“As flores que plantei”: a beleza e a potência da favela através das lentes de Rafael Freire

Casas empilhadas e sobrepostas, ruas estreitas, fios embaralhados no céu. Aglomerado, concreto, urgência. É assim que muita gente imagina uma favela. E, de certo modo, é verdade. Mas só quem vive ali conhece bem o contraste, que é mais do que o vai e vem intenso, os desafios diários, o peso da exclusão.

Não é raro que alguém de fora perceba a beleza de uma comunidade, mas só quem vive ali todos os dias conhece de verdade seus contrastes, suas nuances. Rafael Freire, nascido e criado no Aglomerado da Serra – o maior território periférico de Minas Gerais, na zona sul de Belo Horizonte – carrega esse olhar de dentro, além de ser sensível e apurado, capturando com um enquadramento singular a beleza que só quem pertence pode revelar.

Durante sua adolescência, Rafael encontrou na fotografia um jeito de reaprender a se olhar. Em meio a uma crise depressiva, pediu emprestada a câmera da irmã e começou a se retratar, tentando reconhecer alguma beleza em si mesmo. Aos poucos, enquanto encontrava a beleza do lado de dentro, voltou as lentes também para o lado de fora, para seu entorno, e passou a registrar o que via de mais vivo: a natureza, os detalhes das vielas e as pessoas de sua comunidade. 

Certo dia, uma colega de trabalho lhe fez duas perguntas que, hoje, ao analisarmos, parecem ter traçado seu destino: “qual é o seu maior sonho?” e “por que você não vira fotógrafo?”. O que foi despertado ali foi a garra de superar dificuldades, enfrentar a labuta para conseguir comprar uma boa câmera, e dedicar horas de estudo autodidata até conquistar seu objetivo: se tornar fotógrafo.

Em meio as andanças da vida, em 2016, Rafael conseguiu um emprego como monitor de fotografia na Escola Municipal Senador Levindo Coelho e ouviu de um aluno uma frase que lhe causou um profundo incômodo: 

“Não há flor na favela.” 

Rafael teve a sensibilidade de olhar o entorno e ver que essa constatação era, de fato, verdadeira. Obstinado a transformar essa percepção, decidiu plantar sementes em uma das encostas da sua comunidade

Depois que as flores nasceram, as pétalas brancas e amarelas começaram a ser usadas em retratos de moradores do Aglomerado, dando vida ao projeto Favela, a Flor que se Aglomera, cuja filosofia é “plantar sementes” por meio da fotografia. Autoestima é o adubo da ação, valorizando os moradores da comunidade, agora protagonistas diante das lentes.

Com o tempo, outros brotos surgiram: encontros com jovens, rodas de conversa sobre autoestima, oficinas de fotografia gratuitas. Rafael compartilha com quem se interessa pelo seu saber o que o fez fotografar tão bem: escutar, observar, perceber os detalhes e dar a eles o protagonismo. Assim como foi incentivado na adolescência, ele também passou a ser apoio para outros.

Sua trajetória virou solo fértil para que mais histórias pudessem florescer. O reconhecimento veio não só dentro da comunidade, mas também nas redes sociais, que o ajudou a ser reconhecido e convidado a fazer parte de congressos, palestras e ações solidárias. Além disso tudo, como forma de catarse criativa – e também de valorização de sua identidade e trabalho – nasceu a Visto Preto, página onde ele comercializa fotos emolduradas, moletons e camisas estampadas com sua arte: um olhar preto sobre corpos pretos, com sensibilidade, orgulho e presença.

As flores que plantei: memórias plantadas, registradas e impressas

É impossível conhecer a história de Rafael Freire e não se lembrar do poema A flor e a náusea, de Drummond, e se surpreender, mais uma vez, com o fato de uma flor poder brotar até mesmo do asfalto. Assim também são os registros de Rafael, reunidos no livro As flores que plantei, que de um sonho pessoal, é também uma realização coletiva.

Para tornar esse livro realidade, Rafael lançou uma campanha de financiamento coletivo aqui, no Catarse. Ao apoiar, você se torna semente dessa transformação, contribuindo para a valorização, o pertencimento e a representatividade de uma comunidade inteira. As recompensas incluem desde impressões fine art assinadas, até rolê fotográfico na Serra, workshop ao ar livre e palestra institucional.

A publicação reúne retratos da comunidade, cenas do cotidiano, imagens do plantio e da força que o projeto despertou ao longo dos anos. É memória, é denúncia, é afeto. Um livro-favela, como o próprio Rafael define. Podemos dizer que cada página é uma pétala impressa dessa flor que insiste e resiste ao crescer.

Acesse a página e apoie, porque cada flor plantada na encosta é um gesto de resistência. E cada página virada é a prova viva de que, sim, há flor na favela.

Lorena Camilo
Mestra em Estudos Literários na área de pesquisa Literaturas Modernas e Contemporâneas; e bacharel em Letras em duas ênfases, Estudos sobre Edição com formação complementar em Comunicação Social e em Estudos Literários pela UFMG. É editora, revisora e redatora, além de aficionada por arte e cultura pop.

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Casas empilhadas e sobrepostas, ruas estreitas, fios embaralhados no céu. Aglomerado, concreto, urgência. É assim que muita gente imagina uma favela. E, de certo modo, é verdade. Mas só quem vive ali conhece bem o contraste, que é mais do que o vai e vem intenso, os desafios diários, o peso da exclusão.

Não é raro que alguém de fora perceba a beleza de uma comunidade, mas só quem vive ali todos os dias conhece de verdade seus contrastes, suas nuances. Rafael Freire, nascido e criado no Aglomerado da Serra – o maior território periférico de Minas Gerais, na zona sul de Belo Horizonte – carrega esse olhar de dentro, além de ser sensível e apurado, capturando com um enquadramento singular a beleza que só quem pertence pode revelar.

Durante sua adolescência, Rafael encontrou na fotografia um jeito de reaprender a se olhar. Em meio a uma crise depressiva, pediu emprestada a câmera da irmã e começou a se retratar, tentando reconhecer alguma beleza em si mesmo. Aos poucos, enquanto encontrava a beleza do lado de dentro, voltou as lentes também para o lado de fora, para seu entorno, e passou a registrar o que via de mais vivo: a natureza, os detalhes das vielas e as pessoas de sua comunidade. 

Certo dia, uma colega de trabalho lhe fez duas perguntas que, hoje, ao analisarmos, parecem ter traçado seu destino: “qual é o seu maior sonho?” e “por que você não vira fotógrafo?”. O que foi despertado ali foi a garra de superar dificuldades, enfrentar a labuta para conseguir comprar uma boa câmera, e dedicar horas de estudo autodidata até conquistar seu objetivo: se tornar fotógrafo.

Em meio as andanças da vida, em 2016, Rafael conseguiu um emprego como monitor de fotografia na Escola Municipal Senador Levindo Coelho e ouviu de um aluno uma frase que lhe causou um profundo incômodo: 

“Não há flor na favela.” 

Rafael teve a sensibilidade de olhar o entorno e ver que essa constatação era, de fato, verdadeira. Obstinado a transformar essa percepção, decidiu plantar sementes em uma das encostas da sua comunidade

Depois que as flores nasceram, as pétalas brancas e amarelas começaram a ser usadas em retratos de moradores do Aglomerado, dando vida ao projeto Favela, a Flor que se Aglomera, cuja filosofia é “plantar sementes” por meio da fotografia. Autoestima é o adubo da ação, valorizando os moradores da comunidade, agora protagonistas diante das lentes.

Com o tempo, outros brotos surgiram: encontros com jovens, rodas de conversa sobre autoestima, oficinas de fotografia gratuitas. Rafael compartilha com quem se interessa pelo seu saber o que o fez fotografar tão bem: escutar, observar, perceber os detalhes e dar a eles o protagonismo. Assim como foi incentivado na adolescência, ele também passou a ser apoio para outros.

Sua trajetória virou solo fértil para que mais histórias pudessem florescer. O reconhecimento veio não só dentro da comunidade, mas também nas redes sociais, que o ajudou a ser reconhecido e convidado a fazer parte de congressos, palestras e ações solidárias. Além disso tudo, como forma de catarse criativa – e também de valorização de sua identidade e trabalho – nasceu a Visto Preto, página onde ele comercializa fotos emolduradas, moletons e camisas estampadas com sua arte: um olhar preto sobre corpos pretos, com sensibilidade, orgulho e presença.

As flores que plantei: memórias plantadas, registradas e impressas

É impossível conhecer a história de Rafael Freire e não se lembrar do poema A flor e a náusea, de Drummond, e se surpreender, mais uma vez, com o fato de uma flor poder brotar até mesmo do asfalto. Assim também são os registros de Rafael, reunidos no livro As flores que plantei, que de um sonho pessoal, é também uma realização coletiva.

Para tornar esse livro realidade, Rafael lançou uma campanha de financiamento coletivo aqui, no Catarse. Ao apoiar, você se torna semente dessa transformação, contribuindo para a valorização, o pertencimento e a representatividade de uma comunidade inteira. As recompensas incluem desde impressões fine art assinadas, até rolê fotográfico na Serra, workshop ao ar livre e palestra institucional.

A publicação reúne retratos da comunidade, cenas do cotidiano, imagens do plantio e da força que o projeto despertou ao longo dos anos. É memória, é denúncia, é afeto. Um livro-favela, como o próprio Rafael define. Podemos dizer que cada página é uma pétala impressa dessa flor que insiste e resiste ao crescer.

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