as escritoras brasileiras oitocentistas. Realizar o resgate desta tradição é uma tarefa árdua, já que em todo lugar a profissão de escritor era amplamente reservada aos homens ― o abandono feminino do ambiente doméstico para realizar qualquer trabalho era abominável  ― mas, por sorte, existiram mulheres que desafiaram o molde patriarcal.

Júlia Lopes de Almeida, uma das autoras presentes na antologia. Foto/Reprodução.

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Mulheres que “tocam” o terror

Em suas obras, as góticas brasileiras demonstraram todo seu inconformismo à opressão da estrutura familiar e social da época. Suas narrativas frequentemente se passam em ambientes domésticos e abordam horrores familiares, como retornos fantasmagóricos que revelam violências perpetradas por figuras patriarcais — pais, padrastos, tios ou outros homens que, em vez de proteger, usavam seu poder para humilhar as heroínas.

É claro que a recepção crítica dos textos literários góticos produzidos por mulheres no período entre os séculos XVIII e XX foi hostil, mas se por um lado as autoras inglesas conquistaram o status profissional de escritoras, no Brasil a aversão patriarcal por mulheres que trabalhavam minou o incentivo à produção literária feminina. Os críticos literários contemporâneos ignoravam quaisquer literatura escrita por mulheres, colaborando para o apagamento histórico de diversas autoras.

A boa notícia é que o resgate da literatura gótica brasileira escrita por mulheres está sendo feito: a Editora O Grifo trouxe o livro Góticas brasileiras, a primeira antologia a reunir contos góticos e de horror de autoras brasileiras do fim do século XIX e início do século XX. Organizada por Ismael Chaves e Ana Paula Araújo, com apresentação de Ana Rüsche, essa edição traz histórias com fantasmas, assassinatos e pactos demoníacos de onze autoras. A seleção vai desde Júlia Lopes de Almeida, uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras cuja participação foi barrada pelos demais devido ao seu gênero, com grande produção literária difundida, até Marla de Albuquerque que, com exceção de algumas colaborações em jornal, não conta com nenhum dado biográfico.

Além dos treze contos da edição, o projeto traz contos extras que entrarão como metas estendidas, ampliando a lista de autoras mulheres que estão sendo trazidas à tona com seus escritos. Finalmente chegou a hora de por um fim à negligência que a historiografia apresentou a elas, inserindo-as na nossa história literária e no cânone literário brasileiro.

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