Falar sobre histórias em quadrinhos é sempre muito satisfatório, mesmo que seja complicado.
O preconceito em cima da mídia ainda é grande e a ideia de que HQs são direcionadas às crianças ainda está estampado no senso comum. E quando nós artistas, pessoas não-brancas, LGBT+ , mulheres e/ou PCD 's, tentamos apresentar novas camadas que as histórias possuem, geralmente desencadeia outro tipo de preconceito: Racismo, misoginia, capacitismo, homofobia e muitos mais.
A ideia de olhar para o passado e buscar influências de grupos marginalizados, nos motiva a falar sobre materiais que são essenciais para a propagação consciente de um novo olhar sobre temas tão complexos como a representação e representatividade.
Por mais que as informações sejam escassas, conseguimos construir uma base informativa a fim de conectar diferentes públicos em diferentes tempos. Temos o exemplo da norte-americana, Jackie Ormes, considerada uma das primeiras mulheres negras quadrinistas que ingressou em jornais nos anos 30, onde lançou "Torchy Brown in Dixie to Harlem" ainda em um jornal só para pessoas negras, o Pittsburgh Courier.
Esse foi um período onde mulheres não tinham voz ativa em empregos e negros sequer podiam frequentar “lugares brancos” que ainda regidos por uma lei segregacionista. Agora, imagina ser mulher e preta, né? Esse ambiente gerou movimentos de inclusão nos meios jornalísticos e artísticos onde ambas profissões usavam de sua posição não só para denunciar o preconceito, mas para contarem suas próprias histórias diante suas vivências.
Para isso, alguns coletivos foram formados durante os anos, mais especificamente em 1947, o jornalista Orrin C. Evans fundou a All-Negro Comics, um nome bem sugestivo de criadores, editores, ilustradores e escritores negros para leitores negros. Junto de seu irmão, George J. Evans Jr, o artista John Terrell, e outros artistas que optaram por usar pseudônimos como: “Cooper”, “Cravat” e “Len”. Eles passaram a contar suas histórias em diversos gêneros, histórias de detetive, suspense, aventura e fantasia para primeiro ocupar esses espaços antes inexistentes, e sobrescrever uma representação negativa que negros e mulheres tinham nos quadrinhos.
A All-Negro Comics foi um marco para as HQ’s. O pioneirismo que inspirou a criação de personagens negros criados por negros e personagens mulheres criados e guiados por mulheres. Por mais que tivessemos muitos personagens negros dos anos 50 aos anos 80, a esmagadora maioria eram escritos por pessoas brancas, bem como cita o quadrinista Nabile Hage:
“A cultura predominante nos quadrinhos era uma perspectiva branca que era evidente tanto nos super-heróis brancos quanto nos chamados super-heróis negros. Se fossem negros, (os personagens) eram etnicamente incorretos - em aparência, fala e maneirismos. Eles foram desenvolvidos de uma perspectiva branca.”
Nabile foi um dos artistas que seguiu os passos de Evans quando integrou outro coletivo negro de quadrinhos já nos anos 90, a ANIA, em uma mesma época em que a Milestone Media estourava de sucessos como Super Choque e um elenco todo diversificado, também inspirada pela All-Negro Comics.
Um legado que segue vivo e nos motiva além de falar sobre quadrinhos; nos inspira a criá-los e principalmente a incentivar autores independentes com voz ativa e perspectivas criativas regidas pelo seu apoio aqui no Catarse. Uma plataforma que nos possibilita conhecer novos coletivos como o estúdio Cartumante que é integrado majoritariamente por mulheres.
Por exemplo, o novo quadrinho deste coletivo: No Andar de Baixo, um compilado de contos baseado em webtiras de suspense e terror psicológico, com uma boa dose de humor que segue os passos de Jackie Ormes, em que o protagonismo de mulheres em tiras e quadrinhos está cada mais presentes para quebrar o normativo programado em suas perspectivas.
Quem sabe então experimentar uma materialização dos nossos sonhos com uma boa dose de Ficção Científica, onde um aplicativo é capaz de registrar sonhos, criando uma plataforma de streaming para divulgá-los como filmes e nos tornar celebridades a partir do que nosso inconsciente expõe independente do que for criado, afinal, como diz o Adágio Popular: “Quem tem fama, deita na cama.” mas, conseguir dormir tranquilamente ja é outra história…
Mas apesar desses movimentos e coletivos propagarem a inclusão geral de forma igualitária, personagens PCD 's ainda são pouco explorados nos quadrinhos. Mas, não é como se fossem silenciados porque aqui no Catarse rola também a campanha de um magnífico conto belga que ganha voz através da arte de Didier Comés, com um protagonista mudo se aventurando em um mundo de fantasia com bruxas, florestas encantadas repleta de segredos obscuros e revelações de seu próprio passado, seguindo uma jornada de descoberta que vai do cenário sombrio em que vive, até o simples objetivo de conhecer o mar. Um quadrinho Onírico onde literalmente o Silêncio é o verdadeiro poder do protagonista.
Essa gama de perspectivas e possibilidades vem de uma longa luta reafirmando que os quadrinhos são uma inigualável forma de contar histórias. Uma mídia que nasceu de um conjunto de artes visuais como a pintura, fotografia e literatura, não pode continuar sendo alvo de um pré-conceito. Os quadrinhos possuem diversos gêneros e métodos diferentes de nos guiar através de suas páginas, onde os autores desabafam seus medos, desejos, amores e temores com pensamentos críticos e políticos capazes de informar e unir pessoas de gerações inteiras com um simples folhear de páginas.
Então não deixe de apoiar o trabalho desses artistas e editoras, procure conhecer outros projetos aqui pelo Catarse. Compartilhe essas ideias, sua contribuição é parte fundamental da história por trás das histórias em quadrinhos.